Penalidades foram aplicadas pelo Ibama e haviam sido anuladas no governo anterior. Numa lógica de desmantelamento do Estado em benefício de interesses escusos privados
A AGU (Advocacia-Geral da União) liberou a cobrança de ao menos R$ 29,1 bilhões em multas ambientais aplicadas pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e que haviam sido barradas pelo governo de Jair Bolsonaro (PL).
Sob a orientação do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, hoje deputado federal pelo PL de São Paulo, o Ibama deixou de ser órgão de fiscalização e controle e passou a fazer vistas grossas para os sucessivos ataques aos biomas nacionais. Na lógica do desmonte do Estado, em benefício de interesses privados escusos, tanto internos quanto externos.
Segunda-feira (20), o advogado-geral da União, Jorge Messias, aprovou dois pareceres que encerram controvérsia ao rejeitarem a prescrição (quando passa o prazo de punição) das infrações ambientais e dão segurança jurídica para que as multas continuem sendo cobradas.
Despacho da gestão anterior do Ibama, presidida então por Eduardo Bim, abria brecha para isentar o pagamento de multas por infrações ambientais. Importante destacar que esta era orientação do ex-presidente Jair Bolsonaro e do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, hoje deputado federal pelo PL de São Paulo.
Na gestão de Salles à frente do MMA houve: desmatamento recorde na Amazônia, incêndios florestais, aliança com madeireiros ilegais, negacionismo climático, desmonte da fiscalização, aliança com garimpeiros ilegais, desmonte do Ibama e ICMBio, extinção de unidades de conservação, manchas de óleo no litoral do Nordeste, extração de petróleo em Abrolhos, ataque a manguezais e restinga e, finalmente, atentados contra a Mata Atlântica.
NOTIFICAÇÃO POR MEIO DE EDITAL
A polêmica girava em torno de questão burocrática: a decisão dele (do então presidente do Ibama de Bolsonaro) considerava que as penalidades seriam inválidas – e, consequentemente, estariam prescritas – nos casos em que os infratores tivessem sido notificados por meio de edital para a apresentação de alegações finais (fase em que o acusado expõe os últimos argumentos no processo antes da sentença judicial).
O MPF (Ministério Público Federal) chegou a instaurar investigação para apurar a legalidade da decisão de Eduardo Bim.
PRESCRIÇÃO DE MILHARES DE AUTOS DE INFRAÇÃO
Na denúncia feita pela Ascema (Associação Nacional dos Servidores Ambientais), entidade que representa servidores da área ambiental lotados no Ibama, Serviço Florestal, ICMBio e Ministério do Meio Ambiente, a anulação resultaria na prescrição de milhares de autos de infração.
E haveria “gigantesca perda de trabalho dos servidores do Ibama, bem como, gigantesca perda de créditos e compensações ambientais”.
Nos novos pareceres, a AGU ressaltou que a intimação para apresentação de alegações finais por meio de edital estava expressamente prevista desde 2008.
O QUE DIZ A AGU
De acordo com a AGU, os documentos assinados por Messias encerram o impasse surgido após os despachos do ex-presidente do Ibama.
Segundo a Procuradoria Federal Especializada do Ibama, a aplicação da decisão de Bim poderia resultar na extinção de 183 mil autos de infração, o equivalente a 84% do estoque de processos sancionadores abertos no órgão de fiscalização atualmente.
Desse número, as multas e obrigações ambientais representam R$ 29,1 bilhões.
“A infração ambiental não pode compensar financeiramente”, segundo advogado-geral da União, Jorge Messias.
Segundo ele, “neste momento em que a humanidade enfrenta uma ameaça existencial, com a crescente emergência climática, a AGU não poderia deixar de cumprir seu papel de dar segurança jurídica para um dos eixos centrais da proteção ambiental: a responsabilização dos que agridem o meio ambiente e colocam em risco o futuro do planeta”.
NÃO SE PODE ESQUECER
Em dezembro de 2018, antes de assumir o MMA, Ricardo Salles foi condenado em primeira instância por improbidade administrativa.
O juiz acatou acusação do Ministério Público paulista, segundo o qual Salles modificou os mapas de zoneamento e a minuta de instrumento normativo (decreto) que instituiu o plano de manejo da APA (Área de Proteção Ambiental) Várzea do Tietê, então em fase de elaboração e discussão. Isso para favorecer empresas de mineração ligadas à Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
O crime foi cometido em 2016, quando Salles era secretário estadual de Meio Ambiente de São Paulo. A condenação embasou diversas ações que visaram proibir a posse do ministro, que recorreu da decisão.
E até hoje não houve julgamento em segunda instância.
M. V.