Dizem os jornais que a nova presidente da Petrobrás, senhora Foster, pretende resolver o problema do refino de petróleo no país, que já é um caso crítico, recorrendo ao capital estrangeiro para construir mais refinarias.
Interessante solução, que o Brasil descartou há 59 anos, quando fundou a Petrobrás, exatamente porque não era solução de coisa alguma, exceto para as multinacionais, que continuariam importando petróleo e derivados a rodo.
Mais interessante ainda, segundo o “Plano de Negócios” que a senhora Foster apresentou no dia 25 aos “investidores”, “nenhuma nova refinaria será implantada até que tenhamos confiança em atingir menor Capex [‘capital expenditure’: dispêndio de capital] e alinhamento às métricas internacionais [isto é, retorno nos moldes das petroleiras externas]”.
Por essa razão, ela resolveu reavaliar as refinarias Premium 1 (Maranhão), Premium 2 (Ceará) e Comperj/2º Trem (RJ), que já tinham sido aprovadas, e incluí-las no que ela chama “fase 1 da Sistemática de Aprovação de Projetos – identificação da oportunidade”.
Em sua peroração aos “investidores”, ela esclareceu o que significa essa “fase 1”: projetos sem dinheiro previsto para eles, que, por isso, terão de, nas suas palavras, “lutar pelos recursos”. E acrescentou: “a Petrobrás vai dar prioridade àqueles [projetos] que trouxerem mais valor agregado para o portfólio da empresa”, isto é, aqueles que proporcionarem mais dividendos aos acionistas – e já veremos de que “acionistas” ela falava (aliás, nem é preciso: eles estavam lá, na plateia).
Nada, nem ninguém, traz “valor agregado” algum ao “portfólio” de qualquer empresa, pois essa palavra descreve a sua carteira de ações – e nada mais além do que isso. “Valores” de ações não são mais que um efeito da especulação (para isso existe a Bolsa de Valores), com uma relação muito tênue com o patrimônio real, menos ainda com a importância econômica da empresa. O sr. Eike Batista, dono de várias empresas “pré-operacionais” (ou seja, que não funcionam), todas cotadas na Bolsa, que o diga.
Por mais estranho que seja a presidente da maior empresa brasileira ser ignorante nessas coisas elementares, não é esta a maior aberração.
A prioridade da Petrobrás é – e, até agora, sempre foram – os projetos que melhor contribuem para o desenvolvimento do Brasil. Assim ela se tornou uma das empresas mais lucrativas do mundo.
Mas, agora, a senhora Foster nos esclareceu que a preocupação maior da empresa deve ser com o “portfólio” – e até conseguiu “agregar” valor ao que não tem valor (exceto, como já se disse, fictício, ou seja, especulativo).
Mais adiante, ela fez um dispensável esclarecimento: “Estamos falando das refinarias premium do Maranhão e do Ceará”.
É óbvio que isso significa, na prática, retirar as refinarias do “Plano de Negócios” da Petrobrás. Portanto, seus desmentidos, depois de armar o charivari, diante dos protestos de vários setores, não valem um caracol.
ESTRANGULAMENTO
Há 32 anos não se constrói uma refinaria em nosso país – estamos, evidentemente, nos referindo às refinarias da Petrobrás, pois são essas que têm importância para o consumidor, isto é, para o povo, que é o dono da empresa, e para o Brasil.
A consequência pode ser constatada nos resultados da balança comercial de junho: a importação brasileira de combustíveis e lubrificantes, considerando os valores em dólares, deu um pulo de +22,8%, em relação ao mesmo mês do ano passado. De janeiro a junho, o aumento dessas importações está em +13,7%. Comparado a maio, a média diária do valor das importações desses produtos aumentou +15,3%.
Como as percentagens às vezes são algo abstratas para o leitor (e são mesmo), consideremos o valor em dinheiro: de janeiro a junho deste ano, essas importações de combustíveis e lubrificantes somam US$ 18.860.404.197 (18 bilhões, 860 milhões, 404 mil e 197 dólares), o que é 17,1% do valor total das importações do país em 2012 – e mais de duas vezes o saldo comercial do país inteiro no mesmo período.
Segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), “o crescimento [do gasto com importações de combustíveis] ocorreu principalmente pelo aumento de preço”, embora, também, pelo aumento das “quantidades embarcadas” (cf. MDIC/Secex, “Balança Comercial Brasileira, junho 2012”, pág. 5).
Pelas tabelas da Secex, a importação desses produtos é o principal item do comércio entre o Brasil e os EUA – que é, desde 2008, nosso pior resultado nas transações comerciais com o exterior. Lembremos, de passagem, que, devido ao cartel petrolífero (hoje concentrado na ExxonMobil, Chevron, Shell e BP), dificilmente se pode falar em “preço de mercado” para o petróleo e seus derivados – o “normal” (isto é, a norma) nesse setor é o preço especulativo.
REDUÇÃO
No entanto, o “Plano de Negócios” da senhora Foster reduziu em US$ 18,9 bilhões (-26,77%) os investimentos para ampliar a nossa capacidade de refino do petróleo. De US$ 70,6 bilhões, no Plano anterior, caíram para US$ 51,7 bilhões.
Muito bom para o cartel petroleiro dos EUA, péssimo para o Brasil.
Mas a senhora Foster – que declarou, em Londres, aos “investidores”: “vamos dedicar as nossas vidas para recuperar o valor das suas ações” (“vamos” quem, cara-pálida?) – está mais preocupada em pagar dividendos aos “acionistas” – contanto que o acionista não seja o Estado brasileiro.
Se não fosse assim, daria mais atenção ao estrangulamento da capacidade de refino do país e às próprias despesas da Petrobrás com importações de derivados de petróleo, que aumentaram +163,65%, de 2009 para 2010, e +61,62% de 2010 para 2011 (cf., PETROBRAS, “Relatório de Sustentabilidade 2010” e “Destaques Operacionais – Produção, Venda, Importação e Exportação de Óleo e Derivados 2011”).
O montante destinado ao refino é apenas 21,8% do total de investimentos da Petrobrás (e não 27,7%, como está no comunicado sobre o Plano – esta última percentagem é referente à soma dos investimentos em refino, transporte e comercialização).
A redução dos investimentos em refino, segundo a senhora Foster, é porque a Petrobrás tem que se concentrar na área de Exploração e Produção (E&P). Certamente, pois há um pré-sal inteiro para explorar. Mas não pela razão que ela levantou: outra vez porque “agrega mais valor ao portfólio”. Ela deve considerar ótimo ter as ações da Petrobrás nas nuvens e o país parado por falta de combustível e as contas externas estouradas pelas importações.
Mas isso nunca vai acontecer – é evidente que o destino da Petrobrás, e de suas ações, está inseparavelmente ligado ao destino do Brasil.
O que mal se esconde atrás dessa conversa sobre “portfólio” e outras assuntos dos quais a senhora Foster não entende bulhufas, é a sua crença de que o nosso futuro é exportar, em bruto, o petróleo do pré-sal – e, certamente, importar dos EUA e outros países “desenvolvidos” os derivados de petróleo.
Ou seja, a crença de que não temos futuro, exceto o de ser uma gigantesca Nigéria ou uma Holanda que passa fome. Nisso, outra vez, está um ataque ao presidente Lula – que, com toda razão, afirmou que temos de processar esse petróleo, exatamente para não nos transformarmos num país doente, cheio de riquezas e com um povo cada vez mais miserável.
Entretanto, diz a senhora Foster, “a condição fundamental para as refinarias avançarem é a viabilidade de negócios. A única linguagem que se fala é a curva física e financeira e a disciplina para que não haja descasamento” (“curva física” e “disciplina” para evitar o “descasamento”?? Não é à toa que tem gente que não gosta do Freud…).
Mas está errado. A condição fundamental para que a Petrobrás construa as refinarias é a necessidade do país. Não é uma questão de falta de recursos, até porque o investimento nessas refinarias está longe de ser algo significante para o maior acionista da Petrobrás – o Estado nacional brasileiro. Principalmente, porque, caso contrário, quem se torna inviável é o país (e, por consequência, a própria Petrobrás).
Foi em virtude da necessidade do país que a Petrobrás construiu 11 refinarias – e não precisou de capital estrangeiro algum.
Mas, se a senhora Foster estivesse lá, na época em que foram construídas essas refinarias, teria armado um banzé (aliás, não teria, pois nunca foi de sua predileção arrumar confusão com chefes). Devia ser algo muito “irrealista”. Diz a senhora Foster:
“Buscamos metas absolutamente realistas. São pautadas em projetos típicos, reais. Não é possível considerar milagres no momento em que temos uma demanda crescente”.
O elemento de visão curta sempre acha que aqueles que não sofrem da mesma miopia de ideias estão fora da realidade. As refinarias projetadas são uma meta absolutamente realista, até porque a nossa realidade é, em primeiro lugar, a do Brasil – ou não é nenhuma, como bem mostra o exemplo da senhora Foster.
Quanto a milagres, não é preciso – pelo contrário, é na hora que a demanda é crescente que temos de fazer alguma coisa para atendê-la. Por que será que ela considera que atender a uma demanda crescente é um “milagre”?
Aliás, por falar nisso, por que a senhora Foster acha que tem o poder de só permitir milagres quando eles não são necessários?
CARLOS LOPES