No item ‘compras governamentais’ foi atingido um ‘meio termo’, salvando-se o setor de saúde. Alemanha e seus industriais comemoraram o resultado. França reagiu porque é contra a entrada do agro brasileiro em seu mercado
Foi anunciado oficialmente, nesta sexta-feira (6), após a reunião dos líderes dos blocos na cúpula do Mercosul em Montevidéu, no Uruguai, o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia. O anúncio sinaliza para o mundo que as negociações entre os dois blocos estão encerradas os termos aprovados por seus governos.
O acordo passará agora por debates nos respectivos legislativos. Será necessário passar o texto final pela aprovação dos Legislativos dos países do Mercosul, pelo aval do Conselho Europeu (27 chefes de Estado ou de governo) e por apreciação do Parlamento Europeu (720 votos). O acordo envolve mais de 718 milhões de pessoas e um PIB conjunto de US$ 22 trilhões.
INÍCIO NO GOVERNO FHC
As conversas foram iniciadas em 1999, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Elas foram paralisadas depois de um acordo inicial alcançado em 2019, durante o governo Jair Bolsonaro. Assim que assumiu, o governo Lula interrompeu os entendimentos tendo em vista que as concessões feitas pelo governo anterior colocariam em risco a retomada da produção industrial brasileira e inviabilizariam as vendas por empresas brasileiras ao poder público.
Alguns pontos tiveram avanço nas negociações atuais, mas, no essencial, o acordo beneficia inteiramente o setor do agronegócio brasileiro, que verá crescer seus mercados na Europa – desde que sejam vencidos os obstáculos protecionistas dos europeus travestidos de preocupações ambientais.
Já a indústria brasileira, que vem enfrentando um processo de desmonte nas últimas décadas, além de um alto custo do dinheiro e restrições de mercado, sofrerá com a entrada de produtos industriais, principalmente vindos da Alemanha, com taxas reduzidas ou até zeradas.
INDÚSTRIA ALEMÃ COMEMORA
Bens industriais europeus diversos, além de automóveis – uma ambição da Alemanha – assim como itens específicos, como vinho, e facilidades para investimentos no Brasil, estão contemplados para o lado europeu. A França está se manifestando contra o acordo porque é um dos maiores produtores agrícolas da União Europeia e deve ser prejudicada, já que o Brasil é um grande produtor de grãos e alimentos.
O outro ponto polêmico, a abertura das compras governamentais por parte do Brasil, também evoluiu nas negociações atuais. Como estava antes, poderia “impedir a retomada da produção industrial brasileira”, alertou, à época, o presidente Lula.
Mas, segundo o acordo atual, a abertura das compras governamentais – que era uma exigência feita pelo europeus – será concretizada, só que de modo parcial. As compras governamentais representam parcela crescente dos fluxos de comércio mundial. A expectativa por parte dos europeus é de que agora, uma vez formalizado o acordo, empresas europeias entrem mais no mercado brasileiro de compras públicas.
Não há detalhes sobre a totalidade das negociações sobre este tema, mas, ao que tudo indica, alguns segmentos, como por exemplo, as compras ligadas ao Sistema Único de Saúde (SUS) – boa parte delas feita mediante importação – poderão ser preservadas no acordo, enquanto outros segmentos seriam abertos para as empresas europeias.
COMPRAS GOVERNAMENTAIS
Outro setor, além da saúde, com algum grau de preservação seria o de compras em segmentos sociais, como alimentos e educação. Não há, ainda, detalhes sobre esses pontos. O governo vê no acordo uma recuperação de capacidade de manter margem de preferência para empresas nacionais e de usar conteúdo local e regional em suas compras.
Apesar de o texto ter sido um meio termo, com perdas importantes para o país, o Itamaraty comemorou o resultado como uma “grande vitória” do Brasil. “De forma inovadora, o acordo abre oportunidades de comércio e investimentos sem comprometer a capacidade para a implementação de políticas públicas em áreas cruciais como saúde, desenvolvimento industrial e inovação”, afirmou o Itamaraty, num comunicado.
BAIXA DE TARIFAS INDUSTRIAIS
“Sob a orientação do presidente Lula, o texto do acordo anunciado hoje assegura a preservação de espaço para políticas públicas em compromissos sobre compras governamentais, comércio no setor automotivo e exportação de minerais críticos”, disse a nota. Entretanto, a alegada preservação do setor automotivo – que beneficiaria empresas instaladas no país – não parece ter sido realmente contemplada no acordo.
Isso fica evidente na comemoração e no entusiasmo da Alemanha e de sua representante Ursula von der Leyen, na assinatura do acordo. Em suma, o que parece é que o grande ganhador pelo lado do Brasil foi o agronegócio e, pela Europa, a indústria alemã. Já as empresas industriais e fornecedores do governo brasileiro passarão a contar com uma poderosa concorrência estrangeira.
SÉRGIO CRUZ