O desfile das Escolas de Samba do Rio de Janeiro que celebra os 40 anos da Marquês de Sapucaí em 2024 promete levar à avenida grandes homenagens a personalidades marcantes do nosso país. Mangueira, Portela, Paraíso do Tuiuti e Salgueiro homenagearão Alcione, João Cândido, a mãe de Luiz Gama, Luiza Mahin, e os povos Yanomamis.
Neste ano, as escolas se apresentarão dias 11 e 12 de fevereiro, domingo e segunda-feira.
VOZ DO AMANHÃ
A Estação Primeira de Mangueira vai homenagear em seu desfile umas das maiores vozes brasileiras: a ilustre mangueirense, cantora e compositora Alcione. Com o enredo “A Negra Voz do Amanhã”, os carnavalescos Annik Salmon e Guilherme Estevão vão dar ênfase ao aspecto social e à representatividade preta e feminina, traduzidos com maestria por Alcione em sua vida e carreira.
O desfile também vai falar do Maranhão, terra natal da cantora, que ajudou a moldá-la como uma artista popular, a partir das vivências que teve em sua infância e adolescência. O carnavalesco Guilherme Estevão destaca que a história de Alcione é também a história da transformação da figura feminina através dos tempos.
Outro destaque do enredo é que Alcione participou, em 1987, da fundação da Mangueira do Amanhã, um projeto social baseado na organização de uma escola d4e samba mirim. A artista é esperada na Avenida, assim como outros artistas amigos da cantora e parentes dela.
A abertura do desfile promete surpreender. Segundo os carnavalescos, o início vai reunir uma série de elementos fortes da vida da Alcione, pra emocionar o público. A Mangueira será a quarta escola a entrar na Sapucaí na segunda-feira de carnaval.
ALMIRANTE NEGRO
Paraíso do Tuiuti leva para Marquês de Sapucaí a história do marinheiro João Candido, líder da Revolta da Chibata, em 1910. Conhecido como Almirante Negro, ele foi um personagem central na luta contra os maus-tratos e as péssimas condições enfrentadas por marinheiros no início do século XX. Com esse enredo, o carnavalesco Jack Vasconcelos quer reforçar o nome de João Cândido como um herói do povo brasileiro.
O desfile vai passar por diferentes momentos da vida do marinheiro, a partir da infância no Rio Grande do Sul. A escola também vai abordar a entrada dele na Marinha, na adolescência, e a percepção sobre os maus tratos, má alimentação e pagamentos vergonhosos recebidos pela classe.
A famosa revolta surgiu quando um marinheiro foi condenado a receber 250 chibatadas por levar cachaça a bordo. O líder do motim foi o Almirante Negro, que junto com seus companheiros exigia o fim dos castigos.
O carnavalesco Jack Vasconcelos disse que o desfile vai mostrar que a história vivida por João Cândido ainda é atual. A identidade visual do enredo é inspirada no universo das histórias em quadrinhos. Candinho, o filho do herói, vai participar do desfile no último carro da escola.
Com o enredo “Glória ao Almirante Negro!”, a Paraíso do Tuiuti será a quinta escola a desfilar na segunda-feira de carnaval.
HUTUKARA
O Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro, conhecido por Salgueiro, é uma das escolas que se disputarão pelo título do carnaval carioca. Escrito pelo carnavalesco Edson Pereira, o Salgueiro terá como samba-enredo a história do Brasil indígena a partir da tragédia e da luta do povo Yanomami.
Com o tema “Hutukara”, o céu que desabou na terra-floresta, a escola de samba retratará a cosmologia Yanomami com críticas à tirania do invasor. Os assuntos abordados em 2024 serão: os espíritos ancestrais, desmatamento, a chegada dos garimpeiros na maior Terra Indígena (TI) do país, o assassinato do jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista da Funai Bruno Araújo Pereira, em 2022.
Antes da sua bandeira, meu vermelho deu o tom / Somos parte de quem parte, feito Bruno e Dom / Kopenawas pela terra, nessa guerra sem um cesso, / não queremos sua “ordem”, nem o seu “progresso”! /Napê, nossa luta é sobreviver!”, canta o Salgueiro.
De acordo com o enredista da escola, Igor Ricardo, o desfile será fechado mostrando “o povo Yanomami do jeito que ele é verdadeiramente”, respeitando “seu formato de cabelo, a sua pintura corporal, o seu cocar, a sua vestimenta, os seus adornos. Porque a gente tem uma visão equivocada de que todos os indígenas são iguais, eles não são. Cada um tem sua particularidade”, afirmou.
“A gente quer mostrar para as pessoas o que cada povo tem de bonito, mas que o homem branco está matando, que o garimpo está matando, que o tráfico está matando. Então, nesse setor, a gente traz os povos que vivem no Vale do Javari, que foi onde Bruno e Dom morreram. A gente traz o povo Xokleng, que é o povo que está envolvido nessa questão do marco temporal. É um setor que a gente pede para as pessoas olharem por esses povos, mas não pela ótica da tragédia. Isso foi até um pedido que o Davi fez para a gente. Porque nós só conhecemos o que mostram na televisão, e aquilo ali não é o povo Yanomami, aquilo ali é o que a gente está fazendo com eles. Então, o nosso propósito é desconstruir tudo isso, para que a gente possa ter uma outra visão do povo Yanomami. Nesse último setor, a gente quer mostrar uma outra visão dos outros povos indígenas. A gente quer mostrar a visão da particularidade deles”.
LUIZA MAHIN
Já a maior campeã do Carnaval do Rio de Janeiro, com 22 conquistas, a Portela busca novamente fazer história. Agora com o samba-enredo “Um Defeito de Cor”, de André Rodrigues e Antônio Gonzaga.
Baseado na obra de Ana Maria Gonçalves, a escola centenária recriará a trajetória da mãe preta Luiza Mahin. O projeto, fundamentado no afeto, será dedicado a todas as mães, aponta Gonzaga.
“É um enredo que dedicamos às nossas mães, nossas avós e a cada mulher preta que carrega a força de sobreviver, ser e semear novas histórias”, diz o carnavalesco.
“’Um Defeito de Cor’ é a história da luta preta no Brasil incorporada em uma mulher que enfrentou os maiores desafios imagináveis para continuar viva e preservar suas heranças e raízes. A história de uma mãe, heroína, filha de África, que pariu a liberdade dessa nação”, completa.
Segundo artigo publicado pela Fundação Cultural Palmares, acredita-se que Luiza Mahin tenha nascido no início do século 19. A data é incerta, mas possivelmente seja em meados de 1812. Oriunda de Costa Mina, na África, ela foi trazida ao Brasil como escravizada.
Luiza teria pertencido à tribo Mahi — daí o seu sobrenome —, da nação africana Nagô, e comprado sua alforria em 1812. Livre, tornou-se quituteira em Salvador, descreve artigo do Projeto A Cor da Cultura.
Em 21 de junho de 1830, deu à luz a um filho que mais tarde se tornaria poeta, advogado e abolicionista: Luiz Gama. Sua história, aliás, não possui nenhum registro anterior a carta autobiográfica escrita por Gama em 1880.
No documento, o abolicionista se apresenta como “filho natural de uma negra, africana livre, da Costa Mina (Nagô de Nação), de nome Luiza Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã”.
“Minha mãe era baixa de estatura, magra, bonita, a cor era de um preto retinto e sem lustro, tinha os dentes alvíssimos como a neve, era muito altiva, geniosa, insofrida e vingativa”, prossegue.
Nas primeiras décadas do século 19, Luiza participou da articulação de todas as revoltas e levantes de escravos da Província da Bahia. Para isso, ela usava seu tabuleiro de quitutes para distribuir mensagens cifras aos escravizados propensos a aderirem aos movimentos.
“Dava-se ao comércio — era quitandeira, muito laboriosa, e mais de uma vez, na Bahia, foi presa como suspeita de envolver-se em planos de insurreição de escravos, que não tiveram efeito”, escreve Luiz Gama.
Veja a ordem do desfile e os enredos das agremiações na íntegra:
DOMINGO
Porto da Pedra: 22h00
A Porto da Pedra, conhecida como o Tigre de São Gonçalo, vai apresentar um desfile sobre o ‘Lunário Perpétuo: A Profética do Saber Popular’. Lunário Perpétuo é um almanaque que remete à era medieval, lá no século 14. Foi escrito na Espanha, e depois de 200 anos, veio para o Brasil.
Beija-Flor: 23h15
A tradicional agremiação de Nilópolis, na Baixada Fluminense, levará para a Avenida o enredo “Um delírio de carnaval na Maceió de Rás Gonguila”. A Beija-Flor vai homenagear a cidade de Maceió por meio do personagem Rás Gonguila, um filho de escravizados que acreditava ser descendente da realeza etíope.
Salgueiro: 00h30
Em seu enredo para 2024, o Salgueiro faz uma defesa do povo Yanomami. A Vermelha e Branca da Tijuca terá como enredo “Hutukara”, do carnavalesco Edson Pereira. Na língua yanomami, hutukara significa “o céu original a partir do qual se formou a terra”.
Grande Rio: 1h45
Com o enredo “Nosso destino é ser onça”, guiados pela narrativa mítica do livro do escritor Alberto Mussa, os carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora propõem uma reflexão sobre a simbologia da onça no cenário artístico-cultural brasileiro, tocando em temas como antropofagia e encantaria.
Unidos da Tijuca: 3h00
A Unidos da Tijuca vai levar para a Marquês de Sapucaí um enredo do carnavalesco Alexandre Louzada que abordará a história de Portugal através das lendas e contos portugueses. Em “O conto de fados” não será apenas o gênero musical o único aspecto abordado, mas também o misticismo do país desde a origem.
Imperatriz: 4h15
A atual campeã do carnaval tentará o bicampeonato com o enredo “Com a sorte virada pra lua segundo o testamento da cigana Esmeralda”. Trata-se de mais um enredo autoral de Leandro Vieira que é inspirado na obra escrita há mais de 100 anos por Leandro Gomes de Barros.
SEGUNDA
Mocidade: 22h00
A Mocidade vai carnavalizar o fruto do cajueiro com o enredo “Pede Caju Que Dou… Pé de Caju Que Dá!” para contar as histórias e lendas do fruto e da castanha, desde os povos originários até o fruto sendo levado por europeus pela primeira vez. Também do fruto que é símbolo do movimento tropicalista, da brasilidade e da sensualidade.
Portela: 23h15
Baseado no romance “Um Defeito de Cor”, da escritora Ana Maria Gonçalves, o enredo homônimo da Portela narra a saga de uma negra matriarca que se confunde a tantas outras até os dias de hoje. O enredo refaz os caminhos imaginados da história da mãe preta, Luiza Mahim, através de seu filho, Luiz Gama.
Vila Isabel: 00h30
A Unidos de Vila Isabel vai reeditar em 2024 o enredo “Gbala – Viagem ao Templo da Criação”, de 1993. O samba-enredo de Martinho da Vila vai novamente embalar a escola. A escola vai ressaltar a importância das crianças para um mundo melhor, levando adiante os valores e ensinamentos depois que o criador adoeceu.
Mangueira: 1h45
A verde e rosa vai homenagear a cantora Alcione, umas das maiores vozes brasileiras, com o enredo “A Negra Voz do Amanhã”. O desfile apresenta ao público as raízes, valores, tradições e, claro, o contato de Alcione com a música desde pequena no Maranhão. O samba que embala sua trajetória na avenida coloca Marrom entre os grandes nomes da história da Mangueira.
Paraíso do Tuiuti: 3h00
“Glória ao Almirante Negro!” é o tema do enredo da Paraíso do Tuiutí, escola de São Cristóvão, na Zona Norte. João Cândido foi um marinheiro brasileiro que liderou o movimento de revolta contra os maus-tratos sofridos a bordo. Tomado o controle das embarcações, em plena baía carioca, os canhões virados para a cidade exigiam o fim da fome e da chibata.
Viradouro: 4h15
A Viradouro vai desfilar com o enredo “Arroboboi, Dangbé”, que fala sobre a energia do culto ao vodum serpente. Segundo Tarcísio Zanon, trata-se da força que se manifestou desde épicas batalhas na Costa ocidental da África e que influenciou as lutas das guerreiras Mino, do reino de Daomé, iniciadas espiritualmente pelas sacerdotisas voduns, dinastia de mulheres escolhidas por Dangbé.