“A semente da privatização estava plantada desde a Constituição de 1988”, aponta o especialista
Roberto D’ Araújo, diretor do Instituto Ilumina, e uma das maiores autoridades em energia do país, nos apresenta uma pequena síntese do que se sucedeu com a Eletrobras desde que as ideias neoliberais começaram a prevalecer no Brasil.
Em seu artigo “Por que a surpresa?”, ele mostra que os problemas que culminaram com a privatização da maior empresa de energia da América Latina são antigos e já começaram a aparecer durante a Constituinte de 88. O posterior avanço do neoliberalismo no país agravou a situação. Confira.
Por que a surpresa?
ROBERTO D’ARAÚJO
Prezados:
Nesse fim de ano, vamos ampliar o nosso entendimento sobre a longa história do setor e da Eletrobras? Vamos sair da “bolha” e reconhecer que o que está ocorrendo não deveria ser surpresa?
Vejam o que dizia a Constituição de 1946
Art 151 – A lei disporá sobre o regime das empresas concessionárias de serviços públicos federais, estaduais e municipais.
Parágrafo único – Será determinada a fiscalização e a revisão das tarifas dos serviços explorados por concessão, a fim de que os lucros dos concessionários, não excedendo a justa remuneração do capital, lhes permitam atender as necessidades de melhoramentos e expansão desses serviços.
O que mudou na constituição de 1988?
Art. 175. Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
III – política tarifária;
IV – a obrigação de manter serviço adequado.
Reparem que a política tarifária deixou de ser um princípio constitucional e passou a ser assunto de lei.
O que diz a Lei 8987/95 das Concessões?
Decreta o fim do princípio da justa remuneração.
Art. 9o A tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação e preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no contrato.
1o A tarifa não será subordinada à legislação específica anterior.
Reparem na insistência do § 1o! Insiste que não há mais o critério da justa remuneração.
A Lei 8.987/95 definiu as seguintes regras de transição para as concessões:
• Posteriores à CF/88, deverão ser extintas (art. 43);
• Anteriores CF/88 e cujas obras não tenham se iniciado, deverão ser extintas (art. 43);
• Concessões anteriores à Lei 8.987/95, que tenham prazo fixado no contrato ou no ato de outorga, serão válidas pelo prazo restante. Uma vez encerrado o prazo, a concessão será licitada
Art.42.
Usinas hidroelétricas têm extensa vida útil. Nenhuma outra fonte de energia apresenta essa característica. Países de base hidroelétrica não se obrigam, através da constituição, a fazerem licitações onde se corre o risco de trocar o comando de uma usina construída por uma empresa, seja estatal ou privada. O Brasil fez isso.
Tivemos 40 anos para criar uma “PEC” que alterasse essa determinação para usinas hidroelétricas. Não fizemos porque a semente da privatização estava plantada desde a constituição de 1988. Não percebemos?
Consequências:
A Eletrobras foi usada para:
• Comprar distribuidoras rejeitadas na privatização da década de 90.
• Vender energia quase gratuita no mercado livre sob queda do consumo.
• Entrar em parcerias minoritárias para viabilizar quase 17 GW de hidroelétricas.
Endividamento.
• Obrigada a reduzir “tarifas” a custo operacional de usinas. Compensação de explosão tarifária e grandes lucros no setor privado. Tarifas desvinculadas de custos da central administrativa.
• Redução de capacidade funcional e técnica a níveis extremamente baixos quando comparada a outras empresas semelhantes.
O resultado foi a venda do controle acionário (privatização) por um valor que chega a 1/10 do valor de mercado da Duke Energy, que tem aproximadamente a mesma capacidade de geração.
Sei que muitos discordam. Seria interessante receber contestações. Um feliz natal!