
“Queria esclarecer e expor a todos vocês é que essa sempre foi a ideologia da empresa. E onde existe uma ideologia de lealdade e obediência não existe autonomia”, disse à CPI a advogada Bruna Morato
A advogada Bruna Morato, representante de 12 médicos que trabalham ou trabalhavam na Prevent Senior, apontou na CPI da Covid-19 no Senado, nesta terça-feira (28), que os profissionais não tinham autonomia para o tratamento da Covid-19 e que a prescrição do Kit Covid, com remédios de eficácia sem nenhuma comprovação, era praticamente obrigatória.
“Os médicos não tinham autonomia, na verdade é importante esclarecer que quando nós trouxemos aqui mensagem de 2014, 2015, 2016, 2017 sobre o lema da empresa de “lealdade e obediência” o que eu queria esclarecer e expor a todos vocês é que essa sempre foi a ideologia da empresa e onde existe uma ideologia de lealdade e obediência não existe autonomia”, disse à CPI a advogada.
“Lealdade e obediência” era ou é a consigna da empresa Prevent Senior, que opera planos de saúde para idosos. Trata-se, pois, de consigna semelhante às tropas de choque SS de Hitler que era: “Minha Honra se chama Lealdade”. E o juramento nazista falava em “obediência incondicional”.
Segundo a advogada, os médicos eram obrigados a cantar o hino da empresa, intitulado “Hino dos Guardiões”, composto pelos donos da empresa, que são integrantes do conjunto de rock Doctor Pheabes. A empresa não negou. Apenas disse que o hino era “uma brincadeira”.
RECEITA
“Então os médicos eram, sim, orientados [para fazer] a prescrição do kit e esse kit vinha num pacote fechado e lacrado, não existia autonomia com relação à retirada de itens desse kit”, asseverou a advogada.
“Inclusive é muito importante observar também que quando o médico queria tirar algum remédio do kit, ainda que ele riscasse na receita, o paciente recebia completo. Então tinha informação de que ele tinha que tomar aqueles medicamentos e o médico tinha que … a receita também já estava pronta, inclusive vinha com um manual de instruções”, acrescentou.
POR QUE A PREVENT ENTROU NA MIRA DA CPI
As suspeitas envolvendo a Prevent Senior, que administra e opera planos de saúde para idosos, surgiram na reta final da CPI da Covid-19 no Senado, que também ouviu, na semana passada, o diretor-executivo da empresa Pedro Benedito Batista Júnior.
A CPI foi instalada em abril para funcionar por 90 dias e teve os trabalhos prorrogados por mais 90 dias, em 14 de julho.
Durante o depoimento, Batista Júnior admitiu que a operadora orientou médicos a alterarem o CID — o código utilizado mundialmente para identificar e diferenciar as doenças —, dos pacientes infectados após período de internação.
Isso teria resultado em número subdimensionado de mortes em razão da doença.
FORÇA-TAREFA DO MP-SP
Com as descobertas da CPI, o Ministério Público de São Paulo resolveu criar força-tarefa para investigar as acusações contra a operadora de saúde.
A investigação na Polícia Civil, que apura possível falsidade ideológica na emissão das certidões de óbito de Regina Hang, mãe do empresário Luciano Hang, e do médico Anthony Wong, defensor do chamado “tratamento precoce”, pretende ouvir o dono das lojas Havan e a mulher do médico, Carla Von Gabriel Wong.
Pelas suspeitas, Luciano Hang é esperado no Senado na reunião de quarta-feira (28).
Em nota enviada à CNN, a Prevent Senior nega as acusações e divulga que “respeita e vai colaborar com o MP-SP, pois entende que os promotores chegarão à verdade dos fatos.”
Além disso, a empresa escreveu na nota, em relação às alterações do CID, que elas interferem “em nada na notificação dos casos de Covid para as autoridades públicas”, e que “todos os casos de Covid, sejam de pessoas doentes ou aquelas que infelizmente morreram, são informados às autoridades”.
ACORDO
Leia a seguir mais um trecho do depoimento da advogada na CPI em que ela aborda a acusação da Prevent de que ela e seus clientes procuraram fazer um acordo com a empresa para não denunciar o que estava acontecendo.
Veja:
“É importante também prestar um esclarecimento a todos vocês. O Dr. Pedro Batista veio aqui e disse que eu tentei um suposto acordo com a empresa antes de trazer essa denúncia à Comissão Parlamentar de Inquérito”.
“Na verdade, não foi um suposto acordo: foi efetivamente um pedido de acordo. Esse acordo não foi um acordo financeiro, o que é muito importante que se esclareça neste momento”.
“Esses médicos estavam sendo ameaçados e hostilizados pelas famílias e estavam muito preocupados com a diretriz da empresa. Em julho, eles pediram que eu me aproximasse do jurídico da empresa, o que eu fiz, afinal é o meu trabalho, pedindo para que a empresa tomasse três atitudes para que essas denúncias não fossem feitas às autoridades competentes”.
“A primeira atitude requerida é que a empresa assumisse publicamente que o estudo não foi conclusivo, ou seja, não existiu em nenhum momento, no estudo, a comprovação da eficácia do tratamento que eles chamaram de preventivo – depois se transformou em tratamento precoce”.
“O segundo pedido que eu tinha para levar ao jurídico da Prevent Senior era que eles assumissem o protocolo institucional, porque os médicos não tinham autonomia. Na verdade, é importante esclarecer que, quando nós trouxemos aqui mensagens de 2014, 2015, 2016 e 2017 sobre o lema da empresa de lealdade e obediência, o que eu queria esclarecer e expor a todos vocês é que essa sempre foi a ideologia da empresa; e onde existe uma ideologia de lealdade e obediência, não existe autonomia. Então, os médicos eram, sim, orientados à prescrição do kit. E esse kit vinha num pacote fechado e lacrado, não existia autonomia com relação até à retirada de itens desse kit. Inclusive, é muito importante observar também que, quando o médico queria tirar algum kit, ainda que ele riscasse na receita, o paciente o recebia completo. Então, ele tinha a informação de que ele tinha de tomar aqueles medicamentos, e o médico tinha que riscar, porque a receita também já estava pronta – inclusive, ela vinha com um manual de instruções. Eu desconheço qualquer outra instituição médica – e olhem que eu atendo muitas instituições médicas – que tenha feito esse tipo de prática. Em nenhum momento, eu percebi ou conheci uma empresa em que kits eram entregues prontos aos pacientes em casa, chegavam com motoboy, ou que eles ficassem disponibilizados dentro do consultório. E foi por conta disso que a segunda solicitação foi esta: que a empresa assumisse publicamente esse protocolo, até porque é de conhecimento público, não é?”
“E o terceiro e último ponto, que aí, sim, está relacionado a mim, era com relação à responsabilidade diante de possíveis ações. Como esses médicos haviam sido ameaçados, eles tinham muito medo de responder a processos e ter que pagar por esses processos, seja de indenização por dano material, lucros cessantes, dano moral… E eles queriam que a empresa assumisse e fizesse um documento de compromisso de que, caso isso ocorresse, por ter sido um protocolo institucional, ou seja, sem autonomia, a empresa se responsabilizasse em arcar com aqueles custos”.
M. V.