A nova legislação trabalhista, instituída em novembro do ano passado e responsável por acabar com diversos direitos antes garantidos por lei, já causou também uma queda profunda nas ações judiciais requeridas por trabalhadores.
Segundo o TST, os processos em 1ª instância recebidos pelos tribunais de todo o país somavam, em média, 200 mil por mês. Em dezembro, um mês após a aprovação da Lei n. 13.467/17, que instituiu a reforma trabalhista, essa média passou para 84,2 mil. Em matéria divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo, os dados apontam que, há três meses, desde que a “reforma trabalhista” entrou em vigor, as novas ações caíram pela metade: de 571 mil para 295 mil, se comparado com o mesmo período do ano passado.
Isso acontece porque a lei da reforma determina que se o trabalhador perder a ação trabalhista, ele terá de arcar com os honorários dos advogados da empresa processada – as sucumbências. Por essa razão, os pedidos de indenização por dano moral e adicional de insalubridade e periculosidade, por exemplo, estão quase à beira da extinção, devido principalmente às dificuldades em serem comprovadas e as consequentes recusas em ações julgadas com base nas novas regras.
O problema principal está na necessidade de perícia, para os casos de adicional de insalubridade e periculosidade, e testemunho de terceiros, no caso de dano moral. Ao perder uma ação, o trabalhador deve pagar valor entre 5% e 15% dos custos do processo, mesmo em casos nos quais tenha conseguido gratuidade da Justiça, por ser comprovadamente incapaz de pagar.
Para o advogado trabalhista Gabriel Pereira, esses dados demonstram apenas que os trabalhadores estão deixando de recorrer à Justiça, mas não que as ilegalidades estão deixando de acontecer .
“O que acontece é o trabalhador sendo prejudicado, sendo onerado em casos em que teria direito à gratuidade”. “Cobrar do trabalhador os honorários pela perícia técnica realizada, mesmo quando este é beneficiário da Justiça Gratuita, é inconstitucional e afronta o maior princípio que rege a Justiça do Trabalho, o da proteção trabalhador, hipossuficiente frente ao seu patrão”. Em resposta aos argumentos apontados na reportagem do Estadão de que “acabaram as ações aventureiras”, questionou Gabriel: “O que há de aventureiro em o trabalhador pleitear adicional de insalubridade, cuja existência ou não depende de uma prova técnica de um especialista? Se o próprio juiz e os advogados não sabem (com certeza técnica) se determinada função necessita de adicional de insalubridade, quem é que deve definir? O patrão?”, indaga (Leia mais, a seguir, a nota divulgada pelo advogado).
Há setores da mídia que celebram a notícia, assim como o governo, alegando que a maior parte das ações era fruto de “irresponsáveis”, ou mesmo “malandragem” por parte dos trabalhadores.
Ora, embora tenham diminuído de forma acachapante, seria estupidez (para não dizer má-fé) acreditar que a situação do trabalhador tenha melhorado – ainda mais com os níveis de emprego formal em pleno declínio (em 2017 foram criados 1,8 milhão postos de trabalho, todos no setor informal, enquanto foram perdidas 685 mil vagas com carteira). Acreditar que os processos na Justiça do Trabalho eram movidos por “malandragem” mostra apenas um profundo desconhecimento da situação do trabalhador no país, além de ser, possivelmente, fruto de quem nunca precisou trabalhar na vida.
O que acontece é que esta reforma – como era o seu intuito desde o início – busca apenas minar o direito dos trabalhadores, inclusive através de processo judicial e da clara inibição do trabalhador a procurar pela Justiça.
Veja abaixo, a íntegra da nota do advogado trabalhista, Gabriel Pereira:
“Reforma trabalhista” fechou as portas da Justiça gratuita para o trabalhador
O recente balanço sobre a brusca queda do número de ações trabalhistas na Justiça do Trabalho, divulgado pelo Estado de S. Paulo, está certo na sua conclusão. É obvio que cairia o número de ações. Esse era o objetivo desde o início dos precursores de um dos maiores retrocessos em direitos sociais da história recente do Brasil.
As regras de limitação da Justiça gratuita, honorários sucumbenciais (quando o trabalhador perde a ação e deve arcar com o pagamento dos advogados da parte vencedora), honorários de perícias técnicas (mesmo sendo beneficiário da Justiça gratuita) visam pôr pânico no trabalhador e fechar as portas do acesso à Justiça.
A comemoração dos principais veículos de comunicação deste resultado, com afirmações de que “acabaram as reclamações aventureiras” é leviano e precipitado. Essa realidade cruel para o trabalhador há de mudar e seu fim não tarda a chegar.
O que há de aventureiro em o trabalhador pleitear adicional de insalubridade, cuja existência ou não depende de uma prova técnica de um especialista? Se o próprio juiz e os advogados não sabem (com certeza técnica) se determinada função necessita de adicional de insalubridade, quem é que deve definir? O patrão?
É direito do cidadão buscar o judiciário, mesmo que, eventualmente por quaisquer circunstâncias, não tenha êxito, sem ser penalizado por isso. Do contrário, seria uma carta branca às empresas para não arcarem com suas obrigações trabalhistas.
Cobrar do trabalhador os honorários pela perícia técnica realizada, mesmo quando este é beneficiário da Justiça gratuita, é inconstitucional e afronta o maior principio que rege a Justiça do Trabalho, o da proteção ao trabalhador, hipossuficiente frente ao seu patrão. O TST, no próximo período, há de considerar tal fato que salta aos olhos.
É esse o motivo pelo qual caíram as buscas pelas ações na Justiça. Porque elas passaram a prejudicar o trabalhador em qualquer situação, e não porque as ilegalidades deixaram de acontecer. Muito pelo contrário, elas continuam, no entanto, agora sem virem à tona.
Para ficar apenas na perícia por insalubridade ou periculosidade, basta analisar os casos do Mc Donalds, e da Contax. No primeiro, por insalubridade devido ao fato de seus jovens empregados frequentarem câmaras frias e chapas quentes durante o expediente. E, no caso da grande ré trabalhista do ramo de telemarketing, por expor seus funcionários a perigo com geradores de energia próximo às instalações de trabalho. O que se encontrará é um número gigantesco de perícias realizadas nas mesmas condições por peritos diferentes que têm pareceres divergentes. Então como afirmar que o trabalhador sucumbiu por ser aventureiro?
E as perícias médicas que igualmente dependem do perito? O trabalhador que acredita que sua doença seja de origem ocupacional, bem como seu advogado, bem como o próprio juiz, por não serem médicos não podem saber se de fato tal doença é ou não derivada do seu trabalho. O que fazer? A resposta é obvia: recorrer à Justiça do Trabalho.
Assim como nos casos de pedido de indenização por danos morais. Eles não se dão porque os trabalhadores são aventureiros, ou malandros, mas sim porque as empresas historicamente humilham seus funcionários. Discriminam, assediam sexualmente, ameaçam de demissão, pressionam o trabalhador até seu limite emocional pelo lucro insano. Agora, é fato que para provar tais ofensas é imprescindível que haja uma testemunha (muitas vezes igualmente pressionadas pelo patrão a não depor em juízo), e o fato de o trabalhador ofendido não conseguir provar tais fatos, também não significa que este não tenha ocorrido.
Gabriel Pereira
Advogado e sócio fundador do escritório Medrado Pereira Advocacia e pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho