
O ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, informou que está em tratativas com a Presidência da República para elaboração de ações para retomada do Programa Nacional de Reforma Agrária, paralisada nos últimos governos e aprofundada na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro.
“Recebi das mãos da coordenação do MST a pauta da 26ª Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária. Neste encontro de 17 de abril, informei que estou em diálogo com a Presidência da República na elaboração de medidas para a retomada do Programa Nacional de Reforma Agrária, paralisado nos últimos anos”, declarou o ministro em rede social.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) entrou em acordo com entidades do governo e decidiu desocupar as sedes da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa e Agropecuária), em Pernambuco, e da empresa produtora de papel e celulose Suzano, no Espírito Santo.
O governo federal assumiu o compromisso de tomar medidas para assentar as famílias que estão nas áreas da Embrapa e da Suzano, uma das reivindicações do movimento para desocupar as instalações das duas empresas.
Além disso, o MST reivindica a autorização, pelo governo, de uma vistoria em 5 áreas em Petrolina, interior de Pernambuco, e a instalação de uma mesa de negociação com lideranças do movimento, a Suzano, governo federal e governo do Espírito Santo.
Segundo o MST, o grupo fará assembleias e sairá das áreas assim que o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar anunciar as medidas.
À coluna Painel da Folha de São Paulo nesta quinta-feira (21), o ministro Paulo Teixeira reiterou que uma das demandas do MST, um plano nacional de reforma agrária, estava na mesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas ressaltou que as ocupações promovidas nas últimas semanas geraram tensão e dificultaram o anúncio.
“Nós organizamos para lançar em abril um plano nacional de reforma agrária. Mas quando aconteceu a ocupação de Alagoas [na sede do Incra], aquilo estressou muito a nossa relação. Depois, teve a ocupação da Embrapa e a reiteração da ocupação da Suzano estressou demais. O plano já estava na mesa dele [o Lula]”, afirmou Teixeira.
“Eles estão no mês da jornada da reforma agrária e achavam que nós iríamos ao encontro. Mas essas ocupações acabaram estressando demasiadamente”, completa. O MST iniciou neste mês a chamado Jornada Nacional de Luta pela Terra e pela Reforma Agrária. A campanha já resultou em pelo menos a ocupação de nove fazendas pelo país, inclusive da sede do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
JORNADA
Intitulada de Abril Vermelho, a jornada também lembra o massacre de Eldorado do Carajás, em 1996, além de buscar chamar atenção para a pauta da reforma agrária.
Ao todo, 2.280 famílias sem-terra se mantém em áreas ocupadas no estado de Pernambuco desde o início deste mês. A primeira terra alvo das ocupaçoes foi a do Engenho Cumbre, em Timbaúba, a 102 km de Recife, há cerca de duas semanas. Segundo o MST, a área pertence ao Governo de Pernambuco.
As outras sete ocupações no estado ocorreram no último fim de semana. A maior delas na área que pertence à Embrapa. Também foram ocupadas outras áreas em Timbaúba, Jaboatão dos Guararapes, Tacaimbó, Caruaru, Glória do Goitá e Goiana.
Teixeira também destacou que o diálogo entre o ministério e o movimento foi normalizado na quarta-feira (19), quando o MST se comprometeu a desocupar as áreas da Suzano e da Embrapa. “A partir desse compromisso nós sinalizamos uma retomada de diálogo para maio. [A relação] tem que se dar por diálogo, por conversa, trazendo demandas para nós”, afirmou ao jornal.
Apesar das trocas no comando das superintendências do Incra, uma das reivindicações do movimento e que também seria um das justificativas para as ocupações, o ministro diz que eram mudanças que estavam em análise. Segundo ele, as substituições resultaram de acordos no Parlamento.
“Todo o arranjo da ocupação do governo teve uma dimensão político-parlamentar. Todos os nomes que recebi foram indicados pelas bancadas ao ministério. Nenhum nome foi indicado pelo MST”, afirma o ministro.
Ao todo, foram substituídos os comandos do Incra em 19 estados, além do Distrito Federal, nas últimas semanas. Minas Gerais, Amazonas, Alagoas, Tocantins, Rondônia, Roraima e Amapá mantém as mesmas chefias.
“Nenhum nome foi negociado com o MST. Os nomes que estão indo para as superintendências do Incra nos estados são especialistas na área da política agrária”, assegurou.
CONFLITOS NA TERRA
Durante o governo Bolsonaro a reforma agrária ficou parada. Todos os processos de aquisição, vistoria, regularização e distribuição de terras, ficaram estagnados, conforme determinou o ex-presidente na primeira semana de seu mandato, em 2019.
Além da paralisação nos processos de desapropriação e regularização de terras para fins da reforma agrária, as ações da gestão de Bolsonaro levaram à explosão da violência no campo. Relatório anual sobre violência agrária divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostra que em 2022, ocorreram 2.018 casos de conflitos no campo.
O documento, divulgado na segunda-feira (17), informa que os confrontos envolveram 909,4 mil pessoas e mais de 80,1 milhões hectares de terra em disputa em todo o território nacional, o que corresponde à média de um conflito a cada quatro horas.
“Nos últimos dez anos, foi só em 2020 que tivemos um número geral de conflitos maior do que esse, em plena pandemia. Por isso, os números do ano passado são muito graves”, observa Isolete Wichinieski, da coordenação nacional da CPT.
Em termos de disputas pela terra, foram 1.572 ocorrências no país, o que representa um aumento de 16,70% em relação ao ano anterior.
Ao todo, 181.304 famílias enfrentaram esse tipo de conflito no Brasil, o que dá 4,61% a mais que o registrado em 2021. Os casos inseridos nessa linha são as ocorrências de violências contra a ocupação e a posse e contra as pessoas, além das ações coletivas de ocupação de terras e acampamentos.
Das unidades da federação com índices mais altos de conflitos por terra, quatro estão na Amazônia Legal. A região respondeu, em 2022, por 1.107 conflitos no campo, o que representa mais da metade de todos os conflitos ocorridos no país (54,86%), aponta o relatório.
Outro dado alarmante é que, dos 47 assassinatos no campo registrados no Brasil no ano passado, 34 ocorreram só na Amazônia Legal, o que representa 72,35% de todos os assassinatos no país.
“A curva ascendente na Amazônia Legal a torna um dos mais graves epicentros da violência no campo na atualidade”, aponta a CPT no levantamento. O relatório descreve a região da maior floresta tropical do planeta como “palco de exploração e devastação, criando um verdadeiro campo minado, no qual foram atingidas 121.341 famílias de povos originários e comunidades camponesas em 2022″.