Comentário do professor da USP foi sobre mais uma demissão, desta vez no Ministério de Minas e Energia, sem mexer nos preços altos da gasolina. “Privatizar a Petrobrás só vai piorar ainda mais, porque não haverá mais nenhum instrumento público para que os preços possam ser equilibrados”, observou
O professor Ildo Sauer, titular do Instituto de Energia da USP, comentou na quarta-feira (11), em entrevista à Record News, a demissão do ministro de Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque. Para o especialista, que já foi diretor da Petrobrás, não adianta ficar demitindo presidentes da Petrobrás e ministros e manter a mesma política. “Senão, seria o caso de pensar em demitir o chefe do ministro”, disse ele.
Assista aqui a entrevista (entre os minuto 5:45 e 16:42)
“Efetivamente, nós tivemos já duas demissões de presidentes da Petrobrás, numa sinalização um tanto quanto contraditória do governo. Mudar dirigentes, demitir presidentes de Petrobrás, e agora o ministro, talvez possa dar uma sinalização de satisfação à enorme insatisfação da população brasileira em relação aos preços dos combustíveis e, não podemos esquecer também, dos preços da energia elétrica”, observou Ildo Sauer.
POVO PENALIZADO
“A condução do setor energético brasileiro nos últimos anos e, particularmente, nesses mais recentes, tem penalizado a população pelos elevados preços dos derivados de petróleo, diesel, gasolina e, especialmente, o gás de cozinha (GLP), que afeta a qualidade de vida da população, influindo decisivamente na inflação elevada. E também a energia elétrica”, acrescentou.
“Se a preocupação do governo é esta, de que demitir presidente de Petrobrás, demitir ministro, como se isso resolvesse o problema, talvez seja o caso de pensar na demissão do chefe do ministro, talvez tivesse que pensar nisso como solução”, propôs o ex-diretor da Petrobrás.
Ele apontou que tem que mudar a política. “Essa é uma tarefa não só do presidente da República, fundamentalmente dele, mas também do Congresso Nacional, porque a direção da Petrobrás está vinculada à legislação, hoje existente, que dá diretrizes de como deve se fazer a política de preços, que deve competitivo e concorrencial”, afirmou.
“A Constituição diz que o petróleo, assim como os recursos minerais, pertencem à população brasileira e a Petrobrás, uma construção do povo brasileiro das últimas sete décadas, cria a condição de repartir melhor a riqueza que o petróleo produz. O petróleo no Brasil está gerando grandes e extraordinários retornos – diferença do valor da venda menos o custo – da ordem de R$ 200 bilhões por ano. Cerca de R$ 100 bilhões de lucros do ano passado foram repartidos somente para os acionistas”, denunciou Ildo.
REPARTIR MELHOR A RIQUEZA
Ele defende que é possível fazer no Brasil uma repartição melhor dessa riqueza. “Se o petróleo pertence à população, segundo diz a Constituição, se a Petrobrás é o instrumento construído historicamente pelo povo, é possível repartir”, argumenta. “Podemos dar um retorno adequado para os acionistas, podemos reduzir os preços, especialmente na circunstância atual do mercado internacional, para os consumidores e podemos gerar um excedente que pode ir para o Tesouro Nacional para financiar a Educação pública, a Saúde pública e outras prioridades sociais”, propôs.
Ildo Sauer aponta uma contradição nas medidas recentes do governo. “De um lado a preocupação aparentemente presente de reduzir essa situação dramática da população, demitindo dirigentes. Só que o novo ministro diz o contrário. Diz que vai privatizar a Petrobrás”, aponta o especialista. “Ele quer privatizar a empresa que gera o dinheiro do Pré-sal, diz que quer privatizar a Eletrobrás, tudo isso caminha na direção de favorecer mais ainda os acionistas, ou os investidores, como ele diz, e fechar de vez a possibilidade de uma política de preços de derivados de petróleo e da área de energia elétrica que favoreçam a população”, prossegue Ildo Sauer.
“Fazer uma sinalização de que, demitindo dirigentes, vai mudar e, na prática, o ministro dizer coisas muito mais na linha do ministro Paulo Guedes de liberalizar mais, privatizar mais e fazer com que os acionistas e os investidores ganhem muito e a população brasileira continue a pagar preços altos, vai num sentido inverso”, destacou.
“Aqueles que têm dinheiro para consumir combustíveis, com uso de automóveis, etc, e aqueles que andam a pé e somente têm o GLP de derivados diretos para consumo, quando têm dinheiro – por causa da inflação – para comprar alimentos, vão continuar a ver navios, vão continuar a ter ações de tergiversação como parece ser o que o governo fez agora. Essa é a interpretação mais direta”, afirmou Ildo.
PRIVATIZAÇÃO DA ELETROBRÁS
Ele concordou com a necessidade de reforma estrutural. “Mas as que ele [o ministro] sinalizou hoje, e que outros sinalizaram recentemente, vão na direção contrária ao que dever ser. Eles dizem que tem que privatizar a Eletrobrás e suas usinas hidrelétricas dizendo que isso atrairia mais investimentos. É o contrário. A Eletrobrás hoje produz cera de 30% da energia elétrica consumida no Brasil e o custo dela é muito abaixo do custo das novas”, explicou o professor da USP.
“Eles querem privatizar a Eletrobrás para gastar uma montanha de dinheiro para fazer gasodutos e financiar alguns investidores privados que querem valorizar seus investimentos em distribuição de gás, fazendo usinas a gás natural quando não tem gás nem gasodutos. Isto vai aumentar mais o custo e o preço da energia elétrica. E ainda vão autorizar os novos compradores da Eletrobrás a vender esses 30% da energia elétrica brasileira a preços como se fossem usinas novas”, denunciou.
Ildo disse que as reformas estruturais têm que ser feitas, mas na outra direção. Na direção de “construir usinas fotovoltaicas, eólicas e hidráulicas de boa qualidade, ao invés de gás natural, ao invés de óleo combustível e carvão como tem sido feito nas últimas três décadas, especialmente nas duas últimas décadas”.
“Temos que ter uma reforma estrutural para baixar os custos, baixar as tarifas e não só favorecer os investidores, como foi o discurso o ministro. Dizer que tem que atrair investimentos. Não falta investimento porque até isso é uma contradição. A Eletrobrás é uma grande operadora de usinas, mas a compra de energia nova, não é da Eletrobrás a obrigação de fazer. São leilões onde pode entrar qualquer investidor para ofertar qualquer forma de energia e os leilões foram malfeitos nas últimas décadas por isso o custo é elevado”, salientou Ildo Sauer.
“Contratamos as usinas erradas a preço muito caro e mais poluentes há décadas e a sinalização do ministro hoje continua na mesma direção. Temos que mudar a estrutura, mas para reduzir custos, escolher usinas de menor impacto ambiental como são as fotovoltaicas e as eólicas e as hidráulicas de boa qualidade. Usar adequadamente as energias dos reservatórios”, defendeu.
TEM QUE ESCOLHER QUEM GANHA: A POPULAÇÃO OU OS ACIONISTAS
“O Brasil em termos elétricos é o país que tem os melhores recursos para fazer um sistema ambientalmente muito adequado, energias renováveis e custos muito mais baixos. Se os investidores e acionistas ganham muito é porque a tarifa e os preços dos derivados vão ser maiores. Não existe milagre nessa história”, apontou.
Ele destacou que “tem que escolher o lado”. Se quer favorecer a população, se quer favorecer os verdadeiros donos dos potenciais hidráulicos e dos reservatórios de petróleo que, pela Constituição, ainda são sistemas da nação, tem que organizar um sistema com empresas como a Eletrobrás, a Petrobrás e outras privadas também, na direção de correta para reduzir os custos para poder ter tarifas de energia e combustíveis mais baratos. Felizmente isso é possível no Brasil”, destacou Ildo.
“Nós nos tornamos auto suficientes em petróleo em 2003, descobrimos o Pré-sal em 2006/7. Somos então exportadores de petróleo, temos recursos extraordinários na área elétrica, temos tecnologia, temos recursos humanos, o que falta é um modelo diferente do que nós temos”, prosseguiu.
“Privatizar a Petrobrás só vai piorar ainda mais, porque não haverá mais nenhum instrumento público para que os preços possam ser equilibrados”, denunciou. “Abaixo dos preços internacionais, com lucro para os acionistas privados, que hoje são 62%, e gerar R$ 50 a R$ 60 bilhões por ano para investir em Saúde pública, Educação pública para aqueles que andam a pé e no máximo consomem GLP”, acrescentou.
“A solução vai ser daqui para a frente. A população felizmente vai ter a opção de escolher se quer demitir o atual presidente e indicar outro para fazer essas cosas no ano que vem. A democracia é assim”, finalizou Ildo Sauer.