Os crimes do cartel do bilhão contra o Brasil (2)
(HP 08/08/2015)
CARLOS LOPES
Esta segunda parte de nossa série sobre os crimes do Clube do Bilhão contra a Petrobrás, refere-se à lavagem de dinheiro – mas não à lavagem em geral, que merecerá uma abordagem à parte.
Trata-se, especificamente, da lavagem no caso OCCH, relatado na última edição.
Mas, além da tecnologia da lavagem – aliás, das mais grosseiras – existe algo que chama atenção: para obter dois aditivos em valor total de pouco mais de R$ 70 milhões (R$ 70.168.128), a Odebrecht, Camargo Corrêa e Hochtief subornaram um gerente local da Petrobrás no Espírito Santo por R$ 3 milhões. Só aí já são mais de 4% do total dos aditivos.
Mas que poder tinha um gerente local para decidir sobre aditivos de uma obra, como a do Centro Administrativo em Vitória, que custou mais de meio bilhão de reais?
Além disso, a Odebrecht e suas parceiras de quadrilha tinham canal direto com a diretoria de serviços (Renato Duque e seu gerente-executivo, Pedro Barusco), e, de resto, também com o PT e o governo.
Para que precisariam subornar um gerente local por mais de 4% do valor dos aditivos que queriam?
Pareceu-nos, no início, lógico que esse suborno não fosse apenas para o gerente local.
A possibilidade é grande.
No entanto, existe outra hipótese: a de que essa propina fosse um “cala-boca” diante de algum problema. Por exemplo: esses aditivos eram realmente necessários ou tinham apenas o objetivo de roubar a Petrobrás sem que nada se fizesse, mesmo minimamente, para justificá-los?
Ou será que o ritmo das obras estava tão artificialmente lento (até para provocar os aditivos) que o cartel necessitava de um subornado na gerência local, para evitar o risco de reclamações incômodas?
Não sabemos. É possível que as investigações esclareçam. Mas do que não resta dúvida são as ilegalidades perpetradas por esses aprendizes de monopolistas.
Por último, uma advertência: na tabela que reproduzimos, extraída da página 191 da denúncia do Ministério Público Federal contra Marcelo Odebrecht e outros, pode ser que haja um erro – a troca entre “depositante” e “beneficiário”. A inversão seria mais coerente com o texto que acompanha essa tabela.
No entanto, optamos por não alterá-la, pela simples razão de que a denúncia é tão abundante no relato de crimes – é preciso ser muito cínico para dizer que isso não existe ou que é “perseguição política” – que podemos, perfeitamente, não ter entendido alguma coisa inteiramente.
Na dúvida, ainda que esta seja pequena, preferimos reproduzir a tabela sem alterá-la, uma vez que o leitor tem plenas condições de compreender o problema – e fazer as correções devidas, assim como perceber que trabalho tão intenso, inevitavelmente, pode ter lá os seus problemas de detalhe.
O que em nada prejudica a essência – e o conjunto.
C.L.
Na data de 09/08/2010, o Consórcio OCCH, composto pelas empresas Construtora Norberto Odebrecht S.A., Construções e Comércio Camargo Corrêa e Hochtief do Brasil S.A., celebrou o contrato no BR/ES-182/2007 com a empresa Sul Brasil Construções Ltda. [Nota: atualmente denominada Freitas Filho Construções Ltda.], cujo objeto constitui a prestação de serviços de consultoria e assessoria técnica relacionados à construção da Sede Administrativa de Unidades da Petrobrás em Vitória/ES.
Por orientação dos denunciados Marcelo Odebrecht, Márcio Faria e Rogério Araújo, o contrato foi subscrito por Paulo Boghossian e Carlos José Vieira Machado da Cunha, na condição de representantes da Construtora Norberto Odebrecht S.A., enquanto a Sul Brasil se fez representar por Eduardo Freitas Filho, proprietário da empresa. O contrato apresentava prazo inicial de 360 dias e valor de R$ 1.200.000,00. Todos eles estavam plenamente cientes de que o contrato tinha como objetivo operacionalizar o repasse de valores indevidos a Celso Araripe, fraudulentamente justificados através de documentos simulados.
Celebraram, ainda, termo aditivo ao contrato, em 20/08/2013, com efeitos retroativos, estendendo o prazo contratual até a data de 31/11/2013, sendo a remuneração concernente aos serviços prestados entre o período de 09/08/2011 e 09/11/2013 equivalente a R$ 2.700.000,00. O contrato foi assinado pela empresa Sul Brasil por seu proprietário, Eduardo Freitas Filho, tendo a Construtora Norberto Odebrecht S.A. sido representada por Carlos José Vieira Machado da Cunha, por determinação de Marcelo Odebrecht, Márcio Faria e Rogério Araújo.
A análise da quebra do sigilo fiscal da empresa Sul Brasil/Freitas Filho demonstrou que, efetivamente, foram declarados pagamentos no montante total de R$ 3.810.803,54, durante os anos de 2010 e 2013, pelo Consórcio OCCH nas contas bancárias da Sul Brasil, conforme demonstra a IPEI no PR20150015, elaborada pela Receita Federal do Brasil.
A quebra do sigilo bancário da empresa, por sua vez, demonstrou o recebimento do valor líquido de R$ 3.576.439,13 provenientes do Consórcio OCCH no interregno entre 20/12/2010 e 04/10/2013, conforme ilustra a tabela:
Não obstante os altos pagamentos, a empresa declarou apenas um funcionário neste período, não havendo provas contundentes de que tivesse capacidade para prestar os serviços contratados.
Nesta seara, observe-se que quando do cumprimento de diligências em sua sede tanto pelo Ministério Público Federal, quanto pela Polícia Federal, não foram encontrados indícios de que a empresa efetivamente funcionasse. No cumprimento das medidas de Busca e Apreensão, ademais, não foram encontrados relatórios comprobatórios da prestação de serviços em tela, havendo poucos móveis na sala, a qual claramente não era utilizada para o funcionamento da empresa.
Embora tenham sido entregues:
i) pelo proprietário da Sul Brasil/Freitas Filho, Eduardo Freitas Filho, relatório de medição;
ii) pelo Consórcio OCCH, comprovantes de rendimentos correspondentes ao contrato em comento;
iii) pela Hochtief, cópias de passagens de avião adquiridas pelo Consórcio OCCH para que Eduardo Freitas Filho fosse até Vitória/ES e minutas de pleitos junto a Petrobrás que ele teria ajudado a elaborar, tais elementos, em sua maioria genéricos e meramente formais, de forma alguma comprovam a efetiva prestação de serviços pela empresa de Eduardo Freitas Filho.
De fato, não há nenhum elemento que comprove que referidas minutas contratuais tenham sido elaboradas com o auxílio de Eduardo Freitas Filho, nem que sejam os relatórios de medição autênticos. Some-se a isso o fato de que nenhum documento referente à prestação de serviços foi encontrado na sede da empresa, sendo tão somente fornecidos por seu proprietário à Polícia Federal.
Conclui-se, portanto, pela ausência de elementos que corroborem a prestação dos serviços decorrentes da contratação da empresa Sul Brasil/Freitas Filho pelo Consórcio OCCH, sendo tal contratação fraudulenta realizada com a finalidade de repassar valores indevidos a Celso Araripe. Não obstante, na remota hipótese de terem os serviços efetivamente sido prestados, o foram de modo parcial, tendo o instrumento contratual e seu aditivo sido utilizados também com a finalidade de justificar o repasse de valores a Celso Araripe.
Corrobora tal afirmação o depoimento de Eduardo Leite [vice-presidente da Camargo Corrêa], segundo o qual a afirmação de Eduardo Freitas Filho de que as consultorias teriam sido prestadas de modo oral, não se sustenta. O colaborador declarou que questões tratadas em pleitos como o do contrato celebrado pelo consórcio com a Sul Brasil/Freitas Filho são extremamente complexas, exigindo que diversos relatórios e documentos elaborados pela empresa responsável pela consultoria, o que não foi observado no presente caso.
Somem-se a isto as declarações de Eduardo Leite e Dalton Avancini [presidente da Camargo Corrêa], segundo os quais foi a contratação da Sul Brasil realizada com a finalidade de repassar os valores indevidos prometidos a Celso Araripe.
[Declarações de Eduardo Leite: “… Paulo Augusto Santos Silva, embora tenha assumido o cargo de Diretor de Operações [da Camargo Corrêa] apenas em 2012, como o contrato entre o Consórcio OCCH e a Petrobrás ainda estava em execução, Paulo obteve informações por meio de Dalton Avancini, diretor anterior, ou pelo próprio Consórcio OCCH, e relatou ao depoente que o Gerente Local da Petrobrás na obra referida, Celso Araripe, por intermédio desses dois contratos, obteve vantagem indevida consistente nos valores que constam em cada um dos contratos, isto é, um total R$ 3 milhões de reais” – v. Termo de Colaboração no 14]
[Declarações de Dalton Avancini: “… diz ter sido reportado no ano de 2010, pelo representante da Camargo junto ao consórcio, de nome Paulo Augusto, de que um funcionário da Petrobrás de nome Celso Araripe teria dito que a aprovação de alguns aditivos poderia ser acelerada mediante o pagamento de propinas; essa situação era de conhecimento das empresas que compunham o consórcio, Odebrecht e Hotchief; considerando que o contrato estava em sua fase final e os aditivos eram necessários, autorizou Paulo Augusto dos Santos Silva a levar a frente essa negociação, cabendo a ele tratar com as demais empreiteiras do consórcio; posteriormente Paulo Augusto lhe disse que o pagamento da propina a Celso Araripe teria sido implementado mediante um contrato de serviços junto às empresas EIP Serviços de Engenharia e Sul Brasil Construções, não sabendo informar o valor desses contratos, cuja cópia será fornecida pelo declarante” – v. Termo de Colaboração no 03.]
Muito embora Celso Araripe e Eduardo Freitas Filho tenham negado referido repasse de valores, a quebra do sigilo bancário da Sul Brasil/Freitas Filho demonstrou que foram realizados depósitos periódicos através das contas bancárias de Eduardo Freitas Filho e da Sul Brasil Construções/Freitas Filho Construções em favor do funcionário da Petrobrás.
O Laudo no 1441/2015-SETEC/SR/DPF/PR397 demonstra que Celso Araripe, utilizando-se de contas-correntes titularizadas por ele e por seus familiares, notadamente sua esposa, Maria Madalena Rodrigues Melo Araripe, sua irmã, Angela Maria Araripe D’Oliveira Souto, e sua sobrinha, Juua D’Oliveira Souto, recebeu R$ 1.461.318,32 provenientes das contas de propriedade da empresa Sul Brasil/Freitas Filho e de Eduardo Freitas Filho. A extração de dados dos dias 17/03/2011 e 12/11/2014, Celso Araripe recebeu nas contas acima mencionadas R$ 1.467.063,62 originados de contas titularizadas pela empresa acima mencionada, bem como por seu proprietário.
Cumpre salientar, ainda, que os aditivos de valor celebrados entre 2010 e 2012 pelo Consórcio OCCH e a Petrobrás, no interesse do contrato no 0801.0028225.06.2, foram assinados por Celso Araripe.
Deste modo, conclui-se que o contrato celebrado na data de 09/08/2010, entre o Consórcio OCCH, composto pelas empresas Construtora Norberto Odebrecht S.A., Construções e Comércio Camargo Corrêa e Hochtief do Brasil S.A., com a empresa Sul Brasil Construção/Freitas Filho Construção, tendo por objeto a “prestação de serviços de consultoria e assessora técnica especializada”, bem com o seu aditivo, celebrado em 20/08/2013, foram firmados com o intuito de dissimular a origem ilícita dos valores obtidos pelo Consórcio OCCH da Petrobrás, mediante a prática de crimes de organização criminosa, formação de cartel, contra a administração pública, fraude à licitação, oportunizando o posterior repasse do dinheiro a Celso Araripe.
Diante de tal quadro, Marcelo Odebrecht, Márcio Faria e Rogério Araújo, Paulo Boghossian, Eduardo Freitas Filho e Celso Araripe, agindo em conluio e com unidade de desígnios, firmaram contrato e aditivo ideologicamente falso entre o Consórcio OCCH e a empresa Sul Brasil Construção/Freitas Filho Construção para em seguida realizar, entre 20/12/2010 e 04/10/2013, 8 (oito) transferências com aparência de regularidade entre as contas destas pessoas jurídicas, dissimulando a origem, disposição, movimentação e propriedade de R$ 3.576.439,13 provenientes direta e indiretamente dos crimes de organização criminosa, formação de cartel, contra a administração pública, fraude à licitação contra a Petrobrás e outros, violando o disposto no art. 1o da Lei incorrendo, assim, na prática do crime de lavagem de capitais por 8 (oito) vezes, em concurso material.