
Júlio Cesar Dutra Grillo, diretor do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em Minas Gerais, denunciou que “há mais de 300 barragens de rejeitos em Minas Gerais que não são seguras”. Ele alertou, em dezembro do ano passado, que barragens de rejeitos em Brumadinho, entre elas a da Vale que se rompeu na sexta-feira, “não ofereciam risco zero”. Maria Teresa de Freitas Corujo, integrante do Conselho de Política Ambiental (COPAM) tentou impedir o rebaixamento do nível de risco da barragem de Brumadinho, ocorrido em dezembro de 2018. Moradores dizem que a Vale explorava desenfreadamente a região e que não havia fiscalização.
O alerta do diretor do Ibama foi feito numa reunião extraordinária da Câmara de Atividades Minerárias, ocorrida em 11 de dezembro de 2018. Na reunião houve uma acalorada discussão com a participação de dezenas de moradores que se manifestaram contra as licenças por causa de possíveis abalos hídricos na região. A discussão acabou com a aprovação, de forma acelerada, da licença para a continuidade das Operações da Mina da Jangada e das operações da Mina de Córrego do Feijão. O resultado foi pela aprovação, com folga, das licenças: 8 votos contra 1, com 1 abstenção.
A Vale, empresa privatizada em 1997, forçou a decisão de rebaixamento da classificação de risco da barragem de Feijão de nível 6 para nível 4 para poder iniciar as obras de reaproveitamento dos rejeitos. A barragem tinha aproximadamente 27 hectares e 87 metros de altura. As atividades no local, de acordo com a pasta, estavam paralisadas desde 2015. Até agora não se sabe se as obras de retirada dos rejeitos, autorizadas pelo Conselho de Política Ambiental, já tinham se iniciado. A Vale até agora não informou nada a esse respeito.
A pauta daquela reunião também incluiu outros projetos polêmicos. Os conselheiros tiveram que deliberar sobre mega-empreendimentos de mineração de ferro que foram re-enquadrados, repentinamente, da classe 6 (grande porte e potencial poluidor) para classe 4 (médio impacto ambiental) segundo a nova “Deliberação Normativa do COPAM (Conselho Estadual de Política Ambiental) 217/17”, que vigorava desde março.
Maria Teresa de Freitas Corujo, conselheira da Câmara de Atividades Minerárias do Conselho Ambiental de Minas Gerais, atuou firmemente para barrar a licença de ampliação das atividades no complexo da Vale em Brumadinho. Ela foi uma das que mais fizeram questionamentos na tumultuada sessão da Câmara em dezembro de 2018, em que a licença foi concedida. “Estava claro que havia uma pressa demandada pela Vale para obter as licenças de uma vez só”, disse ela.
“Ou a Vale mentiu quando disse que a barragem estava estável ou, com as licenças que obteve em dezembro, iniciou obras para fazer o reaproveitamento de bens minerais e houve um erro, ou algo inesperado, e a barragem rompeu”, analisa Maria Teresa. “Nós vemos que as empresas de mineração da região do Quadrilátero Ferrífero não têm mais lugar pra colocar rejeitos. Estão começando a querer reaproveitar”, adicionou.
Segundo o parecer que concedeu as licenças prévias de instalação e de operação, a Vale obteve luz verde para reaproveitar rejeitos da barragem I. Ou seja, a empresa poderia iniciar obras para recuperar minério de ferro dispostos entre os rejeitos – uma espécie de ‘reciclagem’. Para fazer esse reaproveitamento, retroescavadeiras fariam a remoção mecânica na barragem I seguida por um empilhamento drenado e posterior transporte do minério a ser reaproveitado.
Para aprovar o rebaixamento do nível de risco, Rodrigo Ribas, Superintendente de Projetos Prioritários (SUPPRI), órgão criado pelo governo mineiro para “agilizar” as demandas das mineradoras, banalizou a falha na classe informada nos processos de licenciamento das minas Jangada e Feijão, atribuindo o fato a “um erro de digitação na pauta da reunião”. A Secretaria do Meio Ambiente de MG tentou justificar o apoio do governo Pimentel ao rebaixamento da classificação de risco, solicitado pelas mineradoras, e concedido em dezembro, para a barragem que desabou (ela foi rebaixada de nível 6 para nível 4), porque, segundo o órgão, “era apenas para reaproveitamento dos rejeitos”.
O Secretário do Meio Ambiente, Germano Luiz Gomes Vieira, da gestão Pimentel e que permaneceu no governo Zema, tentou passar adiante a reponsabilidade pelos fatos ocorrido em Brumadinho. Ele disse que “a fiscalização de estabilidade e segurança de barragens de rejeito de minério de ferro, ou seja, questão relacionada à engenharia da barragem, é de responsabilidade do antigo Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, atual Agência Nacional de Mineração – ANM”.
Revelando o descaso com a fiscalização do poder público, ele disse, ainda, que a responsabilidade de fazer a gestão, o monitoramento e garantir a estabilidade da barragem “é do próprio empreendedor”. “ Para análise da estabilidade, as empresas têm que contratar auditores independentes de seu quadro funcional que analisam as condições da estrutura e concluem pela garantia ou não da sua estabilidade. Conforme norma federal, essas auditorias devem ocorrer mesmo nos casos de barragens inativas. A Barragem B1 da Vale possuía laudo de um auditor de 2018 garantindo sua estabilidade entregue à ANM”, finalizou. A barragem caiu. O que mostra que deixar para as próprias empresas as auditorias é a senha para que elas sigam cometendo os crimes ambientais como os de Mariana e Brumadinho.
O diretor do Ibama-MG afirma ainda que mineradoras deveriam param de usar barragens como a de Brumadinho. “Ou param de usar essa técnica ou há o risco de cair na cabeça das pessoas. Mesmo as que não estão mais recebendo rejeitos não são seguras e, ao longo do tempo, podem despencar na cabeça das pessoas”, diz, emendando que há outras técnicas mais eficientes. Segundo o diretor, as técnicas alternativas são mais caras, e os órgãos de licenciamento têm autorizado projetos e novas intervenções “do jeito que as mineradoras querem”. “Essas votações têm sido atropeladas”, afirma.
A barragem 1, da mina do Córrego do Feijão, da Vale, que se rompeu, usava o sistema “a montante”, que consiste em depositar os rejeitos em camadas, num vale, fazendo o alteamento da barragem conforme aumenta o volume do material, resultante do beneficiamento do minério de ferro – o produto “dispensado” é formado basicamente por ferro, sílica e água. Ela começou a funcionar na década de 70. Estava desativada há três anos. A Vale estava querendo reaproveitar os rejeitos.
Para Andrea Zhouri, pesquisadora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) que estuda conflitos ambientais em torno da mineração há décadas, o desastre de Mariana “parece não ter sido levado a sério pelas autoridades”. Um mês após o colapso de Fundão, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais aprovou uma lei que mudou toda a estrutura dos órgãos que aprovam o licenciamento ambiental.
“Tudo pra deixar o licenciamento mais simplificado. A toque de caixa. Estão aprovando as obras sem que estudos sejam suficientes, sem que haja debate, avaliação técnica, ou viabilidade ambiental e socioambiental”, critica Zhouri.
Uma das alterações da lei foi a criação da chamada Superintendência de Projetos Prioritários (Suppri). Para Klemens Laschefski, pesquisador da UFMG, o órgão foi criado com o único objetivo: pressionar o Conselho Estadual de Política Ambiental de Minas para aprovar projetos que o governador considera prioritários. “São geralmente aquelas empresas que financiaram as campanhas eleitorais por trás desses pedidos. As obras são aprovadas a partir dos interesses efetivamente das mineradoras”, opinou.
Para os pesquisadores, a criação da Suppri é o fator que mais enfraqueceu o sistema ambiental mineiro. “O licenciamento virou um balcão de negócio”, opinou Zhouri. “Além disso, temos ainda uma ineficiência e inoperância da fiscalização e monitoramento”, acrescentou. Ao mesmo tempo o projeto de lei que endureceria regras para barragens continuava parado há na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Para o superintendente do Ibama em Minas, a melhor forma de evitar tragédias como a de Brumadinho é uma nova legislação.
“Infelizmente, está tudo parado na Assembleia de Minas onde prevalece os interesses das mineradoras. É muito melhor reduzir o lucro em alguns poucos por centos e evitar tragédias se repitam”, afirma.
O diretor do Ibama continuou a apontar os prováveis motivos para o desabamento da barragem de Brumadinho. “Em uma negligência qualquer de quem está à frente de um sistema de gestão de risco, aquilo rompe. Se essa barragem ficar abandonada alguns anos, não for descomissionada (esvaziada), ela rompe, e isso são 10 milhões m³, é um quarto do que saiu de Fundão (em Mariana, que rompeu há três anos), inviabiliza Casa Branca e inviabiliza ao menos uma das captações do Paraopeba”, afirmou Grillo.
No processamento do minério de ferro, o rejeito tem alta umidade. “É sempre um risco maior com mais água. As barragens que costumam dar problemas são geralmente as de montante”, declarou Maurício Ehrlich, professor do programa de engenharia civil da Coppe/UFRJ, especialista em geotecnia. Além disso, é uma técnica barata porque é possível aumentar a capacidade de armazenamento ao fazer o alteamento das barragens (na prática, aumentando a face de contenção). “Há uma vantagem econômica, mas um impacto ambiental maior, porque você vai estocar água. Vai estocando grandes volumes de água”, observou.
“Há tecnologias mais sofisticadas para depósito do rejeito, porém são mais caras. Consistem em tornar o rejeito mais seco, usando uma espécie de filtro que o separa da água. Esse sistema demanda o uso de outra tecnologia e encarece a produção, daí a resistência das mineradoras”, explicou.
“As mineradoras discutem como podem fazer a produção de uma maneira mais barata, tentam baixar ao máximo o custo de produção. E a deposição é um custo de produção. É mais barato simplesmente estocar do jeito que está”, disse o professor.
Após o acidente da barragem do Fundão, em Mariana, em 2015, a Assembleia Legislativa de Minas chegou a analisar o endurecimento da legislação envolvendo as barragens e discutiu-se proibir as do tipo “a montante”. Mas a proposta acabou não avançando. Essa discussão tem que ser retomada. “Se isso acontecer, vai ter um impacto no preço do minério. Vai ter que se virar para ficar competitivo mesmo assim”, disse. As mineradoras são grandes financiadoras de políticos. Seu objetivo é manter seus privilégios. Privilégios esses que têm assassinado dezenas de pessoas em Minas Gerais.
Até o fechamento desta edição haviam sido encontrados 58 mortos e mais de 300 pessoas estão desaparecidas. Esse é o preço da ganância e do superlucro. “O problema da Vale aqui na nossa região é a exploração desenfreada. A gente acha que não há nenhum controle”, disse um morador, que estava entre os cerca de cem manifestantes que pediam a saída da empresa de Brumadinho. Os desabrigados vitimas de mais esse crime ambiental da Vale foram encaminhados para várias pousadas e hotéis da região. A igreja Nossa Senhora das Dores, próxima ao local do rompimento, recebe corpos encontrados e sobreviventes.
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