A estrutura ilegal montada pelo governo de Jair Bolsonaro na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) espionou a promotora responsável pela investigação acerca do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, afirma relatório da Polícia Federal.
A informação está presente na decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que autorizou operações de busca e apreensão para aprofundar a investigação sobre a “Abin paralela”.
Segundo Moraes, “ficou patente a instrumentalização da Abin para monitoramento da promotora de Justiça do Rio de Janeiro e coordenadora da força-tarefa sobre os homicídios qualificados perpetrados em desfavor da vereadora Marielle Franco e do motorista que lhe acompanhava, Anderson Gomes”.
O ministro disse que o monitoramento da promotora, cujo nome não foi citado no documento, foi feito pela “estrutura paralela infiltrada na Abin”.
A Controladoria-Geral da União (CGU), de acordo com a PF, “identificou no servidor de impressão resumo do currículo da Promotora de Justiça do Rio de Janeiro coordenadora da força-tarefa sobre os homicídios qualificados perpetrados em desfavor da vereadora Marielle Franco e o motorista que lhe acompanhava Anderson Gomes. O documento tem a mesma ausência de identidade visual nos moldes dos Relatórios apócrifos da estrutura paralela”.
Isso significa que a “Abin paralela” produziu um relatório, sem qualquer identificação ou “identidade visual”, resumindo o currículo da promotora.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) afirmou que essas provas “dão a conhecer a existência do que a representação denomina de uma Abin paralela, utilizada para colher dados sensíveis sobre autoridades e agentes políticos relevantes”.
O cerco sobre o mandante do assassinato está se fechando. O atirador responsável pelo crime, Élcio Queiroz, e o motorista, Ronnie Lessa, fecharam acordos de delação premiada.
As informações sobre a delação de Ronnie Lessa apontam que o mandante é uma autoridade pública com foro privilegiado.
Outro criminoso envolvido no assassinato, Adriano da Nóbrega, que era vizinho de Jair Bolsonaro em um condomínio de luxo na Barra da Tijuca, foi morto em uma troca de tiros com a polícia na Bahia.
Enquanto foi presidente, Jair Bolsonaro colocou obstáculos na investigação, fazendo trocas no comando e indicando aliados para a superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro, e a apuração pouco caminhou.
Com o governo Lula, a Polícia Federal passou a colaborar mais com as investigações. O ministro da Justiça, Flávio Dino, e futuro ministro do STF, tem dado prioridade para o caso.
ABIN E ESPIONAGEM ILEGAL
Na manhã desta quinta-feira (25), a Polícia Federal cumpriu 21 mandados de busca e apreensão em Brasília, Rio de Janeiro e Minas Gerais para investigar o uso ilegal da Abin, no governo Bolsonaro, para espionar desafetos do antigo governo.
A Polícia Federal, durante a investigação, concluiu que foi montada uma “organização criminosa com intuito de monitorar ilegalmente pessoas e autoridades públicas” através da Abin.
A estrutura paralela na Abin utilizava o programa israelense First Mile para monitorar, através do aparelho celular, o deslocamento de quem quisessem.
O chefe da Abin era Alexandre Ramagem, amigo pessoal da família Bolsonaro e atual deputado federal. A Agência era subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que tinha como chefe o general da reserva bolsonarista Augusto Heleno.
Em 2020, durante uma reunião ministerial, Jair Bolsonaro falou que tinha um “sistema particular” de informações.
“O meu particular funciona. Os que têm oficialmente, desinformam. E voltando ao tema: Prefiro não ter informação do que ser desinformado por sistema de informações que eu tenho”, falou o então presidente.
A Abin foi de tal forma aparelhada pelo bolsonarismo que, de acordo com a GloboNews, Alexandre Ramagem recebeu relatórios sobre o avanço das investigações contra ele. Um desses relatórios foi encontrado em seu gabinete na Câmara dos Deputados.
A GloboNews também levanta a possibilidade de Ramagem ter acessado o documento através da Comissão de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso Nacional. O caso também está sendo investigado pela PF.
EQUIPAMENTOS DA ABIN
Na operação desta quinta-feira, a PFencontrou, nos endereços ligados ao deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), seis celulares e quatro notebooks que pertencem à Abin. Alguns desses eletrônicos ainda eram da agência.
Ramagem alegou candidamente que não sabia que os equipamentos estavam nos endereços em que ocorreram as buscas.
“Se houver computador e telefone da Abin, foram trocados por novos, que foram devolvidos. Estão sem utilização há mais de 3 anos”, disse.