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O mais tradicional jornal do país publicou, esta semana, um editorial importante:
“O médico Nelson Teich pediu demissão do cargo de ministro da Saúde menos de um mês depois de assumi-lo, provavelmente em respeito a seu juramento profissional, que diz, entre outras coisas: A ninguém darei por comprazer nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. O mesmo comportamento teve o antecessor de Nelson Teich, o também médico Luiz Henrique Mandetta, ao recusar-se a obedecer às ordens do presidente Jair Bolsonaro que claramente causariam ainda mais danos à saúde da população brasileira, já bastante castigada pela pandemia de covid-19.
“Qualquer médico que assuma o Ministério da Saúde e queira permanecer no cargo por mais de 15 dias terá que renunciar a esse juramento. Será, portanto, um mau profissional de saúde, que aceitará reduzir o Ministério da Saúde a mero despachante dos patológicos desejos de Bolsonaro. Pior, será um cúmplice de um empreendimento que, sem exagero, já pode ser chamado de social-darwinista – em que a morte por covid-19 é vista como uma forma de depuração da sociedade, pois só abate aqueles que não têm ‘histórico de atleta’” (v. O Estado de S. Paulo, Teich rejeita a opção pela morte, 16 de maio de 2020).
DARWINISMO “SOCIAL”
“Social-darwinismo” era um termo comum antes da II Guerra Mundial. Designava aquela doutrina que, nas palavras irônicas de um economista norte-americano, “resolveu maravilhosamente o problema apresentado pelos desvalidos e pobres, especialmente aqueles que não conseguiam sobreviver ao trabalho industrial e às dificuldades que o acompanhavam”.
Segundo essa doutrina (que, aliás, nada tinha a ver com Darwin, usando o seu nome como mero charlatanismo):
“Os pobres e os não sobreviventes eram os fracos; sua eutanásia era o modo natural de melhorar a espécie.
“Que o Estado não deveria, nessa visão, intervir para corrigir o processo de seleção natural era, escusado dizer, elementar e assentado; uma pergunta mais difícil era se a caridade privada deveria ou não fazê-lo. A caridade tinha o inconveniente de alimentar os não-aptos e contribuir, assim, para a sua sobrevivência (…). Seu efeito era inegavelmente contrário ao progresso social (…).
“(…) A desigualdade e as privações se tornaram socialmente benéficas; a mitigação das privações tornou-se socialmente prejudicial; os afortunados e ricos não tinham que sentir culpa, pois eram os beneficiários naturais de sua própria excelência, e a natureza os havia selecionado como parte de um progresso inelutável para um mundo melhorado.
“(…) todo aquele que não conseguisse progredir era singularmente indigno, uma nódoa na raça, e podia, justificadamente, ser sacrificado” (cf. John Kenneth Galbraith, “Economics in Perspective: A Critical History”, Houghton-Mifflin, Boston, 1987, pp. 121-123).
Esse despejo de patifarias e vigarice desaguou, evidentemente, no esgoto que se chamou nazismo.
E aqui está o xis da questão: Hitler e quase todos os nazistas eram mediocridades marginais, vagabundos de rua, alcaguetes de polícia, pornógrafos, cáftens, arruaceiros, vendedores de bebida falsificada e outras qualificações profissionais semelhantes.
Como, então, podiam achar que era necessário eliminar os “incapazes”?
RESSONÂNCIAS
Ora, leitor, em que isso é diferente de Bolsonaro?
Estudante medíocre, atleta ridículo, péssimo militar, parlamentar cinzento, afeito a palhaçadas e aos pequenos golpes do baixo clero, mais ignorante que uma porta, que capacidade Bolsonaro, até agora, mostrou na vida?
O que ele entende de medicina, para tentar despejar cloroquina pela goela das pessoas?
Onde foi que estudou ou aprendeu alguma coisa sobre o coronavírus?
Ou sobre lá o que seja.
Não se trata de direito ao palpite. Bolsonaro não está dando palpites. Está querendo obrigar as pessoas a matar-se, pois, claro, sobreviveriam “os mais capazes”.
Como, por exemplo, ele.
O leitor acha que estamos exagerando?
Pois, abaixo, temos alguns quadros sobre a expansão da pandemia do COVID-19.
Para facilitar a leitura dos mapas abaixo, fornecemos o significado das cores que cobrem o mapa dos países, e que indicam o número de casos:
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Vamos aos mapas, que são da Faculdade de Medicina da Johns Hopkins University, de Baltimore, Maryland, EUA.
I. 23 de janeiro de 2020
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II. 03 de fevereiro de 2020
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III. 29 de fevereiro de 2020
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IV. 15 de março de 2020
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V. 31 de março de 2020
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VI. 15 de abril de 2020
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VII. 1º de maio de 2020
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VIII. 15 de maio de 2020
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Este é o quadro, até agora, da catástrofe que nos ameaça – e que ainda não terminou a sua expansão.
O que temos a fazer agora é implementar, como outros países já fizeram, a testagem da população, para identificar infecções de COVID-19, além de manter as medidas de “distanciamento social” – um nome algo impróprio para uma medida de solidariedade da espécie humana contra um mal natural.
Deixaremos para outro artigo a abordagem mais detalhada desses aspectos, isto é, da política de saúde para vencer a pandemia. O motivo é que, antes, é preciso apontar qual o principal obstáculo contra ela.
A tentativa de Bolsonaro é a de sabotar todo e qualquer esforço para que a solidariedade humana no Brasil, a solidariedade dos brasileiros, seja vitoriosa contra a maior epidemia já acontecida no Planeta em 102 anos.
Será que Bolsonaro, se acometido pelo coronavírus, usaria cloroquina, com todo o seu cortejo de efeitos colaterais nocivos, sobretudo para os idosos e os cardíacos (mas não apenas)?
Nós duvidamos. Mas o sujeito é tão imbecil que até é possível.
Como diz o editorial que citamos acima:
“Nelson Teich e Luiz Henrique Mandetta recusaram-se a chancelar a obsessão de Bolsonaro pela cloroquina, remédio cuja eficácia contra o coronavírus está muito longe de ser comprovada e cujos perigosos efeitos colaterais são, ao contrário, bastante conhecidos.
“Além de Bolsonaro, os únicos chefes de Estado que defendem a cloroquina como elixir milagroso contra a covid-19 são o norte-americano Donald Trump e o venezuelano Nicolás Maduro, o que dispensa comentários.
“Como escreveu o médico Antonio Carlos do Nascimento em artigo publicado ontem no Estado, ‘sem a opção do genocídio, só nos resta o isolamento e a testagem abrangente para limitar o universo de circulação do vírus’. Aparentemente, o presidente Bolsonaro já fez sua mórbida opção” (cf. OESP, ed. cit.).
É verdade.
CARLOS LOPES