
O HP apresenta: A Teia da Aranha Dourada, série de Rodrigo Leste. Corrupção, roubalheira, safadeza em todos os níveis, do político ao sexual, fazem parte desta trama que, de maneira ágil e bem humorada, vai te enredar, prender sua atenção, caro leitor.
A Teia da Aranha Dourada será publicada às sextas-feiras, em episódios semanais, no HP impresso e no site.
Episódio – 1
(Clóvis é assessor especial de um senador da República. Discreto, taciturno, frequenta pouco o gabinete. Não é visto em festas, comemorações e mesmo em reuniões. Atua nos bastidores, usando o estilo raposa, próprio de sujeitos ladinos como ele. Sua agenda guarda segredos capazes de abalar os três poderes. No meio desta tarde está mais atarantado do que nunca. Usa dois celulares ao mesmo tempo e tem um abacaxi enorme pra descascar. Enquanto fala em um dos aparelhos, tenta escutar o que lhe dizem no outro.)
— Nivaldo?! O quê? Não estou ouvindo direito.
— Vivaldo. Vivaldo é o nome do sujeito (uma voz lhe fala do outro lado).
— Vivaldo… Sei. Nunca ouvi falar desse delegado.
— É novo aqui em Santa Catarina. Deve estar querendo aparecer.
— Isso não podia ter acontecido (Clóvis fala mais para si mesmo, bufando de insatisfação). O senador vai ter um troço.
(Desliga o celular)
— É. (fala o segundo interlocutor) A notícia já vazou, tá esguichando bosta pra todo lado.
— Merda! Merda! (diz Clóvis, no auge da ira) Depois falo com você.
(Desliga. Bate o celular com toda a força na mesa, quebrando o aparelho, que descarta na lixeira. Imediatamente o outro telefone toca, é o senador.)
— Clóvis, puta que o pariu! Quê que aconteceu, cara?
— Porra, senador, o troço saiu do controle. Só pode ser vacilo do pessoal da fazenda, lá de Ernesto Varela…
— Cagada sua, Clóvis, você é o responsável pela operação. Quem te mandou se meter com amador, porra! A mídia vai me fritar. Eu e meu neto. Vão nos queimar, caralho!
— Entendo, Chefe. O jeito agora é passar a bronca pros pilotos. Eles que tomaram o flagrante. Temos que declarar inocência do começo ao fim, atribuir tudo a eles.
— Cala a boca, mané. Não vem querer rezar missa pro vigário. A merda é que tá tudo em nosso nome, é complicado. E o pior: como explicar essa cagada pro “Cheiroso”. Ele vai ficar tão puto que é capaz de matar um.
— O senhor vai ter que explicar pra ele. É bom ligar logo e inventar uma boa história.
(O senador não perde tempo com despedidas. Desliga o telefone na cara de Clóvis. Os mais afoitos podem imaginar que “Cheiroso” é o apelido do político tido como consumidor contumaz do pó branco, também conhecido como “brilho”. Não se trata disso. “Cheiroso” é um cognome carinhoso pelo qual certo senador é tratado pelos mais íntimos. A intenção é ressaltar os cuidados e o aspecto elegante e perfumado com que o vaidoso cidadão se apresenta.)
(O celular do primeiro senador, que na intimidade é o “Paçoca”, devido ao seu aspecto atarracado, não para de tocar. Pululam ligações oriundas de números desconhecidos, certamente jornalistas em busca de declarações. Ele rejeita todas, pensando que já passou da hora de trocar de aparelho para não ser rastreado. Mas agora surge na tela o número mais do que conhecido do celular do Cheiroso. Apesar de ainda não ter uma explicação para dar, não pode recusar a ligação.)
— Porra, Paçoca! Como é que você pisa na bola desse jeito?!
— Compadre, desculpa, desculpa. Foi uma cagada, mas fazer o quê?
— Negar, porra. Negar tudo, não baixar a guarda. Dizer que o avião foi roubado, que decolou sem autorização. Jogar todo o rabo pros pilotos. O flagrante é deles. porra.
— É foda, Chefe. O piloto é o Tinho, filho do meu compadre Antero. A família vai se ferrar.
— Foda-se, Paçoca, foda-se. Você devia ser mais precavido, saber da arapuca que a PF estava armando. Caiu como um gambá na ratoeira. Agora vai sujar pra você e pro seu menino. O pior é que a merda vai respingar em mim.
— Porra, Chefe, eu não queria, foi mal, porra.
— Fudeu tudo por incompetência sua. Já mandei desativar o aeroporto, sumir com o equipamento, computadores, documentos, o caralho. Porra, viu!
(Os dois fazem silêncio como que para avaliar as perdas e danos, que não foram poucas: 445 quilos da mais pura cocaína, todas as conexões arruinadas, o trabalho de muitos anos indo para o ralo. Cheiroso retoma a conversa.)
— Vou ligar agora pro Dr. Ananias. Tem que ser ele ou o Ibrahim pra pegar esse caso, o lance é não deixar a bomba explodir. Tem que ser um pica grossa pra segurar a bronca. Esses pilotos não podem abrir o bico.
— Foram treinados pra isso, compadre. Só vão falar na presença dos advogados.
— Tomara, tomara. Você trata de redigir uma nota sobre o acontecimento para a imprensa. Pega o seu jornalista aí, o do gabinete, assessor, sei lá, e faz um rascunho rápido. Me manda que eu vou passar pro Alceu e pra Cleide darem uma finalizada. Tem que ser curto e grosso, negando tudo e sugerindo conspiração, entendeu?
— Tá bom, Chefe, deixa comigo. Posso desligar?
— …Paçoça…
— O que foi?
— Tá chegando a hora de você pedir pra cagar e tirar o time de campo. (desliga sem esperar a réplica do outro)
— Corta! Corta, pode cortar — grita Alfredo, o diretor do filme.
Fim do Episódio – 1
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