A nota do PT – sobre a derrubada da liminar de Marco Aurélio Mello para soltar Lula – vale por um perfil de caráter.
Resumindo a questão: o Supremo Tribunal Federal (STF) tem o entendimento (a “jurisprudência”) de que, após a condenação pela segunda instância da Justiça, inicia-se o cumprimento da pena pelo criminoso.
É o caso de Lula, condenado pela 13ª Vara Federal de Curitiba e pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) – a segunda instância – por corrupção passiva e lavagem, devido a receber propina, no caso do triplex do Guarujá.
Desde que Lula foi preso, o PT iniciou uma campanha para que o STF voltasse ao entendimento que vigorou entre 2009 e 2016, segundo o qual a prisão só poderia se dar após o esgotamento de todos os recursos – o que, para quem tem dinheiro, significa, na prática, jamais ir para a cadeia (v. Por que a prisão após a segunda condenação é legal, justa e necessária).
Brevemente, voltaremos a esse tema em outro artigo. Aqui, o importante é que a posição atual do STF autoriza o cumprimento da pena – isto é, a prisão – após a condenação do réu por um tribunal de segunda instância. Ou seja, o cumprimento da pena deve ser dar após a dupla condenação no mesmo processo: pela primeira instância (as Varas federais e estaduais) e pela segunda instância (Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais).
A liminar de Marco Aurélio Mello passava por cima do STF, ao soltar todos os condenados pela segunda instância.
Essa liminar, emitida às 14 h de quarta-feira, foi derrubada às 19 h do mesmo dia pelo presidente do STF, Dias Toffoli, depois de pedido da procuradora geral da República, Raquel Dodge (v. Presidente do STF derruba liminar que soltava Lula).
A nota do PT, como em tudo nos lulistas há muito, ignora tanto a realidade quanto a inteligência das pessoas. Nenhuma das duas tem a menor importância para o entorno de Lula, exceto como objetos de manipulação.
Por exemplo:
“Na tarde de ontem, diante da ordem inquestionável do ministro Marco Aurélio, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, rebelou-se contra a Justiça e requereu a suspensão da liminar (o que não tem precedentes), e o fez especificamente em relação ao cidadão Luiz Inácio Lula da Silva, e somente a Lula, sendo que a decisão do ministro Marco Aurélio dirigia-se indistintamente a todos que cumprem prisão antecipada antes do trânsito em julgado.”
O que é mentiroso aqui é apenas tudo.
1) Por que a “ordem” de Marco Aurélio era “inquestionável”?
Porque o PT e seu führer não querem ser questionados.
Fora isso, não há motivo para achar que uma liminar não pode ser questionada – muito menos para considerá-la “ordem inquestionável”.
2) A procuradora geral da República não “se rebelou contra a Justiça”.
Ela apenas recorreu contra a decisão de um ministro do STF, que emitiu uma liminar inconstitucional, afrontando o próprio Tribunal de que faz parte.
Desde quando um recurso contra uma decisão judicial – mesmo que fosse uma decisão do pleno de um Tribunal – é “rebelar-se” contra a Justiça?
Somente Lula é que pode fazer um recurso atrás do outro contra as decisões de juízes e Tribunais?
Essa maneira, beirando o fascismo, de considerar as instituições, expõe que, para o PT, a Procuradoria Geral da República e a Justiça têm que se submeter ao interesse de Lula de ficar impune por seus crimes, tal como fez Marco Aurélio Mello, na quarta-feira.
Se não for assim, o PT considera que se trata de uma “rebelião”.
E o PT não gosta de “rebeliões”.
3) Não é verdade que o recurso contra a decisão de um ministro – ou até de todo um tribunal – “não tem precedentes”.
Tal afirmação é tão absurda, que chega a ser imbecil.
Recorrer de decisões dos ministros do STF é absolutamente comum.
Quantos recursos a Procuradoria Geral da República já fez contra decisões de Gilmar Mendes ao soltar presos da Operação Lava Jato?
A oligofrenia da mentira clama alguma explicação. Ou provoca uma indagação: será que é só isso que resta aos sequazes de Lula? Reclamar porque o Ministério Público não se submeteu a eles – e, para isso, não conseguiram outra coisa, além de uma mentira estúpida?
4) É risível a afirmação de que “a decisão do ministro Marco Aurélio dirigia-se indistintamente a todos que cumprem prisão antecipada antes do trânsito em julgado”.
Pois isso é o que há de mais absurdo e ilegal na decisão.
Estaria Marco Aurélio ou o PT preocupados com o Zé das Couves, que cumpre pena, depois de condenado em segunda instância, por roubar as galinhas do vizinho, talvez na Cadeia Pública de Cerejeiras, lá em Rondônia?
É óbvio que o objetivo da liminar foi soltar Lula, contra a decisão do próprio Supremo Tribunal Federal.
Para isso, Marco Aurélio nem ao menos considerou que soltava, também, junto com Lula, 169 mil outros criminosos que cumprem pena após a condenação pela segunda instância da Justiça.
Ou considerou – e não lhe importa em nada a sociedade.
5) Por fim, é mentira que a procuradora geral tenha pedido a revogação da liminar “especificamente em relação ao cidadão Luiz Inácio Lula da Silva, e somente a Lula”.
Pelo contrário: Lula nem ao menos é citado no pedido da procuradora ao presidente do STF para que suspendesse a liminar de Marco Aurélio Mello.
Se o leitor quiser conferir, pode ler a íntegra do recurso de Raquel Dodge.
VIÉS
Portanto, em cinco afirmações de um único parágrafo da nota do PT, há cinco mentiras.
É esse o relacionamento que Lula & cia. querem ter com o povo: através da mentira, através do engodo, através da vigarice.
A começar pela autoproclamada filiação à esquerda.
Nada existe tão de direita quanto a mentira – e o roubo dos cofres públicos e da propriedade pública.
Porém, vejamos outro trecho da nota do PT:
“Ao revogar, de forma sem precedentes, a liminar do ministro Marco Aurélio, o presidente do STF, Dias Toffoli, cedeu a um verdadeiro motim judicial, com um claro viés político-partidário.”
1) O direito de presidentes do STF revogarem liminares de seus pares está fundamentado na própria decisão de Toffoli. Dizer que este o fez “de forma sem precedentes” é mentira (v. a decisão de Toffoli).
2) O “viés político-partidário” esteve na liminar de Marco Aurélio Mello, não obstante o ministro ser um primo de Collor de Mello, nomeado por este para o STF.
Existe algo mais “político-partidário” que uma liminar para soltar Lula, contra todas as decisões da Justiça, da primeira até a última instâncias?
3) O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) não cedeu a “motim judicial” algum. Apenas atendeu ao pedido da Procuradoria Geral da República, porque concordou com ele.
As razões porque fez isso são claras em sua decisão: Dias Toffoli suspendeu a liminar porque ela desrespeitava o STF, que já decidira a questão. Por isso, a liminar de Marco Aurélio Mello era inconstitucional (o plenário do STF é o órgão que tem a função de interpretar a Constituição).
Que presidente seria Toffoli, se concordasse com esse esbulho da vontade do STF?
Em suas próprias palavras: “A decisão já tomada pela maioria dos membros da Corte deve ser prestigiada pela Presidência”.
O fato de ser Dias Toffoli a suspender a liminar, mostra o quanto ela era ilegal – pois se existe algo que não se pode dizer de Toffoli, é que ele seja um perseguidor de Lula e do PT. E não apenas porque foi nomeado por Lula ou porque foi advogado de Lula e do PT.
Não é segredo a sua posição a favor de soltar Lula. Aliás, várias vezes nós, aqui, criticamos Toffoli exatamente por beneficiar o PT em decisões no STF.
Mas há limite para tudo.
O STF aprovou a execução da pena de criminosos após a condenação em segunda instância, nada menos do que quatro vezes, desde 2016.
O que Marco Aurélio fez foi uma tentativa de golpe.
Ele sabia perfeitamente que a discussão dessa questão jurídica estava marcada, pelo presidente do STF, para o dia 10 de abril do próximo ano.
Mesmo assim, às duas horas da tarde do último dia de trabalho do Judiciário, resolveu atropelar o STF, o presidente do STF, a Procuradoria Geral da República, os Tribunais Regionais Federais do país inteiro, as Varas criminais federais, mudando a jurisprudência do Supremo com uma canetada.
Sobre isso, é interessante como Lula e o PT não se importam com golpes verdadeiros.
Somente com os fictícios – isto é, com aqueles que inventam para encenar a comédia da “perseguição”.
LEI, ORA, A LEI
Os ataques, na nota do PT, à procuradora geral, ao presidente do STF – considerado um traidor -, à ex-presidente do STF, Cármen Lúcia, e à juíza de execuções penais de Curitiba, Carolina Lebbos, merecem apenas um breve registro.
O pecado dessas pessoas é que não se submeteram à vontade de Lula e do PT – e, portanto, não abriram a porta da cadeia para que ele saísse.
Pela nota do PT, eles estavam obrigados a isso…
Entretanto, atacar a procuradora geral Raquel Dodge porque “está exigindo, ilegalmente, a devolução das verbas empregadas na campanha de Lula, contrariando mais uma vez a Lei Eleitoral em seu artigo 22-A”, é algo tão falso que passa a ser estelionato.
Raquel Dodge, além de procuradora geral da República, é procuradora geral eleitoral. A exigência de devolução do dinheiro está na lei, exatamente no dispositivo citado na nota do PT. Literalmente:
“Art. 22-A – § 3º Desde o dia 15 de maio do ano eleitoral, é facultada aos pré-candidatos a arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do § 4o do art. 23 desta Lei, mas a liberação de recursos por parte das entidades arrecadadoras fica condicionada ao registro da candidatura, e a realização de despesas de campanha deverá observar o calendário eleitoral.
“§ 4º Na hipótese prevista no § 3º deste artigo, se não for efetivado o registro da candidatura, as entidades arrecadadoras deverão devolver os valores arrecadados aos doadores” (cf. Lei nº 9.504, grifos nossos).
Lula não obteve – e era impossível que obtivesse – registro de sua candidatura, portanto, é obrigatória a devolução do dinheiro arrecadado.
Se o PT quer ficar com o dinheiro, seria bom arranjar uma razão melhor do que falsificar um artigo da lei eleitoral que seus deputados aprovaram em 2017.
C.L.