Paulo César Ribeiro Lima
De 1954 ao início da década de 1980, a Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobrás foi uma empresa, basicamente, de refino. Naquele período, apesar de a produção de petróleo ser muito abaixo da sua demanda, o Brasil se orgulhava de ter uma capacidade de refino superior às suas necessidades de derivados.
Constitucionalmente, a Petrobrás manteve-se como executora do monopólio estatal do petróleo nas atividades de exploração, produção, refino, transporte e comércio exterior até a promulgação daEmenda Constitucional nº 9, de 1995. Com a promulgação dessa Emenda, a União passou a poder contratar com empresas estatais ou privadas tais atividades.
Com relação ao refino, atualmente o parque brasileiro conta com 17 refinarias, com capacidade para processar 2,4 milhões de barris por dia, mesmo valor de 2016. Treze dessas refinarias pertencem à Petrobrás e respondem por 98,2% da capacidade total de refino. O Brasil conta, ainda, com 97 terminais autorizados, sendo 9 centros coletores de etanol, 55 terminais aquaviários e 33 terminais terrestres, totalizando 1.777 tanques.
Está em curso a privatização não somente das refinarias, mas de oleodutos e terminais das regiões Nordeste e Sul. O modelo de privatização prevê a criação de duas subsidiárias, uma reunindo ativos da Região Nordeste e a outra reunindo ativos da Região Sul. A Petrobrás pretende vender 60% da participação acionária em cada uma dessas novas subsidiárias.
Caso sejam criadas e privatizadas essas subsidiárias, todos os ativos, compostos por refinarias (RNEST, RLAM, REPAR e REFAP), oleodutos e terminais, serão controlados por empresas privadas, que terão o monopólio do refino e logística nas regiões Nordeste e Sul.
Importa ressaltar que os preços praticados pela Petrobrás podem ser administrados pela União, que detém o controle do capital votante da empresa. Um monopólio privado, sem regulação, poderá levar à escassez de suprimento e ao aumento do preço dos derivados.
Para se evitar abusos por parte do controlador, propõe-se a regulação dos preços dos derivados no Brasil, de modo a garantir preços compatíveis com os do mercado dos Estados Unidos, por exemplo. No caso de não haver autossuficiência em determinados derivados, uma redução dos tributos pode garantir a competitividade da importação de derivados necessários ao abastecimento interno. Também nesse caso, os preços seriam compatíveis com os do mercado internacional.
Nesse modelo, a Petrobrás pode continuar como a grande refinadora nacional, sem prejuízo para os consumidores brasileiros e para os potenciais investidores nacionais ou estrangeiros, que teriam suas rentabilidades asseguradas.
Importa destacar que a Petrobrás produz petróleo e derivados com alta eficiência e baixo custo.
Somados o custo de refino e outros custos, como administrativos e de transporte, o custo médio de produção de derivados, como o óleo diesel, é da ordem de US$40 por barril, para um valor do barril do petróleo a US$70. Utilizando-se uma taxa de câmbio de R$3,70 por Dólar e como o barril tem 158,98 litros, o custo médio de produção do diesel é de apenas R$0,93 por litro. Nenhuma empresa privada terá um custo de produção tão baixo.
As privatizações e desinvestimentos em curso reduzem deliberadamente a participação da Petrobrás em atividades previstas no seu objeto social, a despeito do relevante interesse coletivo, com efeitos sobre a atividade da empresa e sobre a economia brasileira.
As atividades de refino e logística não são importantes apenas para o Brasil e para a Petrobrás; elas são fundamentais para todos os países e para as grandes empresas petrolíferas, privadas ou estatais, como a ExxonMobil, Shell, Rosneft e CNPC.
Nos Estados Unidos e na China, a capacidade de refino de petróleo é muito superior à capacidade de produção. Na Rússia, segundo maior exportador de petróleo do mundo, a capacidade de refino é duas vezes maior que o consumo. No Brasil, a capacidade de refino é inferior tanto à capacidade de produção quanto ao consumo.
No cenário empresarial, a ExxonMobil é a maior empresa refinadora do mundo, com uma capacidade da ordem de 5,5 milhões de barris de petróleo por dia; a Shell vem em segundo lugar com uma capacidade de refino de 4,1 milhões de barris por dia. Essas empresas apresentam uma capacidade de refino superior à de produção, ao contrário da Petrobras.
Se forem concretizadas as vendas das refinarias do Nordeste e do Sul, a capacidade de refino da Petrobras ficará muito menor que a de produção da empresa, pois, em conjunto, essas refinarias podem processar cerca de 0,8 milhão de barris de petróleo por dia.
A Abu Dhabi National Oil Corporation – ADNOC, estatal dos Emirados Árabes, planeja dobrar sua capacidade de refino e triplicar seu potencial no setor petroquímico até 2025.
A estatal da Arábia Saudita, Saudi Aramco, planeja aumentar sua capacidade de refino de 5 para 10 milhões de barris de petróleo por dia e dobrar sua produção petroquímica até 2030. A área química é estratégica para a estatal nas próximas décadas para diversificar o risco de uma queda na demanda de petróleo.
Observa-se, então, que as privatizações das unidades de refino, terminais e dutos das regiões Nordeste e Sul pela Petrobrás não estão em linha com o cenário internacional.
Vale ressaltar, também, que o argumento apresentado pela Petrobrás para essas privatizações não se sustenta tecnicamente, pois a dívida líquida da Estatal já se reduziu de US$106,2 bilhões, em 2014, para US$84,8 em 2017. A previsão é de uma dívida líquida de US$69 bilhões no final de 2018. Com isso, o índice de alavancagem caminha para 2,5 no final de 2018, em sintonia com parâmetros internacionais.
A província petrolífera do Pré-Sal, que é uma obra-prima da criação, foi descoberta pela Petrobrás e está em pleno desenvolvimento e produção, a baixíssimo custo, em razão da tecnologia desenvolvida pela Estatal.
O petróleo do Pré-Sal pode ser uma fonte de recursos para as áreas de educação, ciência e tecnologia, e defesa nacional. Pode, ainda, ser uma importante fonte de matérias-primas para o refino e a petroquímica nacional. Nesse contexto, não há como negar a importância estratégica da Petrobrás, não somente na área de exploração e produção, mas também no refino e distribuição.
Importa registrar que nenhuma das grandes empresas petrolíferas do mundo abrem mão de ter uma estrutura verticalizada.
Se gerido sem visão estratégica, o Pré-Sal pode tornar-se uma maldição. Sua descoberta, em vez de reforçar a visão histórica e estratégica da Petrobrás como empresa integrada de energia, pode levar à desintegração da Estatal, acarretando graves consequências até para a segurança nacional.
Paulo César Ribeiro Lima é PhD em Engenharia Mecânica pela Cranfield University (1999), ex-consultor legislativo do Senado Federal e ex-consultor legislativo da Câmara dos Deputados.
*Artigo extraído do portal da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET)