WALTER NEVES
CLÓVIS MONTEIRO
Núcleo de Pesquisa e Divulgação em Evolução Humana
Instituto de Estudos Avançados-USP
Os Bálcãs devem ter desempenhado uma função extremamente estratégica para a ocupação da Europa Ocidental pelo Homo sapiens, a partir da África, onde surgiu por volta de 230 mil anos. Apesar da importância da região, ela é pouco explorada do ponto de vista da paleoantropologia. Como resultado desse vácuo de pesquisas, existem na Romênia apenas 3 crânios humanos fósseis, todos datados com menos de 40 mil anos, exatamente quando o Homo sapiens está chegando na Europa.
Não existem até o momento restos de hominínios mais antigos que isso naquele país, embora os haja em países próximos. Na Turquia, por exemplo, existem materiais muito fragmentados encontrados no sítio de Kocabas e datados por volta de 1,3 milhão de anos; portanto, muito antes do homem moderno ter surgido no planeta. Na Sérvia, foram encontrados recentemente restos datados entre 300 e 500 mil anos, também muito anterior ao surgimento do Homo sapiens. A vizinha Bulgária empata com a Romênia. No sítio de Bacho Kiro foram encontrados hominínios fósseis, por volta também de 30 mil anos.
Os três crânios encontrados até o momento na Romênia pertencem à espécie Homo sapiens e foram encontrados nos sítios de Pestera cu Oase, Pestera Muierii e Pestera Cioclovina (Pestera, em Romeno, significa caverna). Esses 3 crânios apresentam uma peculiaridade que já havia sido notada por Eric Trinkaus, da Universidade de Washington, desde o início dos anos 2000: apesar de serem inequivocamente Homo sapiens, mostram algumas poucas características neandertais, que certamente também viveram na região, até a chegada do homem moderno.
Entre essas características neandertais, ressalta-se a presença do coque occipital (ver figura), que é uma expansão na posterior do crânio. Esses estudos de Eric Trinkaus, todos realizados com colegas romenos, foram muito questionados porque até a época em que foram realizados acreditava-se que não teria havido troca gênica entre neandertais e sapiens, quando esses se encontraram no Oriente Médio e na Europa.
Esse quadro mudou quando em 2015 foi extraído do crânio de Pestera cu Oase, fragmentos de seu DNA. Para surpresa de todos, o genoma desse indivíduo mostrou que continha fragmentos de DNA de neandertais, confirmando, portanto, que se trata mesmo de um híbrido entre as duas espécies, Homo sapiens e Homo neandertalensis. Mas, evidentemente, com esmagadora contribuição do primeiro. Quando o DNA fóssil de Pestera cu Oase foi extraído, já se sabia que neandertais e sapiens trocaram genes entre si, entretanto, a contribuição neandertal variava entre 2% e 3%. Espantosamente, Pestera cu Oase apresentou 6% de contribuição neandertal.
Mais recentemente, foi também extraído DNA fóssil do crânio de Pestera Muierii. O sequenciamento do DNA extraído confirmou que ali ocorreu o mesmo que em Pestera cu Oase, ou seja, houve realmente introgressão gênica de DNA neandertal no genoma dos sapiens locais. Só que no caso de Muierii, essa contribuição foi de apenas 3%.
A Romênia, e provavelmente todo o norte dos Bálcãs, configuram, portanto, uma área na qual neandertais e sapiens conviveram por um longo período, tendo havido extensa troca gênica entre as duas espécies. Ocorre, entretanto, que nunca foi achado naquele país nenhum esqueleto neandertal para permitir conhecer em detalhes essa convivência. Por isso, a partir de abril de 2024, o Núcleo de Pesquisa e Divulgação em Evolução Humana do IEA-USP, a Universidade de Bucareste e a Universidade de Valahia se juntarão em um projeto conjunto com o objetivo de encontrar esqueletos neandertais na Romênia, mais especificamente no oeste nos Montes Cárpatos.
Como fazer para participar dessa expedição com Walter Neves na Romênia?
O leitor pode procurar o Núcleo de pesquisa no IEA-USP. De qualquer maneira, passamos o contato para que eles entrem em comunicação com o leitor.
Fantástica a possibilidade de encontrar fósseis neandertais na Romênia com a participação de pesquisadores brasileiros.