JOHN WIGHT*
Wight revela que o Pentágono, de forma silenciosa, mudou, em seu site, a declaração de sua ‘missão’, que era a de “deter a guerra”, para a de “sustentar a influência Americana no exterior”, de forma que, afirma o autor, “parece não se importar mais em esconder a verdadeira face de seu colonialismo e hegemonismo a ponta de fuzil de longa data”. Segue a íntegra do artigo.
Os EUA buscam, a longo tempo, negar seu caráter hegemonista e enfatizar um caráter ‘democrático’. Agora parece que esta pretensão foi abandonada.
“A falsa face deve esconder aquilo que o falso coração não sabe”, escreve Shakespeare em palavras que por tempos imemoriais deveriam constar com orgulho da insígnia dos Estados Unidos e em frente a qualquer púlpito sempre que qualquer presidente, ministro, congressista ou mesmo qualquer funcionário norte-americano viesse proclamar seu país um campeão da democracia.
Agora, com o Departamento de Estado dos Estados Unidos mudando a declaração militar dos EUA de “deter a guerra” para a de “sustentar a influência da América no exterior” toda a pretensão, como já mencionado, está ultrapassada permitindo à elite militar e política do país se deliciar ao caloroso brilho de seu hegemonismo sem máscara.
De acordo com o Task & Purpose (Tarefa e Propósito) – um site de notícias formatado para militares de reserva – esta mudança semântica “parece uma mudança para o Departamento de Defesa sob o presidente Donald Trump”. Mas, ainda que, para alguns, talvez, isso possa se constituir em uma ‘mudança significativa’, estudantes da história dos Estados Unidos hão de contrariar essa visão particular apontando que, ainda que ela possa se constituir numa mudança na forma, não consiste em mudança alguma quando se trata do conteúdo.
Como poderia ser diferente quando o imperialismo e o hegemonismo são os verdadeiros fulcros da política externa dos Estados Unidos e sempre têm sido? Ambos, de fato, estão presentes nas próprias fundações da existência do país, reforçando uma identidade muscular baseada no nacionalismo, excepcionalismo e supremacia – uma fermentação tóxica responsável por alguns dos mais odiosos crimes na história humana.
Desde a guerra mexicano-americana de 1846-48, resultando na tomada pelos Estados Unidos de metade do México àquela época – um episódio condenado pelo ex-escravo e abolicionista Frederick Douglass, como “uma guerra desgraçada, cruel, e iníqua contra uma república nossa irmã” – perfazendo todo um caminho até a guerra por mudança de regime na Líbia em 2011, sob a rubrica da Otan, os EUA tem sido a maior ameaça à paz, estabilidade e justiça em todo o mundo.
Estes advogados do expansionismo dos EUA agitam a bandeira da democracia, direitos humanos e liberdade para justificar seus objetivos o que apenas soma mais camadas de falsidade a um caráter que se comprovou o de uma besta insaciável por conquista e dominação.
Escrevendo na introdução de seu clássico trabalho – Estado Pária (Rogue State, editora Zed Books, 2014) – o autor, William Blum, identifica a influência da propaganda nacional que acompanha a hegemonia dos Estados Unidos: “Nenhum Americano tem qualquer dificuldade em acreditar na existência de uma atração por expansão, poder, glória e riqueza do Império Romano, do Otomano, do Austro-Húngaro, do Britânico. Está lá nos seus livros escolares. Mas, para a mentalidade norte-americana o ‘Império Americano’ é um paradoxo”.
E que ninguém caia no erro de acreditar que a política externa dos Estados Unidos difere de acordo com o ocupante da Casa Branca; esta é uma leitura errônea da realidade no mesmo nível de absurdo da suposição de que um crocodilo difere de outro de acordo com a cor dos olhos.
Provavelmente a mais deslavada e menos apologética avaliação do expansionismo dos Estados Unidos nos tempos recentes foi a proclamada pelo colunista Thomas Friedman nas páginas do New York Times em 1999. Em um tempo em que os EUA estavam exultantes no triunfalismo pós-soviético, Friedman encorajou os seus conterrâneos a acreditarem na noção de que a América era a única nação indispensável ao mundo.
Friedman escreveu: “A mão oculta do mercado nunca funcionará sem um punho cerrado oculto – a rede McDonald’s não pode florescer sem a McDonnell Douglas, construtora dos caças F-15. E o punho cerrado que mantém o mundo seguro para as tecnologias do Vale do Silicone é chamado de Exército dos Estados Unidos, Força Aérea, Marinha e Marines. ”
No momento em que tratamos da questão no concreto, vemos que não se trata de ciência aeroespacial. Afinal estas 800 bases militares norte-americanas em mais de 70 países mundo afora não estão aí para ornamentar e certamente não para ajudar o mundo a ficar mais seguro e mais democrático. Ao contrário, como diz Friedman, estas bases existem para manter o mundo seguro para as corporações globalizadas para saquear e explorar as reservas naturais e humanas de forma a não serem perturbadas pela inconveniência da insistência em soberania nacional e autodeterminação.
De forma similar o guloso orçamento militar dos EUA, que no início deste ano foi elevado por Washington para mais de 700 bilhões de dólares para o ano de 2019, é muito mais dedicado à ofensiva do que para defesa. Os EUA podem ser vistos muito menos como um escudo e muito mais como uma espada contra Estados que ousam assumir seu direito a independência e que ousem resistir ou desafiar a dominação dos Estados Unidos.
Que a ética do ‘poder é direito’ é incompatível com um mundo organizado nos princípios estabelecidos na Carta das Nações é auto evidente. Que a ética do ‘poder é direito’ submete e direciona a política externa dos EUA é auto evidente. Estamos, portanto, diante da contradição central do nosso tempo.
Em uma análise final, conter os poderosos sempre foi o mais urgente e importante desafio que confronta a humanidade. Porque, independente do fato de que venha vestido de Civilização Grega, República Romana, Iluminismo Ocidental, Totalitarismo Europeu ou Democracia Liberal Ocidental, o poder imperial sem freios desferiu um preço de tal monumental devastação e sofrimento que pode apenas ser visto como inimigo do progresso.
Em 2018, o inimigo é Washington.
*John Wight escreve para jornais e sites diversos, como Independent, Morning Star, Huffington Post, Counterpunch, London Progressive Journal, e Foreign Policy Journal.
Tradução de NATHANIEL BRAIA