PF também identificou que Alexandre Ramagem, então diretor da abin, fez lista com dados de inquéritos para entregar à família Bolsonaro
O grupo criminoso do governo Bolsonaro dentro da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) usou ilegalmente a ferramenta de espionagem First Mile mais de 30 mil vezes durante as eleições, representando mais da metade das consultas totais no software.
A informação está presente no despacho do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), citando um relatório da Polícia Federal.
“O uso do sistema FIRST MILE em outubro de 2020, período eleitoral, apresentou discrepância na distribuição das consultas posto que das 60.734 (sessenta mil, setecentos e trinta e quatro) consultas constantes na tabela TARGET [alvo, em inglês], 30.344 (trinta mil, trezentos e quarenta e quatro consultas) foram realizadas no período eleitoral de 2020”, diz um trecho.
O programa israelense First Mile é capaz de invadir as antenas de telefonia para roubar os dados de localização de qualquer celular. Não ficou claro se o montante citado refere-se a rastreios feitos, podendo ser mais de uma vez por aparelho, ou de celulares.
Seu uso durante o período eleitoral de 2020, quando ocorreram eleições municipais, indica uma tentativa de interferir ilegalmente nas eleições, com espionagem sobre candidatos e pessoas influentes.
A Polícia Federal também identificou que na Abin foram impressos relatórios de informações sigilosas de inquéritos da “unidade responsável pelas apurações eleitorais”.
“A premissa investigativa ganha concretude com a identificação de informações sigilosas impressas pelo Del. Alexandre Ramagem possivelmente para entregar aos destinatários do núcleo político. A CGU, nesta trilha, identificou impressão de documento pelo então Diretor da Abin contendo a lista com informações dos Inquéritos Eleitorais da Polícia Federal no Estado do Rio de Janeiro. A lista (…) apresentava o número de inquérito, nome do investigado, o cargo político e o partido político”, registrou a PF.
A PF já confirmou que o ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia, adversário de Bolsonaro, e a ex-deputada Joice Hasselmann, então aliada do antigo governo, rompendo com o governo depois, foram espionados pela “Abin paralela”.
Além deles, foram espionados ministros do Supremo e a promotora que investigava o assassinato da vereadora Marielle Franco e as milícias. O restante não foi divulgado.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que vai pedir ao STF a lista de parlamentares que foram perseguidos pelo antigo governo.
A Polícia Federal já realizou operações de busca e apreensão nos endereços do então chefe da Abin, Alexandre Ramagem, e de ex-servidores da Agência. Na casa de Ramagem, foi encontrado um notebook do órgão que constava como “devolvido” no sistema.
Na segunda-feira (29), a PF foi aos endereços do vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos) e apreendeu seu celular.
A Polícia confirmou, em relatório, que Carlos Bolsonaro pedia a Alexandre Ramagem, através de uma assessora, acesso a inquéritos e outras informações sigilosas. O filho de Jair é citado como membro do “núcleo político” da Abin paralela.
Na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, Bolsonaro declarou que possuía um sistema de inteligência “particular” ao se queixar de que a PF não lhe dava informações e que por isso precisava trocar os chefes da corporação. “Sistemas de informações: o meu funciona. O meu particular funciona. Os ofi… que tem oficialmente, desinforma. E voltando ao … ao tema: prefiro não ter informação do que ser desinformado por sistema de informações que eu tenho”, disse na ocasião.
“Pô, tenho a PF que não me dá informações. Eu tenho as … as inteligências das Forças Armadas que não tenho informações. A Abin tem os seus problemas, tenho algumas informações. Só não tenho mais porque tá faltando, realmente, temos problemas, pô! Aparelhamento etc. Mas a gente não pode viver sem informação”, afirmou.