Os títulos podres que se espalharam pelo mundo em 2008 foram criados com a assessoria direta das agências de Rating. Essas empresas não têm moral para serem “fiadoras” de investimentos para o Brasil
A euforia extremada de alguns analistas e de parte da mídia brasileira com a elevação da classificação de risco do Brasil feita pela agência norte-americana Fitch (de BBB- para BBB) revela dois problemas que merecem uma reflexão um pouco mais aprofundada.
A primeira é a crença dessas pessoas na suposta credibilidade dessas empresas e, a segunda, a expectativa de que o Brasil vai retomar o seu desenvolvimento com base no capital estrangeiro.
A credibilidade das empresas de rating após a crise financeira de 2008 atingiu o fundo do poço. Seus diretores quase foram presos e só não foram porque tinham muito poder. Essas empresas já ostentavam um histórico de grandes conflitos de interesses com seus financiadores. Ali, elas se desmascaram completamente.
A partir do desempenho fraudulento dessas agências na crise financeira de 2008, seus ratings passaram a convencer apenas pessoas ingênuas ou mal intencionadas. Elas não podem, de forma alguma, portanto, se tornarem agora fiadoras confiáveis dos investimentos que o Brasil precisa fazer.
Desde que surgiram, no século XIX, como orientadoras de investimentos, até se tornarem cúmplices de negociatas criminosas na crise subprime nos Estados Unidos, sua característica foi se modificando a ponto de terem sido obrigadas a sentar no banco dos réus durante a crise financeira que se espalhou pelo mundo.
HISTÓRICO
As empresas de rating surgiram com os investimentos ingleses nas estradas de ferro que cortavam o Oeste americano em meados do século XIX. Os donos do dinheiro não conheciam as empresas que emitiam os títulos para o nascente mercado financeiro dos EUA. Henry Varnum Poor foi o primeiro a lançar uma publicação com informações sobre as empresas ferroviárias americanas. Após a guerra civil, ele e o filho começaram a publicar, todos os anos, o Manual of the Railroads of the United States.
Em 1909, o analista financeiro John Moody levou a publicação de informações um pouco mais longe e criou o primeiro rating de crédito, atribuindo letras de acordo com o nível de risco de um título de dívida corporativa emitido pelas empresas ferroviárias. Já em 1913, quem começa a publicar as informações financeiras é a Fitch Publishing Company, que, em 1924, introduz a conhecida classificação de risco “AAA” a “D”.
A pesar de já atuarem no “mercado”, as agências não se destacaram positivamente na crise financeira de 1929. Pelo contrário. Muitos “investidores” orientados por elas quebraram com o crack da Bolsa de Nova York, no dia 24 de outubro de 1929.
Na década de 1930, o Tesouro dos EUA passou a usar os ratings de crédito oficialmente como normas para alguns tipos de investimentos, de tal forma que fundos de pensão, por exemplo, não poderiam investir em títulos abaixo de um risco mínimo. Foi um grande impulso dado à essas empresas. Com a expansão do capital financeiro monopolista pelo mundo, elas se tornaram instrumentos para chantagear países e empresas.
Na década de 1980, a procura por seus serviços seguiu em expansão por causa do crescimento do cassino de derivativos, o surgimento de negociações secundárias dos títulos de dívida pública de países lançados nos mercados internacionais e o crescimento do mercado de títulos de alto risco. Com isso, as três empresas formaram o cartel e monopolizaram o setor de rating no mundo. As três principais agências de rating (Standard & Poor’s, Moody’s Investor Service e Fitch Ratings) dominam 95% do mercado mundial de classificação.
REMUNERAÇÃO
A degeneração destas agências se intensificou com a mudança da forma de sua remuneração. No início, elas produziam seus ratings por meio da demanda dos investidores que pagavam pelas suas avaliações, mas essas empresas começaram a inverter o processo e a cobrar dos emissores dos produtos financeiros. Isso causou, e causa, um completo conflito de interesses, pois quem paga melhor tem as melhores classificações, mesmo em títulos podres. Essa foi a base das fraudes reveladas no escândalo de 2008.
Aliás, como as boas classificações dadas por essas empresas redundavam em juros menores pagos pelos títulos emitidos por países e corporações, a remuneração das agências passou a ser também feita por grandes compradores de títulos, interessados em receber juros mais altos, o que revelou novos conflitos de interesse. Ou seja, os conflitos passaram a ser dos dois lados. Os escândalos começaram a ser cada vez mais graves.
A promiscuidade criminosa entre emissores de títulos e agências atingiu seu ápice na crise financeira de 2008.
Mas, antes disso, em 2001, já houve o escândalo da Enron. Na época, a empresa de energia era considerada a sétima maior empresa dos Estados Unidos e suas ações bateram o recorde naquele ano, sendo classificada com a maior nota pelas agências de risco. Entretanto, a empresa possuía uma série de fraudes contábeis e uma dívida gigantesca. A Standard & Poor’s e a Moody’s somente rebaixaram a nota da companhia na véspera de sua concordata.
No caso dos títulos podres do esquema subprime, o crime foi mais grave. Esses títulos foram criados com a assessoria direta das agências de Rating, que mostravam como era possível montar ativos podres com o melhor grau de investimento possível. Uma vez que essas empresas eram as responsáveis pela classificação desses “pacotes”, elas sabiam como orientar os emissores a desenvolver ativos de baixo risco, sabendo que eles não eram de baixo risco.
FRAUDES NOS TÍTULOS
As agências começaram a classificar de forma fraudulenta esses derivativos. Para, disfarçar, muitas vezes levavam em consideração o fato destes títulos serem assegurados por ativos como CDSs (Credit Default Swap), que nada mais são do que um seguro contra calotes, obrigando aquele que os vendia a ressarcir seu comprador caso houvesse um “evento” de crédito. É como se as empresas enganassem os dois lados, o emissor e o comprador do título. A promiscuidade se generalizou.
Esses títulos podres estavam sendo produzidos em massa e colocados junto a outros de baixo risco e recebendo, criminosamente, notas de crédito altíssimas, chegando ao ponto de serem avaliados com triplo A, a maior nota de rating e a permitida para que fundos de pensão pudessem, também, adquiri-los.
Nada impede, portanto, que empresas que fizeram esse tipo de negociata atendam interesses de especuladores ao rebaixarem a classificação de países como o Brasil. Quanto mais baixa a classificação, mais alto o juro cobrado pelos tomadores de títulos.
A desmoralização dessas empresas na crise do subprime foi tamanha que o governo americano decidiu, através da Lei Dodd /Frank, “desoficializá-las”, removendo-as dos estatutos legais e regulatórios. Vários regulamentos, especialmente os que regem políticas de investimento de fundos, estabeleciam restrições de investimento a papéis que não tivessem sido avaliados por essas empresas. As referências às agências de rating pela lei foram removidas desses estatutos, redefinindo-se as exigências que nelas se apoiavam.
CAPITAL NACIONAL
A segunda causa da “euforia” com a decisão da Fitch, de elevar em um degrau a classificação de risco do Brasil, está na crença equivocada de que os investimentos que o país precisa para retomar sua industrialização e o seu desenvolvimento econômico virão basicamente dos “investidores” estrangeiros.
O capital produtivo, certamente, será bem vindo, principalmente se for para ajudar o crescimento do país. Porém, a maior parte do capital que está vindo para o Brasil nas últimas décadas vem para especular com os títulos que, por conta de traidores como Campos Neto, pagam os maiores juros reais do mundo, ou para comprar ativos já prontos. Muito pouco está entrando para construir novas plantas industriais ou abrir novas empresas.
O presidente Lula tem afirmado que não quer mais que o país siga vendendo suas empresas públicas brasileiras a grupos estrangeiros. Se quiserem criar novas empresas, serão bem vindas, disse ele. Os grandes investimentos produtivos que o país necessita para o seu desenvolvimento virão dos investimentos públicos e do capital privado nacional e os recursos necessários para o governo investir na retomada do crescimento virão centralmente da queda dos juros da dívida e do aproveitamento patriótico das gigantescas rendas nacionais: a petroleira, a mineral e a agrícola.
SÉRGIO CRUZ