
Zane Dangor, chefe do Departamento de Relações Internacionais e Cooperação da África do Sul, disse ao tribunal: “O sistema de ajuda humanitária está enfrentando um colapso total. Este colapso é intencional”
A Corte Internacional de Justiça (CIJ), a mais alta instância de justiça no mundo, iniciou nesta terça-feira (29) seu segundo dia de audiências sobre as obrigações de Israel em Gaza, atendendo resolução da Assembleia Geral da ONU de dezembro passado, encabeçada pela Noruega.
A audiência ocorre em meio a 50 dias de bloqueio total do regime colonial israelense à entrada de alimentos e ajuda humanitária em Gaza sob fome iminente, depois do rompimento do cessar-fogo por Israel, proibição da atuação da Agência da ONU para a Assistência aos Refugiados Palestinos (UNRWA, na sigla em inglês) criada pela Assembleia Geral da ONU em 1949 e ataques a instalações e funcionários da ONU. 40 países estão inscritos.
Trata-se de um processo à parte da anterior investigação, pedida pela África do Sul e que já está em curso, sobre o genocídio perpetrado por Israel em Gaza.
As audiências irão até 2 de maio, com a Corte de Haia examinando “quais são as obrigações de Israel, como potência ocupante e como membro das Nações Unidas, em relação à presença e atividades das Nações Unidas, incluindo suas agências e órgãos, outras organizações internacionais e terceiros Estados, em e em relação ao Território Palestino Ocupado, inclusive para garantir e facilitar o fornecimento desimpedido de suprimentos urgentemente necessários, essenciais para a sobrevivência da população civil palestina, bem como de suprimentos básicos serviços e assistência humanitária e de desenvolvimento, em benefício da população civil palestina e em apoio ao direito do povo palestino à autodeterminação?”.
“Enquanto me dirijo a vocês hoje, o povo palestino está sendo faminto, bombardeado e deslocado à força por Israel, seu ocupante ilegal”, disse , o embaixador da Palestina Ammar Hijazi no Palácio da Paz em Haia. Ele acusou Israel de usar a ajuda humanitária como “arma de guerra” e de atacar as organizações que tentam salvar as vidas dos palestinos, visando “a transferência forçada e a destruição do povo palestino no prazo imediato”.
“Israel não permitiu a entrada de alimentos, água, remédios e suprimentos médicos ou combustível em Gaza nos últimos dois meses – uma política apoiada pela mais alta corte de Israel, que rejeitou petições para permitir a entrada de ajuda em Gaza em várias ocasiões”, acrescentou.
“NENHUM LUGAR NEM NINGUÉM A SALVO”
Também representando a Palestina, a advogada irlandesa Blinne Ni Ghralaigh apontou que a decisão do secretário-geral Guterres de reduzir a presença da ONU em Gaza ocorreu dias depois que Israel rompeu o cessar-fogo em 18 de março de 2025, quando matou quase 500 palestinos em 24 horas e atacou um complexo da ONU.
“As Nações Unidas não podem manter sua equipe em Gaza a salvo de Israel, porque nenhum lugar e ninguém está seguro”, disse Ghralaigh, acrescentando que os últimos 18 meses foram “os mais mortais da história das Nações Unidas”, com mais de 418 trabalhadores humanitários mortos em Gaza.
Citando a ONG Médicos Sem Fronteiras, ela disse que “Gaza foi transformada em uma vala comum de palestinos e daqueles que vêm em seu auxílio”.
Em nome de Guterres, a advogada e diplomata sueca Elinor Hammarskjold, subsecretária-geral da ONU, advertiu que Israel não tem direito à soberania sobre os territórios ocupados e que as regras e julgamentos do Knesset contra a Unrwa “constituem uma extensão da soberania sobre os territórios palestinos ocupados”.
“Sob o direito internacional humanitário e a Carta da ONU, Israel como potência ocupante “tem o dever de garantir a segurança do povo palestino e do pessoal da ONU”.
ÁFRICA DO SUL DENUNCIA USO DA FOME COMO ARMA
A África do Sul disse à Corte Internacional de Justiça (CIJ) na terça-feira (29) que o direito internacional “proíbe Israel de usar a fome como método de guerra, inclusive sob cerco ou bloqueio”.
“Israel não pode punir coletivamente a população palestina protegida, que mantém sob ocupação ilegal”, disse o representante sul-africano, Jaymion Hendricks.
Citando o Relator Especial da ONU sobre o Direito à Alimentação, ele denunciou que Israel “implantou toda a gama de técnicas de fome e inanição, aperfeiçoando o grau de controle, sofrimento e morte que pode causar por meio de sistemas alimentares, levando a este momento de genocídio”.
Heindricks enfatizou que “apesar das terríveis tentativas das autoridades israelenses de caracterizá-los de outra forma, os palestinos são seres humanos, são de carne e osso”.
Ele enfatizou que Israel “deve cumprir suas obrigações como potência ocupante para garantir fornecedores de alimentos e medicamentos e facilitar o fornecimento desimpedido de bens humanitários, serviços essenciais e assistência ao desenvolvimento pela ONU, terceiros Estados e outras organizações internacionais”.
Hendricks também enfatizou que Israel deve “reverter imediatamente sua decisão de expulsar a UNRWA e outros órgãos da ONU de realizar suas atividades mandatadas”.
Anteriormente, Zane Dangor, chefe do Departamento de Relações Internacionais e Cooperação da África do Sul, disse ao tribunal: “O sistema de ajuda humanitária está enfrentando um colapso total. Este colapso é intencional.”
“GAZA, UMA PILHA INABITÁVEL DE ESCOMBROS”
Também se pronunciaram a Argélia, Egito, Arábia Saudita, Malásia, Colômbia e Bélgica. O embaixador saudita Mohammed Saud Alnasser acusou Israel de exacerbar a crise humanitária e transformar a Faixa de Gaza “em uma pilha inabitável de escombros, enquanto matava milhares de pessoas inocentes e vulneráveis”.
Ele reiterou o compromisso incondicional e inegociável da Arábia Saudita “com o estabelecimento de um Estado palestino independente e soberano com as fronteiras de 1967 com Jerusalém Oriental como sua capital”.
O vice-ministro das Relações Exteriores do Egito, Hatem Kamaleldin Abdelkader, acusou Israel de impor um “cerco brutal” aos civis, o que considerou parte de uma “política estatal generalizada, sistemática e abrangente para despovoar os territórios palestinos ocupados e efetuar sua anexação de fato”.
A Malásia disse à CIJ que o objetivo de Israel é o “deslocamento e eliminação” final dos palestinos. “Quais são as obrigações de uma potência ocupante e de um membro das Nações Unidas que continua, sem levar em conta o direito internacional ou a decência humana, a obstruir, minar e desmantelar os próprios sistemas construídos para preservar a vida e a dignidade humanas no território palestino ocupado?”, questionou a enviada da Malásia, Azalina Othman Said.
Em nome da Bélgica, o professor Vaios Koutroulis, disse que as obrigações humanitárias de Israel “devem ser interpretadas e aplicadas de boa fé” e que “é proibido atacar paramédicos e trabalhadores humanitários”.