“Mercado” já tinha “precificado” o déficit público de 2024, mas o ministro foi mais realista do que o rei e insistiu em zerá-lo
NILSON ARAÚJO DE SOUZA (*)
Quando editou o Arcabouço Fiscal, que no Congresso virou Novo Marco Fiscal, o ministro da Fazenda partiu da concepção de que iria buscar o equilíbrio das contas públicas pela via do aumento da receita, e não do corte da despesa. No entanto, ao comprometer-se com a meta de zerar o déficit primário no ano que vem e gerar superávit nos dois anos seguintes, caiu numa armadilha que ele mesmo armou.
Quando apresentou o esboço da proposta, antes de enviar o projeto ao Congresso, mostrou uma tela indicativa da “expectativa” do chamado mercado (eufemismo para os executivos dos rentistas financeiros), medida pela pesquisa Focus do BC, que demonstrava esperar um resultado primário negativo durante os quatro anos do governo Lula.
Essa “previsão” de que haveria déficit durante os quatro anos do governo Lula significa que o chamado mercado já havia absorvido essa situação; já havia “precificado”, para usar o jargão dos economistas neoliberais. Isso significa que, pelo critério dos donos das finanças e seus executivos, não precisava a equipe econômica se comprometer com zerar o déficit primário em 2024 e produzir superávit durante os últimos dois anos de governo.
Só que, ao comprometer-se com essa meta, o resultado poderá ser o corte de gasto. Isso porque, apesar de o ministro estar realizando um importante esforço de aumento da receita, procurando fontes que não estão devidamente tributadas, como as aplicações dos super-ricos, dentre outras medidas, nada garante que ele vá conseguir a receita suficiente para cobrir o déficit. Até porque são medidas que, ao dependerem do Congresso, não estão garantidas.
Se isso ocorrer, o atingimento da meta implicará no famigerado contingenciamento e no corte do gasto, coisa que, aliás, já está prenunciado com a aparente decisão de reajustar o salário dos servidores em ridículo 1%, quando a meta de inflação é de 3%, sem falar na defasagem, que as entidades dos servidores estimam em 30%. O eventual corte do gasto num momento em que a economia precisa ser relançada para retomar o crescimento, e, para isso, depende de medidas anticíclicas, com destaque para investimento e o gasto público, pode comprometer qualquer esforço de crescimento, que já está sacrificado pelos juros de agiotagem praticados pelo Banco Central.
Assim como perdeu a chance de alterar no Conselho Monetário Nacional a meta de inflação, está ameaçado de perder a chance de, por ocasião do envio ao Congresso do projeto de lei orçamentária para 2024, alterar a meta de resultado primário. Isso é teimosia, ou o quê?
(*) Doutor em economia pela Universidade Autônoma do México (Unam), pós-doutor pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila). Diretor da Fundação Maurício Grabois e do Instituto Claudio Campos; membro do Comitê Central e da Comissão Política Nacional do PCdoB; presidente do Sindicato dos Escritores no Estado de São Paulo; autor de vários livros, artigos e ensaios sobre economia brasileira, latino-americana e mundial.