
Na manifestação “Não desistiremos da Sérvia”, o presidente Aleksandar Vucic declarou às dezenas de milhares de pessoas diante do parlamento sérvio em Belgrado que “a revolução colorida finou-se” e chamou a unir forças contra a ingerência estrangeira e na defesa do Estado sérvio – que é o herdeiro da resistência da Iugoslávia à Otan e da luta de Slobodan Milosevic.
O ato “Não Desistiremos da Sérvia” começou com um desfile de bandeiras sérvias e do governo local na sexta-feira (11), liderado pela maior bandeira sérvia da história, com 200 metros de comprimento, que o presidente Vucic, juntamente com os cidadãos, levou ao Parlamento.
Nesses últimos três anos, a Sérvia tem vivido sob enormes pressões de Berlim, Paris, Londres, Bruxelas e Washington, por ter se negado a aderir à guerra por procuração da Otan contra a Rússia na Ucrânia, embora busque atuar com discrição, porque também é pressionada a entregar Kosovo, enquanto mantém o objetivo de ingresso na UE. Ao mesmo tempo a Sérvia tem laços históricos com a Rússia.
Há cinco meses, o desabamento fatal da cobertura de concreto de uma estação ferroviária em Novy Sad serviu de mote para protestos seguidos contra o governo Vucic, sob acusação de inércia na apuração e corrupção, até causar a queda de seu primeiro-ministro.
A REVOLUÇÃO COLORIDA DE 2000
A bem da verdade, não é a primeira revolução colorida que se abate sobre o país, já que foi assim que o governo de Slobodan Milosevic foi derrubado em 2000 e ele foi entregue ao Tribunal da Otan em Haia, e preso, onde acabou morto antes de seu julgamento se concluir, ao fim da dissolução da Iugoslávia. Os governos submissos se mantiveram no poder até 2012, quando a frente progressista encabeçada por Vucic venceu nas urnas.
Na virada do milênio, ficou famoso o movimento “Otpor”, que se dizia de estudantes e que bebia das “aulas” de Gene Sharp sobre revoluções coloridas e sintonizado com a CIA. Aliás, até “exportaram a contrarrevolução” para países como a Geórgia e andaram também pela Venezuela.
Agora, com o recente fechamento da Usaid, tornou-se público que o ‘Consórcio para Eleições e Fortalecimento do Processo Político de Washington’ recebeu mais de meio bilhão de dólares da Usaid para projetos em andamento. Desse total, US$ 13,6 milhões foram para “fortalecer o processo de atividade política na Sérvia”, bem como para cursos de “ativismo cívico” realizados em faculdades locais.
No protesto mais recente, a oposição acusou o governo Vucic de usar uma “arma sônica” contra os manifestantes, o que foi negado pelas autoridades. Ao que se sabe, essa tecnologia de “controle de multidões” foi originalmente projetada pela Marinha dos EUA, e atende pelo alcunha de LRAD, dispositivo acústico de longo alcance.
O premiado cineasta sérvio Emir Kusturica instou a que os protestos não descambem para a violência, como ocorrido na Maidan de Kiev em 2014.
Vucic chamou ainda a nomear o mais rápido possível um novo governo, processo sob pressão de Bruxelas, que quer vetar nomes de primeiro-ministro, ameaçando com sanções.
Para ele, os ataques ao Estado sérvio soberano é que estão levando a revolução colorida a um beco sem saída, “marchem o quanto quiserem, não vão a lugar algum”.
Como denunciou o jornalista Nikola Vrzic, a União Europeia ameaça impor sanções se o nome não for de seu agrado. Não cabe aos EUA, nem a UE, nem à Rússia, aos Brics e nossos outros amigos “determinar por nós quem pode ou não estar em nosso governo. Assim como nós não determinamos por eles”, ele insistiu.
“NÃO ENTREGUE A SÉRVIA, ALEKSANDR”
Sobre a tragédia da estação ferroviária, Vucic disse se lembrar “como se fosse hoje, você não sabe o que fazer, você não acredita que é possível”. E, dirigindo-se a Duro Rac, que perdeu sua filha no desabamento e estava presente na manifestação, Vucic disse que “ao falar com ele não sabe o que dizer, exceto abraçá-lo, e é ele na verdade, que me conforta e diz ‘não entregue a Sérvia, Aleksandr’”.
Imediatamente após a tragédia, acrescentou o presidente ele se perguntou o que o Estado deveria fazer, inclusive na questão da responsabilidade, tanto moral, política e criminal. Ele acrescentou que toda a assistência que o Estado pôde foi oferecida às famílias.
“Então, algumas outras pessoas começaram a fazer outra coisa. Apenas dois dias depois, eles embarcaram em uma campanha destrutiva contra a Prefeitura. Nós nem enterramos as vítimas. Eles começaram a incendiar a Prefeitura, realizando manifestações violentas e ataques violentos, tudo em Novi Sad. E desde então, o terror continua”, disse o presidente.
SRPSKA PRESENTE EM APOIO A VUCIC
À manifestação, também se fez presente o presidente da República Sérvia da Bósnia-Herzegovina (Srpska), Milorad Dodik, também ele sob pressão direta por ter se negado a se submeter ao “enviado especial” de Berlim e da Otan e virtual vice-rei da ex-república iugoslava.
“Estou aqui para transmitir o apoio da República Srpska ao presidente da Sérvia. Fazemos parte do povo sérvio unificado e queremos que ele seja forte e poderoso e que supere todos os problemas que enfrenta. Em tempos instáveis, quando o mundo está em desordem, uma Sérvia estável é importante, e é de crucial importância para a República Srpska”.
Sobre o movimento “Não desistiremos da Sérvia”, Dodik assinalou que visa dar uma resposta “ao colapso do Estado, do povo e de sua identidade. É por isso que temos que ajudar Vučić com isso. Vamos tornar a Sérvia forte e poderosa. Aqueles que bloqueiam a Sérvia não estão fazendo nenhum bem a ela, estão destruindo sua economia, capacidade e importância”.
HERDEIRA DA IUGOSLÁVIA
A Sérvia é a herdeira da Iugoslávia, e sua capital Belgrado foi bombardeada por 78 dias pela Otan passando por cima da Carta da ONU. Em “Não Esqueçam a Iugoslávia”, o saudoso cineasta australiano John Pilger registrou que o país era “uma federação independente e multi-étnica, ainda que imperfeita, que se posicionou como uma ponte política e econômica durante a Guerra Fria” e um dos fundadores do Movimento dos Não Alinhados.
“Isto já não era aceitável para a Comunidade Europeia em expansão, especialmente com a Alemanha, a qual principiara um esforço para o Leste a fim de dominar o seu “mercado natural” nas províncias iugoslavas da Croácia e da Eslovênia”.
“No momento em que os europeus se encontravam em Maastricht, em 1991, um acordo secreto fora lavrado; a Alemanha reconhecia a Croácia e a Iugoslávia era condenada. Em Washington, os EUA asseguravam que à sufocada economia iugoslava fossem negados empréstimos do Banco Mundial e a defunta Otan foi reinventada como o agente de força.”
“Numa conferência sobre a ‘paz’ no Kosovo em 1999, na França, foi dito aos sérvios para aceitarem a ocupação pelas forças da Otan e uma economia de mercado, ou seriam bombardeados até à submissão. Foi o precursor perfeito dos banhos de sangue no Afeganistão e no Iraque.”
“Os trágicos acontecimentos na Iugoslávia em 1999 só foram possíveis porque os Estados Unidos sentiram um nível colossal de permissividade. O colapso do bloco socialista tornou as ações de Washington e Bruxelas incrivelmente autoconfiantes e egoístas. Escondendo-se atrás de slogans sobre a paz, cometeram atrocidades incríveis”, afirmou ao jornal russo Vzglyad o doutor em ciências políticas, o sérvio Stevan Gajic.
“Sem a aprovação da comunidade mundial, do Conselho de Segurança da ONU, decidiram realizar um ataque tão ousado e desumano a cidades pacíficas de um país europeu. É claro que esta ação arbitrária, que não tinha base legal, contribuiu para o início da degradação do sistema de segurança global”, ele sublinhou.
“Iraque, Líbia, Síria – todos estes países também são vítimas do ataque de 1999”. Washington retirou o estopim da necessidade de chegar a acordos com outros países para o início de operações militares, lembra o cientista político.
“É claro que essas ações chocaram outros grandes Estados. A Rússia e a China ficaram chocadas com a impunidade da agressão e estão agora ajudando a mudar a ordem mundial que foi criada naquela época.”