Rodrigo Leste
Testemunha ocular das interferências causadas ao meio ambiente e ao ser humano pela prospecção mineral exercida de maneira voraz e irresponsável, o poeta Carlos Drummond de Andrade ergueu sua voz contra os desmandos da Vale. Anunciou a ruína em alto e bom som, sirene poética/profética pedindo socorro que não sensibilizou os donos da grana, os senhores da lama. Deu no que deu: sete rompimentos de barragem de rejeitos ocorridos em Minas Gerais espalhando desgraça pra todo lado. Mariana e Brumadinho são os crimes mais graves e de maiores consequências. Seguem versos de Drummond sobre o tema.
“O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.
Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!
A dívida interna.
A dívida externa
A dívida eterna.
Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?”
“Chego à sacada e vejo a minha serra,
a serra de meu pai e meu avô,
de todos os Andrades que passaram
e passarão, a serra que não passa.
(…)
Esta manhã acordo e não a encontro,
britada em bilhões de lascas,
deslizando em correia transportadora
entupindo 150 vagões,
no trem-monstro de cinco locomotivas
trem maior do mundo, tomem nota –
foge minha serra, vai
deixando no meu corpo a paisagem
mísero pó de ferro, e este não passa”.
“O maior trem do mundo
Leva minha terra
Para a Alemanha
Leva minha terra
Para o Canadá
Leva minha terra
Para o Japão
O maior trem do mundo
Puxado por cinco locomotivas a óleo diesel
Engatadas geminadas desembestadas
Leva meu tempo, minha infância, minha vida
Triturada em 163 vagões de minério e destruição
O maior trem do mundo
Transporta a coisa mínima do mundo
Meu coração itabirano
Lá vai o trem maior do mundo
Vai serpenteando, vai sumindo
E um dia, eu sei não voltará
Pois nem terra nem coração existem mais”.
No meu livro, A Infernização do Paraíso, estabeleço um diálogo com Carlos sobre a fúria insana da prospecção mineral. Seguem versos de minha autoria:
Deu nisso, Drummond:
a nossa simplória mineiridade
se empaulistou.
Você tinha razão:
no “Triste Horizonte”
que você, sabiamente,
se negou a rever,
“a serra tem dono”.
Nas encostas de suas montanhas
nossa gente vive espremida,
oprimida, empilhada.
Das riquezas extraídas
“…tudo volverá a nada
e secado o ouro
escorrerá o ferro
e secos morros de ferro
taparão o vale sinistro…”
É, Drummond,
tentam tapar o sol com a peneira,
queimam matas
para alimentar os altos-fornos siderúrgicos,
destróem tudo que encontram pelo caminho
para depois vir tapar os buracos
com reflorestamentos de araque.
Mas sua voz clama
e ecoa no deserto e no tempo:
“a serra tem dono”.
Tudo tem dono:
nosso futuro,
os rios, as matas, os vales…
Ah, a Vale,
dona de tudo, poeta,
no horizonte
de nossas esquálidas perspectivas.
“E agora, José?”
A mina fechou,
o ouro acabou,
o emprego sumiu,
a fome chegou.
“E agora, José?”
Está sem passado,
está sem presente,
futuro não há.
Já não pode sonhar,
já não pode acordar,
respirar
já não pode,
“o dia não veio,
o riso não veio
não veio a utopia,
e tudo fugiu
e tudo mofou,”
Drummond, e agora?
(A Infernização do Paraíso, Rodrigo Leste, Belo Horizonte, 2010 – Editora Mano-a-Mano)
Rodrigo Leste é ator, poeta e produtor cultural. Publicou livros de poemas e contos. Co- editou o jornal alternativo “O Vapor” e a revista “Circus”. Nos palcos desde 1974, já montou, e encenou cerca de quarenta espetáculos. Produz e apresenta o Programa Radiopoemas.