Só a demanda de estatais e empresas nacionais impulsiona a inovação no Brasil. Tecnologia de águas profundas da Petrobrás nasceu no Cenpes e foi vanguarda no mundo. Já, com a privatização da Telebrás, hoje importamos tudo neste setor
No momento em que se discute a reindustrialização do país, vem à tona o debate sobre a necessidade de elevação dos investimentos em ciência, tecnologia e inovação. A nova gestão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, sob o comando da ministra Luciana Santos, tem tomado fortes iniciativas neste sentido. Praticamente tudo o que foi destruído pelo governo anterior, que combatia a ciência e cultuava o atraso e o obscurantismo, foi remontado.
Os primeiros passos foram dados. As fontes de financiamento foram recuperadas. Mas, o problema nesta área é mais complexo do que apenas a falta de recursos. Segundo especialistas, adianta pouco o fomento à inovação pela via da oferta de recursos. O que faz avançar de fato o desenvolvimento tecnológico, segundo a opinião desses técnicos, é a demanda de inovação vinda das empresas.
Em todo mundo a inovação acontece dentro ou por demanda das empresas. Com o grau acentuado de desnacionalização das empresas que atuam no Brasil, investe-se pouco neste setor. As empresas optam pela aquisição de pacotes tecnológicos prontos de suas matrizes.
Há sempre uma sincronia entre a demanda e o desenvolvimento das tecnologias. Assim aconteceu no Brasil com as empresas estatais. A Petrobrás, por exemplo, tornou-se pioneira em tecnologias avançadas de exploração em águas profundas. Isso ocorreu em função da atuação de seus funcionários e engenheiros mas com um apoio muito forte de seu centro de pesquisa, o Cenpes (Centro de Pesquisas, Desenvolvimento e Inovação Leopoldo Américo Miguez de Mello).
Este órgão da Petrobrás é reconhecidamente um dos mais avançados de pesquisa aplicada do mundo, no que tange não só ao setor de petróleo e gás, mas às indústrias como um todo.
No setor elétrico, com a criação da Eletrobrás, não foi diferente. A empresa, enquanto foi pública, desenvolvia novas tecnologias em função das demandas das empresas do sistema. Essas demandas eram abraçadas pelo seu centro de pesquisas, o Cepel (Centro de Pesquisas de Energia Elétrica), reconhecido internacionalmente.
Este foi o maior centro de pesquisas em energia elétrica do hemisfério sul. Seu corpo de pesquisadores contribuiu muito para o desenvolvimento da indústria e do setor elétrico brasileiros.
No projeto de privatização da Eletrobrás há uma clara tendência de que este centro – com cinquenta anos de existência – não consiga mais sobreviver. A sua manutenção com recursos do setor elétrico foi garantida no projeto de privatização da Eletrobrás por apenas seis anos a partir da venda. Após isso, não há nenhuma garantia de que o Cepel se manterá.
O próprio fundo setorial do setor elétrico, que destina 1% da Receita Operacional Líquido das empresas do setor para P&D tem muito pouca efetividade, já que as empresas não têm nenhum interesse em internalizar as inovações produzidas pelas universidades.
Com raras exceções, como a Embraer e a Weg, as grandes empresas privadas instaladas no Brasil, preferem comprar pacotes tecnológicos prontos de suas matrizes e não investem em pesquisa dentro do país.
Um exemplo claro deste grave problema foi o que ocorreu com o setor de telecomunicações no Brasil após a privatização do setor. Enquanto o sistema era nacional, enquanto existiu o sistema Telebrás, havia o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações CPQD, que era um centro de excelência. O resultado foi que Brasil atingiu um estágio de vanguarda em tecnologia de telecomunicações. Isto ocorreu na época do sistema Telebrás estatal. Hoje importamos quase tudo neste setor.
Sem mudanças neste quadro, os investimentos em pesquisa e inovação no Brasil seguirão sem campo de aplicação. As empresas brasileiras, com as raras exceções já apontadas acima, não investem em pesquisa no nível que é necessário, prejudicando a sua produtividade e a produtividade geral do país.
Já as empresas estatais podem, como já demonstraram, assumir esse papel num curto e em médio prazo. Com o setor privado desnacionalizado e sem a recuperação e o fortalecimento das empresas estatais, quase todo recurso destinado à pesquisa no Brasil vai servir, quando muito, para pagar bolsas para mestrandos e doutorandos que vão ficar desempregados quando saírem da universidade.