O texto abaixo, de um dos nossos mais conhecidos especialistas na área petrolífera, é, basicamente, sobre a política que predomina no mundo em relação à produção de derivados de petróleo – confrontada com a política imposta à Petrobrás pelos últimos governos (e, a já anunciada política de Bolsonaro e asseclas para o setor).
Porém, não é somente por isso que aqui o reproduzimos.
O texto tem, também, o mérito de resumir informações muito importantes sobre a atividade de refino e sua relação com a produção de petróleo.
Sucintamente, é possível aprender bastante com a clareza do autor.
Originalmente, o texto foi publicado em Duplo Expresso, onde Paulo César Ribeiro Lima é hoje comentarista na área de Minas e Energia.
C.L.
PAULO CÉSAR RIBEIRO LIMA*
As atividades de refino e logística não são importantes apenas para o Brasil e para a Petrobrás; elas são fundamentais para todos os países e para as grandes empresas petrolíferas, privadas ou estatais, como a ExxonMobil, Shell, Rosneft e CNPC.
Nos Estados Unidos e China, a capacidade de refino de petróleo é muito superior à capacidade de produção. Na Rússia, segundo maior exportador de petróleo do mundo, a capacidade de refino é duas vezes maior que o consumo. No Brasil, a capacidade de refino é inferior tanto à capacidade de produção de óleo equivalente quanto ao consumo. A Figura 1 mostra esses dados.
A busca pela autossuficiência em derivados de petróleo pelos países e pela redução da dependência externa ficam claramente demonstradas pela Figura 1.
No cenário empresarial, a ExxonMobil é a maior empresa refinadora do mundo, com uma capacidade da ordem de 5,5 milhões de barris de petróleo por dia; a Shell vem em segundo lugar com uma capacidade de refino de 4,1 milhões de barris por dia. Essas empresas apresentam uma capacidade de refino superior à produção, ao contrário da Petrobrás.
A produção da ExxonMobil é de 4 milhões de barris de petróleo por dia1, enquanto a produção da Shell é de 3,9 milhões de barris de petróleo por dia. Ao contrário da ExxonMobil e da Shell, a capacidade de refino da Petrobrás é da mesma ordem de grandeza que a capacidade de produção de petróleo, que, em 2017, a foi de 2,22 milhões de barris por dia2.
Em razão da entrada em operação de várias unidades na província do Pré-Sal, a produção diária da Petrobrás de cerca de 2,6 milhões de barris de petróleo equivalente por dia deverá aumentar para 3,8 milhões de barris por dia, até 2019, segundo informações do Diretor de Desenvolvimento de Produção e Tecnologia da Petrobrás, em 17 de agosto de 20183. Observa-se, então, que a produção da Petrobrás poderá ser muito maior que sua capacidade de refino.
Se forem concretizadas as vendas da RNEST, RLAM, REPAR e REFAP, capacidade de refino da Petrobrás ficará muito menor que a capacidade de produção da empresa, pois, em conjunto, essas refinarias têm uma capacidade de processar cerca de 0,8 milhão de barris de petróleo por dia, admitindo-se um fator de utilização de 90%. A Figura 2 ilustra esse cenário e a comparação com as duas maiores empresas petrolíferas privadas.
Também é importante destacar o esforço de grandes empresas estatais em aumentar sua capacidade de refino.
A estatal russa Rosneft é a principal empresa de refino no país, sendo responsável por mais de 35% do mercado4. A capacidade de refino na Rússia, como mostrado na Figura 1, é superior a 11 milhões de barris de petróleo por dia.
A empresa opera treze grandes refinarias na Rússia. A Rosneft também opera várias pequenas refinarias no país. Em 2017, apenas na Rússia, a Rosneft refinou mais de 100 milhões de toneladas de petróleo, um grande aumento em relação ao refino de 87,5 milhões em 2016. A Rosneft também possui refinarias na Alemanha, Bielorrússia e Índia. Na Alemanha, o volume de processamento foi de 12 milhões de toneladas. Na Índia, a Rosneft tem participação de 49% na segunda maior refinaria de alta tecnologia, que tem uma capacidade total de processamento de 20 milhões de toneladas de petróleo por ano.
A China National Petroleum Corporation (CNPC) é uma empresa de propriedade do governo da China. Sua subsidiária Petrochina Company Limited (PetroChina) é listada em bolsa de valores. A CNPC e a PetroChina desenvolvem ativos em todo o mundo por meio de joint ventures. As estatais CNPC/PetroChina e China Petroleum & Chemical Corporation (Sinopec) são as maiores empresas de refino na China.
De 2005 a 2017, a capacidade de refino desse país aumentou de 5,4 para 14,5 milhões de barris de petróleo por dia5, conforme mostrado na Figura 3, o que representa um aumento de 268%. Nesse mesmo período, no Brasil, a capacidade de refino aumentou de 2,04 para 2,4 milhões de barris de petróleo por dia, o que representa um aumento de apenas 18%.
A seguir, a Tabela 1 mostra as maiores refinarias da China6. O número de refinarias privadas diminuiu drasticamente na China com o crescimento da Sinopec e da CNPC7.
Empresa |
Refinaria |
Capacidade (mil barris por dia) |
CNPC/PetroChina |
Fushun Petrochemical Refinery |
400 |
CNPC/PetroChina |
Lanzhou Refiner |
112 |
CNPC/PetroChina |
Daqing Petrochemical Refinery |
122 |
CNPC/PetroChina |
Jilin Chemical Refinery |
113 |
CNPC/PetroChina |
Dalian Petrochemical Refinery |
400 |
CNPC/PetroChina |
Jinxi Refinery |
111 |
CNPC/PetroChina |
Jinzhou Petrochemical Refinery |
112 |
CNPC/PetroChina |
Dushanzi Refinery |
120 |
CNPC/PetroChina |
Ürümqi Petrochemical |
101 |
Sinopec |
Beijing Yanshan Company Refinery
|
200 |
Sinopec |
Maoming Company Refinery |
265 |
Sinopec |
Luoyang Company |
100 |
Sinopec |
Jingmen Company |
120 |
Sinopec |
Jinling Company Refinery |
260 |
Sinopec |
Qilu Company Refinery |
210 |
Sinopec |
Shanghai Gaoqiao Oil Refinery |
220 |
Sinopec |
Tianjin Company Refinery |
100 |
Sinopec |
Zhenhai Refinery |
462 |
Sinopec |
Guangzhou Oil Refinery |
260 |
WEPEC |
Dalain Refinery |
200 |
A CNPC já opera refinarias no Japão, Singapura, Sudão, Escócia e França, e está em negociações no Brasil para uma parceria que pode dar à China sua primeira capacidade de refino nas Américas8.
Em 16 de outubro de 2018, a Petrobrás informou que assinou com a China National Oil and Gas Exploration and Development Company (CNODC), subsidiária da CNPC, um Acordo Integrado de Modelo de Negócios9.
Segundo o Acordo, serão desenvolvidos estudos de viabilidade para avaliação técnica do estado atual do Comperj, planejamento do escopo e investimentos necessários para conclusão da refinaria e avaliação econômica. Os estudos serão conduzidos por especialistas de ambas as empresas e consultores externos. Uma vez quantificados os custos e benefícios do negócio, pretende-se formar uma Joint Venture, que será responsável pela conclusão do projeto e pela operação da refinaria, com 80% de participação da Petrobrás e 20% da CNPC.
Também é importante mencionar que a CNPC está negociando projetos de refino com a Abu Dhabi National Oil Corporation (ADNOC), estatal dos Emirados Árabes que planeja dobrar sua capacidade de refino e triplicar seu potencial no setor petroquímico até 202510.
A estatal da Arábia Saudita, Saudi Aramco, investirá pesadamente para aumentar sua capacidade de refino e seus negócios no setor petroquímico para assegurar mercados de derivados para seu petróleo11.
A Saudi Aramco planeja aumentar sua capacidade de refino de 5 para 10 milhões de barris de petróleo por dia e dobrar sua produção petroquímica até 2030. A área química é estratégica para a estatal nas próximas décadas para diversificar o risco de uma queda na demanda de petróleo.
A estatal saudita anunciou um acordo inicial para um gigantesco complexo de refinaria e petroquímica na costa oeste da Índia com um consórcio de empresas indianas. O megaprojeto, estimado em US$ 44 bilhões, contempla uma grande refinaria com capacidade para processar 1,2 milhões de barris de petróleo por dia.
A Saudi Aramco também tem um projeto na Malásia com a estatal Petronas para o desenvolvimento de uma refinaria integrada a uma petroquímica (Refinery and Petrochemical Integrated Development, RAPID) com capacidade de 300 mil barris por dia no primeiro quadrimestre de 2019.
No mercado doméstico, a estatal saudita assinou um memorando de entendimento com a empresa francesa Total para construir um grande complexo petroquímico, em Jubail, que prevê investimentos de US$ 9 bilhões.
Observa-se, então, que as privatizações das unidades de refino, terminais e dutos das regiões Nordeste e Sul pela Petrobrás não estão em linha com o cenário internacional.
Ao que tudo indica, a descoberta da província petrolífera do Pré-sal, ao invés de reforçar a visão histórica e estratégica de uma empresa integrada, pode levar à desintegração da Estatal, o que pode ter graves consequências até para o Brasil. O Pré-sal, que é uma benção, se mal gerido, pode tornar-se uma maldição.
NOTAS:
*Paulo César Ribeiro Lima é PhD em Engenharia pela Universidade de Cranfield, ex-Consultor Legislativo do Senado Federal e ex-Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados. É comentarista do Duplo Expresso sobre Minas e Energia às segundas-feiras.
1Disponível em https://cdn.exxonmobil.com/~/media/global/files/summary-annual-report/2017-financial-and-operating-review.pdf. Acesso em 25 de outubro de 2018.
2Disponível em http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/planejamento-e-capacidade-tecnica-de-nossas-equipes-levam-a-recorde-de-producao.htm. Acesso em 25 de outubro de 2018.
3Disponível em https://monitordigital.com.br/produ-o-da-petrobras-crescer-46-at-2019. Acesso em 5 de setembro de 2018.
4Disponível em https://www.rosneft.com/business/Downstream/Neftepererabotka/. Acesso em 25 de outubro de 2018.
5Disponível em https://www.statista.com/statistics/273578/oil-refinery-capacity-of-china/. Acesso em 24 de outubro de 2018.
6Disponível em http://abarrelfull.wikidot.com/asian-refineries. Acesso em 26 de outubro de 2018.
7Disponível em https://www.forbes.com/sites/augustrick/2018/06/12/chinas-private-oil-companies-struggle-against-soes-with-new-tax-policy-from-beijing/#5b581c7c2a43. Acesso em 26 de outubro de 2018.
8Idem. Acesso em 26 de outubro de 2018.
9Disponível em http://www.investidorpetrobras.com.br/pt/comunicados-e-fatos-relevantes/fato-relevante-petrobras-e-cnpc-definem-o-modelo-de-negocios-para-parceria-estrategica-no-comperj-e. Acesso em 26 de outubro de 2018.
10Disponível em https://www.reuters.com/article/us-china-emirates-adnoc-cnpc/cnpc-to-sign-oil-exploration-refining-pact-with-uaes-adnoc-this-month-sources-idUSKBN1JW19M. Acesso em 26 de outubro de 2018.
11Disponível em https://oilprice.com/Energy/Energy-General/Saudi-Aramco-Looks-To-Double-Refining-Capacity.html. Acesso em 26 de outubro de 2018.