Ele atirou na Kombi e matou minha neta. Isso é confronto? A minha neta estava armada por acaso para poder levar um tiro?
Mais uma vez, uma operação policial resultou na morte de uma criança no Complexo do Alemão. Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, foi mais uma vítima da política de segurança pública assassina defendida pelo governador do estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC).
Ela foi baleada por um tiro de fuzil quando estava voltando para casa dentro de uma Kombi ao lado do avô. A família recebeu a notícia da morte da criança com desespero e criticou duramente a atuação da PM. “Foi a filha de um trabalhador, tá? Ela fala inglês, tem aula de balé, era estudiosa. Ela não vivia na rua não. Agora vem um policial aí e atira em qualquer um que está na rua. Acertou minha neta. Perdi minha neta. Não era para perder ela, nem ninguém”, disse o avô da criança.
Segundo moradores da região, PMs atiraram contra uma moto que passava pelo local e o tiro atingiu a criança pelas costas. A família passou a noite na porta do Hospital Getúlio Vargas, na Penha, para onde Ágatha foi levada.
“Mais um na estatística. Vai chegar amanhã e dizer que morreu uma criança no confronto. Que confronto? Confronto com quem? Porque não tinha ninguém, não tinha ninguém. Ele atirou por atirar na Kombi. Atirou na Kombi e matou minha neta. Isso é confronto? A minha neta estava armada por acaso para poder levar um tiro?”, disse o avô da menina.
Ágatha é a quinta criança morta a tiros este ano no estado do RJ. Durante a manhã, moradores da comunidade fizeram um protesto contra a morte da criança e bloquearam um dos principais acessos do Alemão. “Isso não pode acontecer na nossa comunidade. Aí dentro moram pessoas do bem. Por favor, nos ajude na nossa pacificação”, disse uma moradora. “Quando tem tiroteio a gente dá um jeito de passar por outro lugar. Mas não tinha tiroteio. Nossos filhos não estão protegidos”, criticou outra manifestante.
Em nota, a Polícia Militar informou que na noite do evento, oficiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) que estava na esquina da Rua Antônio Austragésilo com a Rua Nossa Senhora, “foram atacadas de várias localidades da comunidade de forma simultânea. Os policiais revidaram à agressão”.
A versão foi desmentida pelos moradores da região. “Isso aí que teve troca de tiros, que eles foram atacados, é tudo mentira”, disse Elias Cesar, tio de Ágatha, no Instituto Médico Legal (IML), no Rio de Janeiro, na manhã deste sábado (21).
“Estavam na kombi e pararam ali na Birosca [uma localidade no complexo], veio um maluco de moto e a polícia mandou parar. O maluco não parou, foi embora, sem arma nem nada, e a polícia atirou. Não teve tiroteio, o único tiro que teve foi o deles, fatal, foi o que tirou a vida da nossa sobrinha”, denunciou Elias.
PROTESTO
No Complexo do Alemão, moradores realizaram protesto em repúdio ao assassinato da menina:
A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) condenou o assassinato de Ágatha, que “faz parte de uma política de extermínio”.
“É a política do extermínio a todo custo e da vida humana na comunidade desprezada. Uma criança! BALEADA nas costas, sem saber porquê, com medo, numa kombi. Todas as falas públicas do governador de incentivo à guerra devem responsabilizá-lo pelo genocídio no Rio”, disse Jandira em suas redes sociais.
Talíria Petrone, deputada federal pelo PSOL-RJ, publicou uma foto com a parte interna do veículo suja com o sangue da vítima. “O governo Witzel tem sangue nas mãos. Não tem outro nome: é necropolítica. Mais uma criança baleada. Mais uma família cheia de dor. Chega desse governo genocida!”, escreveu a deputada. Moradores do Complexo do Alemão convocaram um ato de protesto contra a violência policial na comunidade.
Nas redes sociais, diversos protestos foram direcionados ao governador Wilson Witzel, com a hashtag #ACulpaÉdoWitzel em primeiro lugar nos trending topics do Twitter.
WITZEL DEFENDE ABATE
Na última sexta-feira (20), Witzel voltou a defender a sua política de “abate” durante evento no 14º BPM (Bangu), na Zona Oeste do Rio
De acordo com dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), as mortes em ações policiais no mês de julho registram o maior número para um mês desde 1998. Foram 194 casos, um aumento de 49% em relação ao ano passado. Em comparação com o mês de junho, a alta foi de 29%.
No acumulado de janeiro a julho, 1.075 pessoas morreram em intervenções policiais — número 20% maior do que o mesmo período de 2018. Até julho, a média é de mais de cinco mortos pela polícia por dia.
Os números cresceram em meio à defesa de um discurso de “abate” do governador do Rio, Wilson Witzel (PSC). Ele defende, desde a época de campanha, que pessoas portando fuzil sejam abatidas pela polícia.