
Alguém – acho que Spinoza, mas não tenho certeza – escreveu que é nos momentos de maior loucura que se precisa mais da lucidez.
A frase pode parecer óbvia, mas não é, como mostra a disputa, depois do banho de sangue em Suzano, entre os que acham que existem armas de mais e aqueles que acham que existem armas de menos.
O país está devastado, com milhões de desempregados, a escola pública foi arrasada, a saúde é cada vez menos pública, as oportunidades de lazer para os jovens reduzem-se ao consumo de porcarias importadas – ou de outras porcarias.
A segurança de viver – inclusive a famosa segurança jurídica – desapareceu para mais de 90% dos brasileiros, inclusive direitos trabalhistas consagrados havia décadas.
O Estado, seja lá sob que forma, é um ausente nos bairros populares – vale dizer, na maior parte do Brasil.
Em seu lugar, quadrilhas – de traficantes ou “milícias” – ocupam o espaço.
Como se isso não bastasse, os direitos que ao povo ainda restam – a começar pelo direito a se aposentar, ainda que com magra aposentadoria – estão sob ameaça, com um governo que somente consegue atrair (e por pouco tempo) alucinados, astrólogos, entreguistas, vigaristas, fanáticos, débeis mentais e outros espécimens bizarros.
O acesso à Justiça – e à justiça – é negócio para ricos, apesar dos esforços de muitos promotores, procuradores e juízes.
A roubalheira, o topa tudo por dinheiro, a moral (???) dos espertos e dos canalhas, dos puxa-sacos, dos vagabundos, dos que não querem trabalhar, dos que querem viver (e vivem) espoliando a coletividade, começa no governo.
A identidade nacional é atacada – tão atacada que até as formas que assume o desespero, sejam as seitas obscurantistas, sejam os assassinatos em massa, são importadas.
E, depois, quando essa desgraça explode em sangue, a discussão é se há muita ou pouca arma!
Ou se a culpa do massacre é do “bullying” ou da falta de Deus.
O mesmo Spinoza disse uma vez que “aqueles que, quando ignoram uma coisa, recorrem à vontade de Deus, estão totalmente loucos: é apenas uma forma ridícula, sem dúvida, de confessar a própria ignorância”.
Agora, imaginemos só aqueles que, em vez de recorrer a Deus, recorrem à falta de Deus…
Como se Deus tivesse alguma coisa a ver com o que está sendo feito neste país.
A continuar nessa ordem de explicações, seria melhor recorrer ao Diabo.
Deve ser isso o que fez Bolsonaro. Segundo escreveu em seu Twitter, o que aconteceu em Suzano foi uma “monstruosidade e covardia sem tamanho”.
Parece que ele estava se referindo a algum tiroteio no Velho Oeste dos EUA, em que um pistoleiro atirou pelas costas de outro.
Já o vice, Mourão, observou que “essas coisas não aconteciam no Brasil”.
Realmente, não aconteciam. Não somos os EUA, onde já houve 19 massacres em escolas – e há uma média de 10 ataques por arma de fogo, dentro de escolas, a cada ano, segundo o insuspeito (nessa questão) “The Washington Post”.
Mas por que essas coisas passaram a acontecer no Brasil?
Nem o capitão nem o general parecem achar que a política que defendem, propõem – e estão executando – tem alguma coisa a ver com isso.
Como se a anulação do que é brasileiro – como se a alienação brutal em relação às necessidades de nosso povo e de nossa Nação – pudessem levar a algum lugar que não o abismo.
Sintomaticamente, a chacina em Suzano aconteceu no dia seguinte à prisão dos assassinos da vereadora Marielle Franco.
Para surpresa geral, o assassino morava no mesmo condomínio – e na mesma rua – que o presidente da República, Jair Bolsonaro.

Não somente morava no mesmo condomínio e na mesma rua, como um dos filhos de Bolsonaro foi namorado de uma filha do assassino – um sargento da PM, egresso do Exército, tal como Bolsonaro e Fabrício Queiroz, o capataz que recolhia dinheiro no gabinete de seu filho, o então deputado estadual Flávio Bolsonaro, agora abrilhantando o Senado Federal.
E, mais: o assassino e vizinho de Bolsonaro, Ronnie Lessa, foi introduzido no Escritório do Crime – o bando de assassinos por encomenda das “milícias” – pelo ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega, cuja mãe e esposa trabalhavam no gabinete do deputado estadual Flávio Bolsonaro, por nomeação deste (v. Mãe e mulher de chefe de milícia trabalhavam para Flávio Bolsonaro na Alerj).
Adriano Nóbrega, aliás, recebeu duas homenagens da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), todas duas por iniciativa de Flávio Bolsonaro. Uma delas, a Medalha Tiradentes, a mais alta condecoração do Estado do Rio de Janeiro, foi entregue a Adriano Nóbrega na prisão, onde estava, em 2005, pelo assassinato do guardador de carros Leandro dos Santos Silva, de 24 anos (v. Miliciano estava preso quando recebeu Medalha Tiradentes de Flávio Bolsonaro).
Diz Bolsonaro que não se lembra do assassino, um dos sicários do Escritório do Crime, e que outras pessoas já foram presas no condomínio, “incluindo uma mulher por tráfico internacional de droga”.
O quase inacreditável é Bolsonaro achar normal que o lugar em que mora no Rio fosse tão preferido por assassinos, traficantes e futuros presidentes da República…
Já, segundo o deputado Eduardo Bolsonaro, “esse caso de assassinato [de Marielle]é como os outros 62 mil casos que a gente tem no Brasil”.
Será que todos esses assassinos moram no mesmo condomínio do presidente da República?
Mas, também, disse o filho de Bolsonaro: “É um desespero para tentar dizer que Bolsonaro tem culpa no cartório”.
Mas quem foi que disse isso?
Pelo menos por enquanto, o único que aventou essa hipótese foi o deputado Bolsonaro.
O que está claro, até agora, é o meio em que vivia o atual presidente da República. É isso o que, até agora, provoca estranheza.
Já dizia o Apóstolo Paulo: “Não vos enganeis. As más companhias corrompem os bons costumes” (Primeira Epístola aos Coríntios 15, 33).
Mas por que nos detivemos nessa ganga?
Porque, quando o exemplo não vem de cima, quando o estado moral do país é dado por essa miséria, quando as famílias são dilaceradas e a cultura do país é esmagada por lixo estrangeiro, não se pode esperar nada, além de que o refugo externo e a devastação nacional engendrem explosões de sangue.
Certamente, nosso país, nosso povo, tem energias para superar essa situação.
E vamos superá-la, devolvendo ao esgoto aquilo que nunca dele deveria ter saído.
C.L.
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