Inflação oscilou de 4,62% em 2023 para 4,83% em 2024. Abutres usam essa variação para chantagear o país e aumentar seus ganhos de cassino. Galípolo acena com aquiescência em carta aberta ao Ministério da Fazenda
O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, explicou, nesta quinta-feira (10), em “carta aberta” dirigida ao ministro da Fazenda – como é obrigado a fazer quando a inflação fica fora da meta – que isso ocorreu por causa de alguns problemas. O primeiro, porque o dólar está hipervalorizado, o segundo, porque o país está retomando o crescimento, exportando muito e o mercado de trabalho está aquecido. Por fim, os eventos climáticos teriam encarecido os alimentos.
EXIGÊNCIAS DESCABIDAS
O “mercado”, então, aproveitando-se da carta do presidente do BC, aciona a sua mídia e seus “analistas” para exigir juros mais altos e intensificação nos cortes nos investimentos públicos e nos direitos sociais. Cortes estes já incluídos no pacote anunciado pelo governo no final do ano passado. Na “carta”, Galípolo acena tanto com a manutenção de um dos juros reais mais altos do mundo como em elevá-los ainda mais, como concorda com o “mercado”, que prega a “necessidade” de mais cortes no orçamento.
Esta “exigência” dos operadores do mercado financeiro é baseada em três grandes mentiras. Vejamos quais são:
A primeira é que há uma crise fiscal gravíssima no país. Não é verdade. A dívida pública bruta do Brasil está estável em cerca de 80% do PIB (Produto Interno Bruto), diferente de países como EUA e Japão, por exemplo, que estão com níveis muito maiores de seu endividamento e nem por isso estão apresentando descontrole inflacionário.
O que há no Brasil é uma taxa de juros inaceitavelmente alta. Cerca de 90% do crescimento da dívida pública brasileira é causado pelas taxas de juros do Banco Central. Só nos últimos 12 meses, até novembro, foram transferidos R$ 918 bilhões do Tesouro Nacional para o pagamento deste quesito aos rentistas. Isto é mais do que os gastos com Saúde, Educação e Assistência Social juntos. Ou seja, o país está sendo sangrado para alimentar a ciranda financeira.
ARROCHO FISCAL VEM DA REPÚBLICA VELHA
A “necessidade permanente” de arrocho fiscal é uma tese muito velha. Ela já servia de ameaça contra a industrialização do país no início da República. Joaquim Murtinho era o seu grande porta-voz. O país não pode gastar mais do que arrecada, dizia ele. Seu objetivo era claro: manter o país no atraso.
Quando Getúlio Vargas iniciou o processo de industrialização do país, chegou no Brasil a Missão Niemeyer. O banqueiro inglês Otto Niemeyer, chefe da missão, exigia, entre outras coisas, que o Brasil aplicasse um ajuste fiscal, com cortes no déficit público, para obter um “equilíbrio orçamentário”. Se fosse cumprido, esse arrocho fiscal inviabilizaria o desenvolvimento brasileiro.
A segunda mentira é que a inflação estaria fora de controle no Brasil. Todos sabem que isso não é verdade. Subiu de 4,62% em 2023 para 4,83% no ano passado. Uma pequena variação. Nada para se assustar. Além disso, todos sabem também que a meta de 3% de inflação, com uma variação de um e meio para mais ou para menos, é uma meta exageradamente baixa e completamente irreal para um país como o Brasil.
Tanto isso é verdade que nos últimos quatro anos, três “cartas abertas” foram feitas pelo presidente do BC. Só serve para justificar a elevação sistemática dos juros, provocado a estagnação econômica e mantendo o país como um paraíso da especulação financeira. O governo já poderia ter alterado isso, pois tem maioria de votos no Conselho Monetário Nacional, que é quem determina a meta de inflação.
A última mentira é a velha lorota, de um monetarismo carcomido e reacionário, de que a elevação dos juros é sempre um método adequado para combater a inflação. É ridículo que diretores do Banco Central indicados por Lula concordem com isso. Nenhum dos fatores apontados pelo próprio Galípolo na “carta” têm relação ou responderiam a uma elevação na taxa de juros. Vai chover menos se subir a Selic? Vai ter menos seca se isso ocorrer?
ESTOURO DA META
Esta pequena elevação da inflação brasileira, além de não justificar a gritaria toda da banca sobre o “estouro da meta”, não é um problema de excesso de demanda. O povo brasileiro não está “gastando e nem consumindo demais”. Pelo contrário, o consumo da população tem se mantido e níveis ainda baixos. Esta elevação do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Ampliado) representa, portanto, uma variação normal, dentro do esperado. Nenhum motivo para alarido. Esse alarido tem, na verdade, objetivos escusos.
A outra questão é o dólar. Ele está subindo no mundo inteiro. O efeito Trump e seu anunciado protecionismo, que, em tese, pode melhorar a combalida economia americana, parece estar atraindo dólares para o país. A elevação maior da moeda americana no Brasil está nitidamente ligada a ataques especulativos com vistas a que os bancos obtenham cortes maiores no orçamento.
O problema na verdade é também que há um nível exagerado de dolarização nos preços no Brasil. Os exportadores cobram, no Brasil, preços em dólar e também não se preocupam nem um pouco com o abastecimento interno. Isso tem que mudar.
Sobre a retomada da economia, achar que um crescimento de 3% ou 3,5% do PIB, como está previsto para 2024, é um “superaquecimento econômico”, beira ao cinismo. O país tem mais de 25% de capacidade ociosa. Boa parta da mão de obra está em atividades autônomas, leia-se, precárias e instáveis. Baixar a inflação reduzindo o consumo, só se derrubar tudo e enfiar o país numa recessão. Mas aí, esse objetivo seria um caso de polícia. Tem que botar na cadeia quem quer provocar uma recessão no Brasil hoje. Mas, parece que é isto mesmo que estão almejando. Querem transformar o pequeno crescimento de 2024 em mais um “voo de galinha”.
SUPERAR O NEOLIBERALISMO
O fato é que tem amadurecido cada vez mais no país a consciência de que é necessário romper urgentemente com essas amarras neoliberais ao crescimento do país. Metas irreais de inflação, arrocho fiscal crônico, juros estratosféricos, contenção de investimentos públicos, salários reprimidos e total descontrole cambial. Tudo isso está impedindo o Brasil de decolar. Está mais do que na hora de darmos esse passo tão crucial para a retomada do desenvolvimento brasileiro.
Insistir na manutenção desses absurdos numa conjuntura internacional como a que vemos hoje é puro anacronismo, puro complexo de vira-lata. Há espaços concretos para a reindustrialização do país. O mundo inteiro está se aproveitando da transição geopolítica provocada pelo descenso dos EUA e a ascensão da China para achar o seu rumo de desenvolvimento. É isso o que o Brasil deve fazer. Romper com o neoliberalismo em crise e pôr fim ao rentismo parasitário para reconstruir a indústria e a economia nacional.
SÉRGIO CRUZ