Já não é nenhuma novidade para as pessoas de bom senso que o forte de Bolsonaro não é, nem nunca foi, o compromisso com a verdade. A verdade dos fatos, aquela objetiva, sobre a qual é difícil mais de uma interpretação.
Pois bem, em mais uma de suas aparições nos ambientes de extrema-direita dos Estados Unidos, o ex-presidente fugitivo afirmou que “cada vez mais nós temos certeza que foram pessoas de esquerda que programaram aquilo tudo”, referindo-se ao ato terrorista perpetrado pelos bolsonaristas, seus seguidores, no dia 8 de janeiro.
Não apresentou uma única prova de sua falácia, assim como ocorreu quando questionou a lisura das urnas eletrônicas. Muito menos um único indício de que a manifestação que depredou as dependências dos 3 poderes da República e destruiu bens artísticos e históricos teve alguma relação com a esquerda.
Nada, absolutamente nada. Arrotou apenas aquilo que a plateia local e a audiência cega que ainda o segue no país queria ouvir.
Buscou, mais uma vez, tirar o corpo fora, ao afirmar que já não se encontrava no Brasil, e, portanto, é infrutífera qualquer tentativa de associá-lo ao evento golpista.
O desavergonhado foi mais longe ao afirmar que o presidente Lula não tem interesse em apurar as causas do fatídico 8 de janeiro, quando o atual governo e a Justiça brasileira foram e continuam impecáveis na apuração dos fatos, na responsabilização dos seus autores, promotores e financiadores, absolutamente tudo dentro do total respeito ao chamado “devido processo legal”, com garantia do amplo direito de defesa aos envolvidos.
A infâmia, típica de sua personalidade, diz respeito ao fato do atual governo ter desaconselhado sua base parlamentar a apoiar a instalação de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), ou mista (CPMI), integrada por senadores e deputados, para investigar a desordem provocada pelas hordas bolsonaristas no início de janeiro. Afinal, o atual governo tem mais com o que se preocupar, diante da herança trágica deixada por Bolsonaro na área econômica e no terreno social.
As CPIs, ou CPMIs, são instrumentos políticos de investigação, especialmente diante de governos que demonstram desídia ou negligência perante o interesse público, como aconteceu durante a pandemia, quando uma comissão de inquérito teve que ser instalada no Senado Federal para apurar as responsabilidades do governo no decorrer da grave crise sanitária que ceifou a vida de 700 mil brasileiros e apontar caminhos que se opunham ao negacionismo crônico e doentio da cloroquina e outras charlatanices.
A situação agora é muito diferente.
O governo central e o Supremo Tribunal Federal estão sendo diligentes no trato da questão, sem atropelo à lei e à Constituição, o que não se via no governo anterior.
O problema é que, para Bolsonaro e sua turba, os terroristas de 8 de janeiro estão sendo “injustiçados”, afinal, muitos são chefes de família.
Um vitupério à inteligência dos brasileiros.
Bolsonaro declarou que deve chegar ao Brasil ainda no mês de março, mas o retorno do estabanado está sendo muito bem avaliado diante dos fatos novos que voltaram a revelar a natureza do ex-mandatário.
O episódio das joias presenteadas pelo “quase irmão” príncipe saudita – e furtivamente trazidas, pasmem, no fundo da mochila de um assessor do então ministro de Minas e Energia – parece ter tirado o chão e acovardado o ex-capitão, afinal, a cada momento, surgem elementos da realidade que, no seu conjunto, demonstram que o único interesse de Bolsonaro na relíquia avaliada em 3 milhões de euros foi incorporá-la ao seu patrimônio pessoal.
Para isso, não poupou seus ministros mais próximos, o ajudante de ordens e, até, militares de seu entorno e os aviões da FAB. Mobilizou pelo menos metade do governo na reta final de seu desgoverno para se apoderar daquilo que o economista Eduardo Moreira rejeita como presentes pessoais. Afinal, presentes são bebidas e chocolates, não joias cujo valor em reais supera 16 milhões.
Trata-se de corrupção, propina, sentenciou Moreira, razão pela qual Bolsonaro recusou, até o último momento, a incorporação das preciosidades ao patrimônio público nacional, conforme orientou a Receita Federal.
Motivos não faltam para essa conclusão e as investigações em curso, seguramente, esclarecerão os deploráveis fatos até então conhecidos.
Em 30 de novembro de 2021, um mês após a comitiva presidencial viajar para o Oriente Médio, o governo Bolsonaro promoveu a venda da Refinaria Landulpho Alves (RLAM), localizada em São Francisco do Conde, na Bahia, e seus ativos logísticos associados. A venda foi realizada para o Mubadala Capital, um fundo árabe dos Emirados Árabes Unidos, pelo valor de US$ 1,8 bilhão. No entanto, cálculos estimados pelo Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) indicam que a refinaria valia entre US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões.
O que poderia se esperar de um presidente que sempre tratou as “coisas” do Estado como “coisas” dele, pessoais, dos lençóis do Alvorada ao patrimônio público mais precioso.
Só não tratou daquilo que tinha algum valor histórico, científico, artístico ou cultural, pelo seu desprezo – e ódio – pela história, a ciência, a cultura e as artes, territórios, segundo ele, dominados pelos comunistas, e repulsa a tudo que é verdadeiramente brasileiro, nacional, como o faz recorrentemente ao se identificar com os setores mais apodrecidos da sociedade norte-americana, rendendo-lhes vassalagem extrema, em que não faltou, até mesmo, continência à bandeira. O fato é que nem as emas e os peixes do Alvorada, que não pertencem a essas categorias, escaparam do desprezo bolsonarista.
Ocupou-se, principalmente, em “armar o povo”, quando, na prática, estava armando os clubes povoados de milicianos, os mesmos que foram flagrados no 8 de janeiro.
A medíocre passagem por sucessivos mandatos de deputado federal já havia denunciado sua fama, quando adotou a prática das “rachadinhas” e a herdou aos filhos.
Na Presidência da República, tratou, com seu parceiro Guedes, reduzido hoje a um silêncio sepulcral, o patrimônio público como se fosse seu, e, dessa forma, buscou acelerar, o quanto pode, a alienação de nossas estatais, inclusive as estratégicas.
Felizmente, o povo, nas urnas, interrompeu a sangria criminosa, depois de alguns prejuízos incalculáveis e, alguns, irremediáveis, à soberania da Nação e ao patrimônio público, como aconteceu com a Eletrobrás e alguns ativos da Petrobrás.
A “privatização” da Refinaria Landulpho Alves é um desses exemplos que não conseguiu escapar da sanha entreguista dominante no Planalto, como também não escapou da tentativa, obstruída pronta e competentemente por servidores do Estado, de um outro tipo de “rachadinha”, que lhe renderia, nada mais, nada menos, que R$ 16,5 milhões.
Pelas últimas informações, a ex-primeira-dama pouco sabia do “presente” e teria ligado ao marido para obter esclarecimentos diante da grande repercussão do fato, mas nem mesmo ela foi poupada da conversa fiada de que ele nada sabia, sendo aconselhada a recolher-se.
O próprio PL de Valdemar Costa Neto parece ter colocado as barbas de molho, diante da aposta que estaria sendo feita pelo retorno de Bolsonaro ao país para organizar a oposição a Lula e preparar o partido rumo às eleições municipais de 2024.
Como fazê-lo, diante do barulho provocado pela “rachadinha” saudita?
Valdemar conhece bem esse terreno, já teve que pagar caro, muito recentemente, por práticas nada republicanas e sabe que o aprofundamento das investigações, previstas pela Polícia Federal para serem concluídas em 30 dias, poderá ser fulminante para o futuro de Bolsonaro e do bolsonarismo.
O suicídio político, pelo que se conhece dele, não está nos planos do chefe do PL. A última aventura contra a Justiça Eleitoral açulada por Bolsonaro rendeu um prejuízo milionário aos cofres da legenda e Valdemar sabe o que isso representa para seu partido.
Agora mesmo, o documento que veio à público da lavra do tenente-coronel Mauro Cid, seu ajudante de ordens, com o selo do Gabinete Pessoal do presidente da República, determinando a liberação das joias, constitui o que se denomina “ato de ofício” e uma prova cabal e contundente do último e desesperado ato de Bolsonaro para ficar, ele próprio, com as joias.
Ao final de suas declarações nos EUA, o impostor, para não fugir à narrativa enganosa, voltou a questionar o resultado das eleições que o derrotaram, pois, para ele, “o povo não comemorou a eleição do outro candidato”, acrescentando que teve “mais apoio em 2022 do que em 2018”, ignorando os milhões de votos conferidos a Lula e as manifestações massivas que comemoraram a vitória da Frente Ampla e a derrota do pior e mais desastrado governo da história republicana.
As circunstâncias derivadas da obsessão de Bolsonaro para apoderar-se das joias sauditas só confirmam a assertiva e, mais uma vez, o caráter fraudulento do derrotado, cuja repetição do enredo Deus, Pátria, Família e Liberdade! soa disparatadamente hipócrita e repugnante.
Afinal, no caso da “rachadinha” saudita, são, repetidamente, flagrantes as razões da “liberdade” que Bolsonaro pregava para si, sua famiglia e a escumalha que o cerca, sob o manto patético da blasfêmia religiosa e da cínica adoração à pátria que ele tentou, sem sucesso, colocar de joelhos.
Marco Campanella