Anthony Lamar Smith, negro e desarmado, foi morto com 5 tiros à queima-roupa pelo policial Jason Stockley. Na arma apresentada como sendo da vítima, só foi encontrado vestígio do assassino
A impunidade de policiais racistas que matam negros desarmados volta a convulsionar Saint Louis, com quatro dias seguidos de manifestações desde que um juiz absolveu na sexta-feira (15) um policial branco, Jason Stockley, do assassinato em 2011 do negro desarmado Anthony Lamar Smith com cinco tiros à queima roupa, além de ter plantado no carro da vítima um revólver e ter sido gravado por um dispositivo da viatura momentos antes dizendo “vou matar esse filho da (*)”. Saint Louis fica perto de Ferguson, cidade do estado de Missouri onde nasceu o movimento “Vidas de Negros Importam”. A Guarda Nacional foi colocada de prontidão.
O repúdio começou diante do tribunal Carnhan e foi engrossando à medida que o dia passava. Centenas de manifestantes indignados – negros, brancos, hispânicos, jovens, idosos e mulheres – percorreram as ruas do centro de Saint Louis bradando “Parem de nos matar”, e exigindo o fim da licença para executar negros em vigor no país. Ocorreram protestos junto à sede do Departamento de polícia e a dois shoppings. Os manifestantes reagiram à truculência da policia jogando pedras e garrafas, derrubando vasos de concreto e incendiando latas de lixo.
No sábado, ativistas cercaram a residência da prefeita democrata, Lyda Krewson, e uma janela chegou a ser quebrada. No domingo, centenas de manifestantes se reuniram diante da sede de polícia de Saint Louis onde permaneceram em silêncio por seis minutos, um por cada ano que se passou desde a morte de Smith. Em 2013, o assassino Stockley se demitiu da polícia, depois do escândalo de portar, no dia do seu crime, ilegalmente, na viatura um rifle AK-47. Só foi indiciado em maio de 2016.
80 PRESOS
Nesta segunda-feira, os protestos continuaram, e a polícia prendeu mais de 80 manifestantes e até jornalistas que acompanhavam o ato – o dobro das detenções do final de semana. A polícia, após essas prisões, passou a provocar os manifestantes, percorrendo as ruas e repetindo o brado dos que protestam: “de quem são as ruas?, são nossas ruas”. Um vídeo mostra uma senhora branca de idade sendo derrubada no chão por um policial e agredida. A banda de rock U2 cancelou o show programado para a cidade em função dos distúrbios.
O advogado de Stockley, Neil Bruntager, é o mesmo que ganhou notoriedade em 2014 ao obter a absolvição do policial branco Darren Wilson em Ferguson, assassino do adolescente negro desarmado Michael Brown – o dos braços levantados e do grito de “não atire” -, que deflagrou a maior onda de protestos contra o racismo nos EUA em mais de uma década. Cinicamente, Bruntager se referiu ao vídeo que mostra o assassinato cometido por Stockley dizendo que “essa não é toda a evidência” e se gabando que a sentença do juiz Wilson “não deixou nenhuma pedra virada”,
Stockley, que se formou em West Point e é veterano de guerra no Iraque, alegou que “teria visto” uma “arma prateada” ao começar a perseguição ao Buick de Smith, que seria “traficante de droga”. Conforme o juiz Wilson, a declaração de “vou matar esse filho da (*)”, gravada e apontada pelos promotores, estava “fora de contexto”. Ele aceitou a declaração de Stockley de que sua ida até a viatura após matar Smith com cinco tiros teria sido para “obter um curativo médico que diminui o sangramento” do morto à queima roupa e “não para pegar uma arma extra” como a promotoria acusava – a arma que foi plantada no carro da vítima.
“DOUTO JUIZ”
O juiz também considerou que os 15 segundos em que Stockley esteve à porta do carro de Smith, supostamente ordenando que mostrasse as mãos, “provaria” que “não fora uma execução”. Os cinco tiros foram dados a seis centímetros de distância. O douto juiz também concluiu que o DNA de Stockley na arma, sem qualquer indício de Smith, não provava nada, porque apareceu um expert para dizer que às vezes isso acontece. Resumindo, um racista completo, ou um corrupto total, ou as duas coisas juntas, unindo o útil ao agradável.
Não é de estranhar que, repetidamente, surjam nas manifestações populares nos EUA faixas denunciando a “AmeriKKKa”. Contra a população dos guetos nos EUA, policiais armados até os dentes reproduzem as lições aprendidas nas ocupações em terra alheia. E a culpa é sempre da vítima, como repetem os facínoras diante de júris e juizes amestrados. Quando não é o ameaçador “traficante” de Saint Louis, é o ameaçador gerente de uma lanchonete de escola de Minnesota, ou o ameaçador camelô gordo de Nova Iorque, ou o ainda mais ameaçador garoto de 12 anos de uma praça de Cleveland, todos negros, e todos desarmados, diante de policiais brancos e ligeiros no gatilho e no racismo.
Quanto mais apodrece o sistema iníquo dos monopólios imperialistas ianques, mais afloram os esgotos que emergem de suas entranhas. Sob Obama, a impunidade não recuou, e sob Trump, é ainda mais certa. Há cinqüenta anos, com Martin Luther King e Malcom X, a luta de milhões contra o racismo acabou convergindo contra a insânia da guerra e genocídio no Vietnã. Nas ruas dos EUA, as novas gerações recomeçam seu aprendizado, para se indignarem não apenas contra a opressão de que são vítimas, mas contra toda a opressão sobre quem quer que seja: “sem justiça, sem paz”.
ANTONIO PIMENTA