A vida dos palestinos na Cisjordânia, onde reina o terror israelense, tornou-se insuportável

Palestinos observam destruição causada por tropa israelenses na cidade de Tubas (Majdi Mohammed/AP)

“Há dois anos reina o terror na Cisjordânia”, denuncia o articulista Gedeon Levy, em matéria publicada no jornal israelense Haaretz – assim que foi fechado o acordo de cessar-fogo em Gaza – originalmente intitulada “Já não é possível ser palestino na Cisjordânia”, destaca ainda que “a violência dos colonos continua, assim como o envolvimento do exército e da polícia nos distúrbios”.

Gideon Levy, neste libelo contra o ataque terrorista cotidiano aos palestinos na Cisjordânia, que acontece longe dos olhos da mídia predominante que tem olhos voltados, quando muito, para o ataque a Gaza, alerta para a “destruição, o saque, a pobreza, a violência dos colonos e os abusos militares na Cisjordânia, permitindo que o tormento continue: não há cessar-fogo”. Tudo para tornar a vida dos palestinos na Cisjordânia, ocupada em 1967, um inferno e expulsá-los de suas terras, onde milenarmente, até hoje, residiam.

Dada a importância e atualidade do artigo, publicamos seus principais trechos:

Já não é possível ser palestino na Cisjordânia

GIDEON LEVY

Enquanto Trump garante aos países árabes que a anexação israelense “não acontecerá”, ele vira as costas para a destruição, o saque, a pobreza, a violência dos colonos e os abusos militares na Cisjordânia, permitindo que o tormento continue: não há cessar-fogo.

Na Cisjordânia, ninguém ouviu falar do cessar-fogo em Gaza: nem o exército, nem os colonos, nem a Administração Civil e, claro, nem os 3 milhões de palestinos que vivem sob sua tirania. Eles não sentem o fim da guerra nem um pouco.

De Jenin a Hebron, não há cessar-fogo à vista. Há dois anos reina o terror na Cisjordânia sob o pretexto da guerra na Faixa de Gaza, que serve como um duvidoso pretexto e uma cortina de fumaça, e não há sinal de que esteja prestes a terminar.

Todos os decretos draconianos impostos aos palestinos em 7 de outubro permanecem em vigor; alguns foram até mesmo endurecidos. A violência dos colonos continua, assim como o envolvimento do exército e da polícia nos distúrbios. Em Gaza, o número de mortos e deslocados diminuiu, mas na Cisjordânia tudo segue como se não houvesse cessar-fogo.

O ‘general do derramamento de sangue’ na Cisjordânia é a face moral de Israel.

Israel aprova plano de divisão da Cisjordânia em duas para “enterrar a ideia de um Estado palestino”.

O plano de Smotrich para a Cisjordânia não está acabando com a Solução de Dois Estados.

O governo Trump, tão ativo e resoluto em Gaza, fecha os olhos para a Cisjordânia e se engana sobre a situação lá. Bloquear a anexação é suficiente para ele. “Não vai acontecer porque dei minha palavra aos países árabes”, disse o presidente Donald Trump na semana passada, enquanto, pelas suas costas, Israel faz tudo o que pode na Cisjordânia para destruir, desapropriar, abusar e impedir a possibilidade de vida.

Por vezes, parece que o chefe do Comando Central das Forças de Defesa de Israel, Avi Bluth, sendo leal e obediente ao seu superior – o Ministro das Finanças Bezalel Smotrich  [que também tem cargo no Ministério da Defesa, encarregado de “assuntos civis na Cisjordânia, incluindo a construção dos mal-denominados assentamentos judaicos”] – está realizando uma experiência humana, em causa comum com os colonos e a polícia: Vamos ver o quanto podemos atormentá-los antes que explodam.

A esperança de que sua sede de abuso diminuísse junto com os combates em Gaza foi frustrada. A guerra na Faixa era apenas uma desculpa. Enquanto a mídia evitar a Cisjordânia e a maioria dos israelenses – e dos americanos – não se importar, de fato, com o que acontece lá, o tormento pode continuar.

O dia 7 de outubro foi, de fato, uma oportunidade histórica para os colonos e seus colaboradores fazerem o que não haviam ousado fazer durante anos.

Já não é possível ser palestino na Cisjordânia. A região não foi destruída como Gaza, dezenas de milhares de pessoas não morreram, mas a vida lá tornou-se insuportável. É difícil imaginar como o domínio férreo de Israel poderá persistir por muito mais tempo sem uma explosão de violência – justificável.

Entre 150 mil e 200 mil palestinos da Cisjordânia que trabalhavam em Israel estão desempregados há dois anos. Dois anos sem um único shekel de renda. Os salários de dezenas de milhares de funcionários da Autoridade Nacional Palestina também foram reduzidos significativamente devido à retenção, por Israel, da receita tributária que arrecada para a ANP.

A pobreza e as dificuldades estão por toda parte. Assim como as barricadas e os postos de controle; nunca antes houve tantos, certamente não por um período tão prolongado. Agora são centenas deles.

Cada vila tem portões de ferro que ficam fechados, ou que abrem e fecham alternadamente. Não há como saber o que está aberto e o que não está – e, mais importante, quando. É tudo arbitrário. Tudo acontece por causa da pressão dos colonos, que fizeram das Forças de Israel seus servos submissos. É assim que funciona quando Smotrich é o ministro da Cisjordânia.

Colonos judeus atacam palestinos da aldeia de Turmus Aya durante colheita de azeitonas Ilia Yefimovitch/DPA)

Aproximadamente 120 novos assentamentos, quase todos violentos, foram estabelecidos desde o fatídico 7 de outubro, abrangendo dezenas de milhares de hectares, todos com o apoio do Estado. Não passa uma semana sem que novos assentamentos sejam criados; também sem precedentes é a dimensão da limpeza étnica que visam: Hagar Shezaf relatou na sexta-feira que, durante a guerra em Gaza, moradores de 80 aldeias palestinas na Cisjordânia fugiram para salvar suas vidas, com medo dos colonos que usurparam suas terras.

A família Zaer Al Amour reveza-se na vigilância desde o anoitecer até o amanhecer para proteger suas terras (Wisam Hashlamoun/Anadolu/via AFP)

A face da Cisjordânia está mudando diariamente. Vejo isso com meus próprios olhos, atônito. Trump pode se gabar de ter impedido a anexação, mas a anexação tornou-se mais arraigada do que nunca.

Do centro de comando que os militares dos EUA estabeleceram em Kiryat Gat, talvez seja possível ver Gaza, mas não é possível ver Kiryat Arba, um assentamento judaico nos arredores de Hebron. A Cisjordânia clama por uma intervenção internacional urgente. Alguém precisa proteger seus moradores indefesos. Alguém precisa resgatá-los das garras das Forças de Israel e dos colonos.

Compartilhe

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *