A Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET) divulgou nota sobre o lucro líquido de R$ 18,9 bilhões obtido pela Petrobrás no segundo trimestre. Para a entidade dos engenheiros, o resultado foi influenciado pela venda de 90% da participação na Transportadora Associada de Gás (TAG) e a privatização da BR Distribuidora.
Segundo a AEPET, “a Petrobrás não precisa vender ativos para reduzir seu nível de endividamento. Ao contrário, na medida em que vende ativos ela reduz sua capacidade de pagamento da dívida no médio prazo e desestrutura sua cadeia produtiva, em prejuízo à geração futura de caixa, e assume riscos empresariais desnecessários”.
Publicamos a seguir o documento na íntegra.
Nota da AEPET sobre o resultado do 2º trimestre de 2019 da Petrobrás
05 de Agosto
As privatizações geram lucros não recorrentes e prejudicam os resultados futuros da Petrobrás.
A Petrobrás divulgou lucro líquido de R$ 18,9 bilhões no segundo trimestre, resultado influenciado pela venda de 90% da participação na Transportadora Associada de Gás (TAG) e a privatização da BR Distribuidora. Os desinvestimentos fazem parte de um plano de priorização da exploração e produção em águas profundas, especialmente no pré-sal, reduzindo participação ou se retirando completamente dos demais negócios, como transporte, refino, petroquímica, distribuição, fertilizantes, biocombustíveis e produção em campos terrestres.
“No 2T19, avançamos na nossa gestão de portfólio concluindo a venda de ativos importantes, que contribuem de forma muito significativa para a nossa desalavancagem. A conclusão da venda de 90% da TAG e de 100% da refinaria de Pasadena, aliados à oferta pública de das ações da BR Distribuidora em julho, resultaram em entrada de caixa de US$ 11,7 bilhões no período. Ainda em julho, assinamos contratos para a venda dos Polos Pampo e Enchova e o campo de Baúna – ativos non-core, localizados em águas rasas – totalizando US$ 1,5 bilhão.” (Petrobras, 2019)
“Os desinvestimentos somaram US$ 15 bilhões até o final de julho, com destaque para as transações da TAG, da BR Distribuidora.” (Petrobras, 2019)
A Direção da Petrobrás insiste no pretexto da necessidade de redução da dívida para justificar a privatização de ativos rentáveis e estratégicos.
“Nossa dívida bruta (incluindo os efeitos do IFRS 16) mantém-se em patamar elevado, de US$ 101,0 bilhões, com índices de alavancagem entre 2,5x a 3,0x, dependendo das métricas utilizadas. A Petrobras se defronta ainda com alavancagem financeira excessiva para uma companhia produtora de commodities e, portanto, exposta à volatilidade de preços e consequentemente de fluxo de caixa. Os encargos financeiros ainda consomem cerca de 40% do caixa operacional, o que evidencia a necessidade de desinvestimentos para a redução do endividamento.” (Petrobras, 2019)
A Petrobrás reduziu sua dívida líquida de US$ 115,4 para US$ 69,4 bilhões e sua alavancagem (dívida liquida / EBITDA ajustado) de 4,25 para 2,20, entre o final de 2014 e de 2018.
Nesse mesmo período de quatro anos, a Petrobrás vendeu ativos no valor de US$ 18,72 bilhões. Deste total, os valores efetivamente recebidos em caixa totalizaram US$ 11,81 bilhões
Esta dívida poderia ser reduzida, mesmo sem a entrada no caixa dos US$ 11,81 bilhões. Na realidade, as privatizações tiveram influência pouco relevante na redução do endividamento líquido da companhia.
Limitou-se a 25,65% da redução da dívida líquida, entre 2015 (final de 2014) e 2019 (final de 2018), que pode ser atribuída a venda de ativos. Cerca de três quartos (74,35%) da redução da dívida teve origem na geração operacional de caixa da Petrobrás.
Verifica-se que mesmo sem vender qualquer ativo a dívida liquida da Petrobrás teria sido reduzida de US$ 115,4 para US$ 81,19 bilhões, do final do exercício de 2014 ao final de 2018, atingindo indicador de alavancagem (dívida liquida / EBITDA ajustado) de 2,58, resultado próximo à meta arbitrada pela direção da companhia de 2,50.
Na realidade, o resultado teria sido ainda melhor porque nesta estimativa não foi considerada a perda de geração operacional de caixa decorrente da venda de ativos altamente rentáveis, como a malha de gasodutos do Sudeste, da Nova Transportadora do Sudeste (NTS), subsidiária integral da Petrobrás.
A meta e o prazo para o indicador de alavancagem, ainda que arbitrários, de 2,50 para o final de 2018, seriam atingidos, mesmo sem privatizar um único ativo da Petrobrás entre 2015 e 2018.
A manutenção dos elevados níveis de disponibilidade em caixa para a Petrobrás causou perda total estimada de US$ 2,51 bilhões, entre 2015 e 2018. Este montante é equivalente ao prejuízo atribuído à corrupção lançado no balanço de 2014 (US$ 2,53 bilhões).
A Petrobrás, ao final de 2018, mantinha US$ 14 bilhões em caixa. Com melhor administração financeira este montante poderia ter sido reduzido para cerca de US$ 3 bilhões, valor perfeitamente compatível com o tamanho da empresa.
Caso a disponibilidade excessiva de US$ 11 bilhões em caixa fosse utilizada para reduzir a dívida, a alavancagem (dívida liquida / EBITDA ajustado) teria atingido 2,2 no final de 2018 que é mesma alavancagem atingida pela companhia, todavia sem vender qualquer ativo da Petrobrás.
A estimativa da redução da geração operacional de caixa devido às privatizações somou US$ 2,34 bilhões, entre 2015 e 2018. Valor superior ao estimado para a redução do pagamento dos juros – US$ 966,52 milhões, como resultado da redução da dívida pela venda de ativos.
Este resultado é esperado diante da alta rentabilidade dos ativos imobilizados da Petrobrás, quando comparada ao custo da companhia para captação de recursos de terceiros.
Desde 2016, a Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET) tem demonstrado que a Petrobrás não precisa vender ativos para reduzir seu nível de endividamento. Ao contrário, na medida em que vende ativos ela reduz sua capacidade de pagamento da dívida no médio prazo e desestrutura sua cadeia produtiva, em prejuízo à geração futura de caixa, e assume riscos empresariais desnecessários. A AEPET, além do diagnóstico, tem apresentado alternativas para a redução do endividamento da Petrobrás. (Coutinho & Assis, Existe alternativa para reduzir a dívida da Petrobrás sem vender seus ativos, 2016) (AEPET, 2019)
Com relação ao argumento de que “A Petrobras se defronta ainda com alavancagem financeira excessiva para uma companhia produtora de commodities e, portanto, exposta à volatilidade de preços e consequentemente de fluxo de caixa”, deve-se recorrer aos resultados históricos da Petrobrás.
Figura 1: EBITDA ajustado da Petrobrás e preço médio do petróleo Brent, anuais, em US$ corrigidos para 2018
Em 2013, o EBITDA ajustado da Petrobrás foi de US$ 31,96 bilhões, enquanto em 2018 o resultado foi muito próximo, de US$ 31,50 bilhões, mesmo diante da queda do preço médio do petróleo Brent de US$ 118 para US$ 71 por barril entre 2013 e 2018.
Em 2014, o EBITDA ajustado foi de US$ 26,66 bilhões, enquanto em 2016 o resultado foi equivalente, de US$ 27,01 bilhões, mesmo diante da queda do preço médio do petróleo de US$ 106 para US$ 46 por barril entre 2014 e 2016 (valores corrigidos para US$ de 2018).
A resiliência da Petrobrás em relação a queda dos preços do petróleo e à variação da taxa de câmbio é resultado da sua integração, desde a exploração e produção do petróleo ao seu refino e a distribuição dos derivados. A alegada vulnerabilidade da companhia não existe, mas será resultado das desnecessárias e lesivas privatizações promovidas pela direção da Petrobras desde 2015 e aceleradas atualmente.
O somatório do lucro operacional do Abastecimento da Petrobrás nos anos de 2015, 2016 e 2017 registrou US$ 23,7 bilhões, em valores corrigidos para 2018, enquanto o E&P obteve US$ 9,4 bilhões no mesmo período, quando o preço do petróleo médio foi de US$ 52,68 por barril.
A privatização de refinarias, terminais, dutos e distribuidora traz prejuízos muito mais graves à resiliência e sobrevivência da Petrobrás, com preços moderados de petróleo, do que presumíveis benefícios pela redução dos gastos com juros decorrentes da antecipação da redução da dívida. (AEPET, 2019)
Entre os destaques do resultado do 2T19, a atual direção da Petrobrás aponta:
“A Companhia apresentou lucro líquido de R$ 18,9 bilhões, 4,6 vezes o lucro líquido do trimestre anterior, principalmente devido à conclusão da venda da TAG.” (Petrobras, 2019)
Subsidiárias como a TAG apresentam lucratividade praticamente garantida, pois suas receitas são asseguradas por contratos ship or pay, na qual a carregadora, que será principalmente a própria Petrobrás, obriga-se a pagar pela capacidade de transporte contratada, independentemente do volume transportado.
As receitas da TAG estão garantidas pelos contratos de serviços de transporte, regulados pela ANP, relativos à Malha Nordeste, ao Sistema Gasene, ao Sistema Urucu-Coari-Manaus, ao Sistema Pilar-Ipojuca e ao Sistema Atalaia-Laranjeiras.
Em 2016 e 2017, os lucros brutos da TAG foram muito altos, de R$ 5,08 bilhões e R$ 3,66 bilhões, respectivamente. As receitas de serviços são muito maiores que os custos dos serviços prestados. Em 2016, a receita foi de R$ 6,28 bilhões e o custo de apenas R$ 1,2 bilhão.
As receitas e os lucros garantidos da TAG passarão a ser da Engie, grupo que adquiriu 90% do controle acionário da subsidiária integral. A Petrobrás ficará com as despesas de transporte do gás natural e a dependência de uma terceira empresa para transportar sua produção oriunda das bacias do Urucu, das bacias do Nordeste e das bacias de Campos e Santos, onde está localizada a província do Pré-Sal.
A visão de obter receitas no curto prazo pela venda, cuja legalidade pode ser questionada, da TAG também não se justifica tecnicamente, pois os resultados operacionais da estatal já reduziram significativamente a relação entre a dívida líquida e o EBITDA ajustado.
O foco da Petrobrás quase exclusivo na área de exploração e produção, ainda que na província do Pré-Sal, representa um risco para a estatal, pois a lucratividade dessa área é fortemente afetada pela variação dos preços do petróleo, ao contrário do que ocorre com a TAG, onde os patamares de lucro estão praticamente garantidos.
Atualmente, a palavra de ordem na indústria do petróleo é “diversificação”. Na Petrobrás, ao contrário do que ocorre no cenário internacional, é “concentração” de atividades. (AEPET, 2019)
“A perspectiva de desembolso para o resto do ano de 2019 referente a utilização dos gasodutos da TAG é de R$ 2,9 bilhões e da NTS R$ 2,4 bilhões.” (Petrobras, 2019)
A atual direção da Petrobrás destaca:
“O fluxo de caixa livre foi positivo pelo décimo-sétimo trimestre consecutivo, totalizando R$ 11,3 bilhões. Este resultado foi obtido através da melhora da geração operacional, pelos mesmos motivos que impactaram positivamente o EBITDA, e pela redução dos investimentos em relação ao 1T19.” (Petrobras, 2019)
O fluxo de caixa livre é resultado da redução significativa dos investimentos da Petrobrás.
Figura 2: Investimento anual da Petrobrás, em bilhões de US$ corrigidos para 2018
Entre 2009 e 2014, a Petrobrás investiu US$ 292 bilhões, média anual de US$ 49 bilhões. Na divulgação do balanço trimestral, o atual presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, afirmou que os investimentos previstos para 2019 foram reduzidos de US$ 16 bilhões para intervalo entre US$ 10 bilhões e US$ 11 bilhões. (Valor Pro, 2019)
Evidente que a elevação do fluxo de caixa livre é resultado do corte dos investimentos e compromete o futuro próximo da Petrobrás, então não merece ser comemorada.
A privatização da TAG e da BR Distribuidora promovem a desintegração da Petrobrás, na contramão da indústria petrolífera mundial. Comprometem o abastecimento nacional aos menores custos possíveis e prejudicam o desempenho empresarial da Petrobrás, em especial diante de preços moderados do petróleo cru.
A aceleração das vendas dos ativos da Petrobrás é resultado de decisão puramente ideológica, não tem coerência com as tendências da indústria internacional e não se justificam diante da realidade empresarial e financeira da companhia e de sua condição de estatal. (Coutinho, 2019)
* Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET)
Referências
AEPET. (2019). A falácia da privatização para redução da dívida da Petrobrás – Avaliação econômico-financeira da influência das privatizações na redução da dívida da Petrobrás. Fonte: http://www.aepet.org.br/w3/index.php/conteudo-geral/item/2953-falacia-da-privatizacao-para-reducao-da-divida
AEPET. (2019). Avaliação da iniciativa de privatização da Transportadora Associada de Gás S.A. (TAG). Fonte: http://aepet.org.br/w3/index.php/2017-03-29-20-29-03/cartas-da-aepet/item/2965-avaliacao-da-iniciativa-de-privatizacao-da-transportadora-associada-de-gas-s-a-tag
AEPET. (2019). Importância do Refino, do Transporte e da Distribuição do Petróleo e de seus Derivados para o Brasil e a Petrobrás. Fonte: http://www.aepet.org.br/w3/index.php/conteudo-geral/item/2873-importancia-do-refino-do-transporte-e-da-distribuicao-do-petroleo-e-de-seus-derivados-para-o-brasil-e-a-petrobras
Coutinho, F. (2019). Direção da Petrobrás acelera na contramão com privatizações. Fonte: http://aepet.org.br/w3/index.php/conteudo-geral/item/3407-direcao-da-petrobras-acelera-na-contramao-com-privatizacoes
Coutinho, F., & Assis, J. C. (2016). Existe alternativa para reduzir a dívida da Petrobrás sem vender seus ativos. Fonte: https://felipecoutinho21.files.wordpress.com/2016/10/existe-alternativa-para-reduzir-a-divida-da-petrobrc3a1s-sem-vender-seus-ativos_rev0.pdf
Petrobras. (2019). Desempenho da Petrobras no 2T19. Fonte: https://www.investidorpetrobras.com.br/ptb/15294/9512_703242..pdf
Valor Pro. (2019). Petrobras reduz previsão de investimento para 2019, de US$ 16 bi para de US$ 10 bi a US$ 11 bi.