Lava Jato avança contra a impunidade
42 vão testemunhar no processo chamado de “Quadrilhão do PMDB”
Disse o ministro Ricardo Lewandowski, no julgamento do pedido de habeas corpus de Paulo Maluf, na quarta-feira, que “não se pode conceder a quem tem foro privilegiado menos direitos do que àqueles que não têm foro privilegiado”.
Em suma, o privilégio de foro – o privilégio de um deputado, como Maluf, não responder à Justiça comum, mas somente ao STF – significa, para Lewandowski, ter “menos direitos”.
Finalmente descobrimos que os privilegiados (pelo menos os de foro, como Aécio, Temer, Maluf e Gleisi) são os verdadeiros oprimidos e injustiçados da sociedade!
É preciso, pois, compensá-los, dando a eles mais privilégios – como argumentou Lewandowski, estabelecendo uma quinta instância da Justiça para eles, além das quatro que existem, pois é isso o que significa admitir “embargos infringentes” no pleno do STF, contra a decisão de uma de suas turmas.
Essa aberração revela o ponto de decadência a que chegaram os defensores do esquema corrupto que assolou – e ainda assola – os meios políticos do país. Tornou-se tão indefensável a sua posição que, agora, sua argumentação resvalou para o absurdo – e para, digamos, uma crescente falta de pudor.
O que revela um desligamento tremendo da realidade, um descolamento completo do espírito do país – essa indignação que percorre as ruas e os lares, e que é o motor das ações que são conhecidas, em geral, como Operação Lava Jato.
Assim, o que temos é o isolamento, cada vez maior, dessa cascora corrupta, e de seus porta-vozes ou defensores, inclusive, naturalmente, daqueles que não percebem que são porta-vozes das quadrilhas que, sob fantasia política, assaltaram o país.
Na terça-feira, Aécio Neves (PSDB-SP) tornou-se réu pela propina recebida da JBS. Há outros oito inquéritos, todos por corrupção, instalados para investigar sua atividades ilícitas. Infelizmente, o “foro privilegiado”, que parece ao ministro Lewandowski tão opressivo, impediu, até agora, a prisão de Aécio.
Lula está preso há 14 dias, condenado por corrupção passiva e lavagem. Responde, ainda, a mais cinco processos.
Há cinco dias, o juiz Marcus Vinicius Reis Bastos, da 12ª Vara Federal de Brasília, iniciou o julgamento do “quadrilhão do PMDB”. São réus dois ex-presidentes da Câmara (Eduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves), o ex-ministro Geddel Vieira Lima, o carrega-mala de Temer, Rodrigo Rocha Loures, e os caixas de Temer – José Yunes e João Baptista Lima Filho.
O total das propinas recebidas pelos réus, que o Ministério Público conseguiu provar, chega a R$ 587 milhões – ou seja, mais de meio bilhão de reais.
Saíram desse processo, por possuírem “foro privilegiado”, Michel Temer, Eliseu Padilha e Moreira Franco – o primeiro porque ocupa a Presidência e os outros dois porque foram nomeados ministros pelo primeiro.
Há nada menos que 42 testemunhas de acusação, já convocadas pelo juiz.
Enquanto isso, em São Paulo, o presidente do Metrô, e mais cinco ex-presidentes, se tornaram réus, inclusive o secretário de Transportes Metropolitanos (v. matéria na página 4).
Quando, antes da Lava Jato, essa malta iria parar na cadeia ou na barra dos tribunais?
Se existe algo que demonstra o caráter e o sentido da Operação Lava Jato e suas derivadas, é o fato desses ladrões do dinheiro e da propriedade do povo estarem na cadeia ou no caminho para a cadeia.
Esta é, naturalmente, a percepção – correta – do povo.
Há poucos dias, um instituto de pesquisas saiu a campo para perguntar se os brasileiros eram a favor da prisão dos condenados pela segunda instância ou se preferiam que os condenados somente fossem presos após o esgotamento de todos os recursos em todas as instâncias.
Considerando o método desses institutos, submeter um assunto desses a uma “pesquisa de opinião”, tem tudo para que a posição verdadeira dos pesquisados seja falsificada pela própria pesquisa.
O motivo é evidente: apesar da maioria esmagadora das pessoas ser a favor da prisão dos ladrões do dinheiro público, não é fácil, em uma pesquisa, manifestar-se a favor de uma prisão antes de que todos os recursos possíveis se esgotem. Pois a maioria das pessoas é, também, a favor de garantias ao cidadão. Que os recursos após o segundo julgamento sejam, hoje, no Brasil, um luxo protelatório de quem tem dinheiro, não é uma ideia tão fácil assim de ser compreendida.
No entanto, apesar disso tudo, nessa pesquisa nacional, apenas 36% dos consultados responderam que o condenado “tem o direito de ficar em liberdade até que seu processo passe por todas as instâncias judiciais disponíveis”.
Enquanto isso, 57% opinaram “que a prisão possa ser realizada logo após um acusado ser condenado em duas instâncias diferentes da Justiça”.
Um pequeno número (6%) não respondeu à questão (v. a íntegra da pesquisa).
Se esse resultado, por si só, é impressionante, mais ainda ele é, quando se sabe que a pesquisa claramente induzia a que o pesquisado respondesse pela primeira das alternativas.
Literalmente, diz a publicação do instituto de pesquisas: “Informados de que a Constituição brasileira diz que uma pessoa só pode ser presa até se esgotarem suas chances de provar sua inocência nas instâncias de Justiça disponíveis, e de que em 2016 o STF (Supremo Tribunal Federal) entendeu que pessoas já poderiam ser presas após duas condenações, em primeira e segunda instância, os brasileiros foram consultados sobre o tema”.
Não é verdade que a Constituição diga que “uma pessoa só pode ser presa até se esgotarem suas chances de provar sua inocência nas instâncias de Justiça disponíveis”.
O que a Constituição diz é que uma pessoa não pode ser considerada “culpada” até o “trânsito em julgado” de seu caso – o que nada tem a ver com a prisão, pois é possível prender alguém, mesmo antes do julgamento (prisão temporária ou preventiva), quanto mais depois de duas condenações por duas instâncias diferentes da Justiça.
Portanto, aqui, o falso são os 36% a favor de que o condenado “tem o direito de ficar em liberdade até que seu processo passe por todas as instâncias judiciais disponíveis”.
Pois esse resultado foi obtido por indução, pelo recurso a uma mentira, voluntária ou involuntária. Tentou-se usar o prestígio da Constituição para induzir os pesquisados a responder pela opção que propugnam todos os corruptos, exatamente porque não querem ser presos.
E, mesmo assim, os que responderam que é justa a prisão logo após a condenação em segunda instância, excederam em 21 pontos (ou +58%) os que foram induzidos pela mentira.
Convenhamos, não poderia existir melhor definição sobre o que pensa o povo brasileiro.
CARLOS LOPES