Faleceu a antropóloga que se dedicou ao estudo do nenonazismo no Brasil e que denunciou o maior crescimento do nazismo no Brasil em toda sua história: 270% durante os anos de governo de Bolsonaro
Adriana Dias denunciou também o envolvimento do próprio Bolsonaro com o nazismo, mesmo antes dele se tornar presidente, ficando conhecida sua carta datada de 2004 e publicada em sites nazistas e por ela localizada e divulgada
“A sociedade brasileira está nazificando-se. As pessoas que tinham a ideia de supremacia guardada em si viram o recrudescimento da direita e agora estão podendo falar do assunto com certa tranquilidade. Precisamos abordar o tema para ativar o sinal de alerta. Justamente para não dar palanque a essas ideias, precisamos falar sobre criminalização de movimentos de ódio e resgatar a questão crucial: compartilhar humanidades”, afirmou a antropóloga Adriana Dias, em uma entrevista à emissora Deutsche Welle Brasil, a pouco mais de um ano do início do governo de Jair Bolsonaro.
Adriana Dias, dedicou seu trabalho, como pesquisadora da Unicamp, de forma concentrada à denúncia do crescimento do nazismo no Brasil, trabalho que ganhou destaque quando denunciou este crescimento durante e por estímulo do então presidente.
A antropóloga, que faleceu no dia 29 de janeiro, denunciou que, como resultado de suas pesquisas localizou o funcionamento de 530 células em meio a este governo, um crescimento de 270% em meados de 2021, portanto faltando ainda mais de um ano para o término de seu mandato.
Segundo os dados por ela levantados, os que participavam, na época deste seu levantamento, destas células seriam em torno de 10 mil e com as mensagens circuladas e com conteúdo neonazista, 900 mil pessoas chegaram a baixa-las em 2019, o dobro de todo o material baixado entre 2002 e 2018.
Para Adriana, os números deste crescimento, não serviram apenas para a apreensão diante deste crescimento, mas como fator de denúncia e um chamamento à resistência a este flagelo. Esta percepção estava presente em todas as suas entrevistas e pronunciamentos que se intensificaram durante o governo Bolsonaro.
Foi através deste seu trabalho incansável e que prosseguiu mesmo no seu período final de vida em luta contra um câncer, que Adriana localizou uma carta de Bolsonaro a sites de propagação e conteúdo nazista. Na carta, datada de 2004, portanto muito antes de sua chegada ao Planalto, ele afirma “vocês são a razão da existência do meu mandato”.
“A partir da descoberta dessa carta, olho todos os finais de entrevista desse governo por outra ótica. Ele tem de fato um vínculo [com os neonazistas] desde 2004”, afirmou Dias, em entrevista concedida em agosto de 2021.
No último período de vida, Adriana Dias apoiava a vereadora Maria Tereza Capra, de Santa Catarina, eleita pela cidade de São Miguel do Oeste, e que teve seu mandato cassado pelos seus colegas vereadores, na madrugada de sábado (dia 4) em votação na Câmara Municipal.
A vereadora denunciara, dias antes, que em ato na cidade onde rodovias foram bloqueadas em manifestação contra a posse do presidente Lula, gestos nazistas foram feitos por diversos dos presentes. Ela exibiu na Câmara Municipal as imagens que mostravam a apologia do nazismo por aqueles manifestantes.
A pesquisadora da Unicamp, professora, Suely Kofes, orienadora e amiga de Adriana fez uma declaração assumida pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp.
Segue a declaração:
Adriana Abreu Magalhães Dias formou-se como antropóloga na Unicamp. Concluiu a sua graduação em Ciências Sociais com a defesa de uma monografia baseada em uma pesquisa pioneira, no tema e na “área etnografica”: Os Anacronautas do teutonismo virtual: uma etnografia do neonazismo na internet (2005).
Com um considerável conhecimento da deep web observou postagens não reconhecíveis ao leigo, as publicações dos neonazistas, e continuou assim a sua pesquisa para o mestrado para o Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Unicamp (PPGAS, Unicamp).
Finalmente, em 2018, defendeu a sua tese de doutorado: Observando o ódio: entre uma etnografia do neonazismo e a biografia de David Lane.
As suas pesquisas acadêmicas, monografia, dissertação e tese, são imprescindíveis para estudo das concepções e ações neonazistas e sobre pesquisas antropológicas na Internet.
Quem faz antropologia neste campo de estudos no Brasil precisa necessariamente reconhecer seu pioneirismo e a importância de suas pesquisas.
Adriana é uma ativista, radicalizou os supostos de uma antropologia pública. Pelos seus artigos, pelos debates e ações jurídicas contra neonazistas.
Pela coordenação do Comitê “Deficiência e Acessibilidade” da ABA, organizou também na ABA o I Seminário Nacional de Políticas Públicas para Mulheres com Deficiência, defendendo a criação e atuando nas realizações de Grupos de Trabalho relativos aos estudos sobre as pessoas com deficiência.
Atuou na elaboração do projeto de lei para o Dia Nacional das Doenças Raras.
Ao criar o Instituto Baresi, um fórum nacional associando “ pessoas com doenças raras, deficiências e outros grupos de minoria” enfatizava a sua luta contra desigualdades e pela justiça.
Não foi possível ainda deixar-me envolver pela evocação dos nossos momentos comuns… Pela dor, mas também pelas centenas de testemunhos da vida e do trabalho e das ações políticas de Adriana que leio desde o dia vinte e oito de janeiro de 2023, quando foi anunciado o seu falecimento, um mês depois de seu aniversário.
Adriana não apenas pesquisou sobre e agiu contra as redes de neonazistas. Criou um meshwork de afetos, tecido pelas suas lutas e pela sua generosidade. Onde quer que estivesse, no IFCH, Unicamp, em outras universidades, em reuniões cientificas, em lugares aos quais era convidada a debates, no cotidiano, reivindicava condições de acesso aos portadores de deficiências, inclusive para si mesma. Como li em algumas mensagens sobre ela, Adriana foi pioneira também nas reivindicações de acessibilidade nos ambientes acadêmicos e com uma qualidade própria, a de insistir nos problemas.
Sensível esta relação entre os seus temas de pesquisa em antropologia, os de seus ativismos e entre estes e a sua vida, breve.
Uma antropóloga, uma ativista. Acompanhei as suas pesquisas desde a monografia de graduação até o seu doutorado. Nos separávamos no ativismo e nos aproximávamos intensamente nas leituras em antropologia, nas conversas sobre as suas pesquisas, e por um intenso afeto.
Quando Adriana concluiu o seu doutorado, tornei-me uma mensageira que endereçava a ela os tantos e-mails de jornalistas e movimentos por direitos humanos procurando-me para obter o seu endereço de e-mail.
Pode-se dizer da vida de Adriana Abreu Magalhães Dias, que ela se fez distribuindo o bem e na procura da justiça. Que este seja o seu legado permanente,
Até sempre e obrigada, Adriana.
O governo brasileiro também expediu nota de pesar pelo falecimento de Adriana Dias
Com pesar, recebemos neste domingo (29) a notícia do falecimento da nossa companheira Adriana Dias. Colaboradora do grupo de transição do governo Lula, Adriana foi figura importante na composição da nova gestão.
Cientista, pesquisadora e doutora em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Adriana foi uma mulher com deficiência de referência para nós e nos estudos sobre neonazismo. Aguerrida ativista pelos direitos humanos, colaborou na efetiva denúncia de ações nazistas no Brasil. Feminista por ideologia, Adriana integrou a Frente Nacional de Mulheres com Deficiência. Foi também coordenadora da Associação Vida e Justiça de Apoio às Vítimas da Covid-19.
Expressamos aqui nossa homenagem em agradecimento a essa grande mulher, e enviamos nossos sentimentos à família.
Nos dois trabalhos que realizei, sobre o crescimento de uma das vertentes do nazismo e do racismo, o antissemitismo, que recrudesceu durante o governo Bolsonaro, o primeiro intitulado “O Antissemitismo Durante o Governo Bolsonaro”, sobre os 18 primeiros meses daquele nefasto mandato, em conjunto com Jayme Brener, Jean Goldenbaum e no segundo, já na fase final dele, com mesmo título, Parte II (lançado na Câmara Municipal de São Paulo, com apoio do vereador Daniel Annenberg, presençaa da diretora da Confederação Israelita do Brasil – Conib- Ruth Goldberg e do conselheiro da Casa do Povo, Iso Sendacz), dessa vez com a participação de Goldenbaum, junto com Charles Argelazi e Leana Naiman Bergel Friedman, este último trabalho com contribuições também de Francisco Moreno, Silvio Hotimsky, Sonia Nussenzweig Hotimsky e Michel Gherman. Nos dois trabalhos, a contribuição de Adriana Dias, através de materiais e conversas foi imprescindível.
Foram trabalhos que se tornaram peças importantes no combate ao bolsonarismo que grassava no seio da comunidade judaica brasileira, presente desde o famigerado discurso na Hebraica do Rio de Janeiro, em que Bolsonaro e seu entorno se alimentaram sob o conto de apoio a Israel com as bandeiras israelenses presentes nas manifestações de campanha e que foram rareando à medida que a relação entre nazismo e bolsonarismo ia fazendo cair a máscara do ‘mito’ Bolsonaro amigo de judeus e tornando a presença daquelas bandeiras nos atos bolsonaristas cada vez mais incômoda e denunciadora da falácia.
A ação da parcela judaica antifascista nos momentos iniciais teve que vencer o primeiro impacto dos efeitos da demagogia bolsonarista no seio de sua comunidade – decisão que já se mostrara presente no ato realizado na porta da Hebraica – foi se fortalecendo e ganhando ímpeto ao longo do mandato e das manifestações nazismo que, sob o comando e estímulo do próprio Bolsonaro foram acontecendo. Nesta luta, surgiram entidades como Judeus Pela Democracia, Observatório Judaico de Direitos Humanos, fortaleceu-se o grupo Meretz Brasil, se fez presente a atividade da Casa do Povo, entre outras vertentes e entidades. O apoio corajoso e fundamentado de Adriana Dias em todo este processo, seja com seus trabalhos e denúncias, seja com intervenções em lives foi uma presença decisiva.
NATHANIEL BRAIA