No último dia 20 de junho, 217 deputados (42% dos votos) aproveitaram a atenção dispensada pela população à Copa do Mundo e votaram o substitutivo do deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE) ao Projeto de Lei 8939/17, do deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA). O PL permite à Petrobrás vender às multinacionais até 70% de seus direitos de exploração de 5 bilhões de barris de petróleo no pré-sal, em áreas cedidas onerosamente à estatal pela União, pelo valor de R$ 74,8 bilhões. Como nesta área foram encontradas reservas que chegam a mais de 20 bilhões de barris, com os leilões aprovados por Temer e a venda dos 70% da cessão onerosa, pretendida por Aleluia, a estatal ficaria com apenas 7% do total de barris, ou seja, somente 1,5 bilhão.
O projeto não foi encaminhado ao Senado, pois ainda não foram votados destaques apresentados ao texto-base, entre os quais um do PSB, que mantém o caráter intransferível da cessão onerosa.
“O mais grave de tudo isso é que os 5 bilhões de barris que a Petrobrás comprou da União não poderiam ser transferidos para ninguém. Eles inclusive foram descobertos pela Petrobrás, que investiu na exploração. O José Carlos Aleluia apresentou o projeto de lei especificamente para a Petrobrás poder vender 70% dos 5 bilhões de barris, isto é, 3,5 bilhões de barris, que vão parar nas mãos das multinacionais”, afirmou ao HP o vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet), Fernando Siqueira.
Segundo ele, “em complemento a isso, em abril deste ano, Temer fez o decreto-lei 9355 que regula a venda de qualquer campo da Petrobrás para empresas estrangeiras. E, como se não bastasse, estipula as empresas para as quais serão vendidos, ou seja, uma venda dirigida”. Com efeito, o decreto de Temer, que regulamenta a venda de campos e blocos de petróleo e gás pela Petrobrás, estabelece que no “procedimento especial” da cessão de direitos da estatal serão observados “os direitos de preferência de parceiros da Petrobrás”.
“Como o TCU [Tribunal de Contas da União] impediu a venda de ativos, então o Pedro Parente [ex-presidente da Petrobrás], que vendeu ativos com prejuízo de mais de R$ 200 bilhões, criou um eufemismo. Não é mais venda de ativos, é ‘parceria estratégica’ com as multinacionais”, disse Siqueira. Até o momento a diretoria da Petrobrás, controlada por entreguistas, já assinou parcerias com a francesa Total e a inglesa BP, além da formação de consórcios para as rodadas de licitações em regimes de concessão e de partilha com a norte-americana ExxonMobil, a anglo-holandesa Shell, a norueguesa Statoil, BP, Total e outras empresas estrangeiras.
Com o decreto, Temer eliminou os óbices para a venda total ou de participação estrangeira em campos de petróleo, inclusive no pré-sal, como no caso dos campos da cessão onerosa.
De acordo com o vice-presidente da Aepet, “quem vai definir os campos que serão entregues ao capital estrangeiro é o novo Conselho de Administração, que o Temer nomeou. São oito picaretas, quatro que foram empregados de multinacionais e quatro banqueiros. Como se pode ver, é uma entrega do pré-sal, um desmonte da indústria de petróleo nacional e de todo patrimônio nacional”.
“Estamos vendo campos de petróleo já descobertos pela Petrobrás, onde não tem risco nenhum, sendo entregues às petroleiras internacionais. Como é o caso do processo da cessão onerosa. A Petrobrás comprou da União sete blocos para produzir 5 bilhões de barris de petróleo, pagando R$ 74 bilhões. Quando foi perfurar, logo no primeiro campo descobriu 10 bilhões de barris, depois de perfurar nos outros campos descobriu um total de 20 bilhões de barris. Então, comprou 5 bilhões de barris e descobriu 20 bilhões no conjunto de blocos”, frisou Siqueira.
Ele sublinhou que o governo Temer pretende entregar também às multinacionais o excedente de 15 bilhões de barris da cessão onerosa através de leilão. Em sua avaliação, a Petrobrás deveria ser contratada, em regime de partilha, para produzir esse excedente.
Isso já foi proposto anteriormente, conforme lembrou Siqueira. Em 2014, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) aprovou a contratação direta da Petrobrás para a produção do volume excedente em quatro áreas (Búzios, Entorno de Iara, Florim e Nordeste de Tupi). A Companhia pagaria R$ 2 bilhões em bônus de assinatura e anteciparia R$ 13 bilhões em excedente em óleo entre 2015 e 2018. No entanto, o TCU vetou o acordo. O relator do processo no tribunal foi José Jorge, ministro de Minas e Energia no governo tucano.
“O José Carlos Aleluia faz parte dos deputados neoliberais e entreguistas. Ele foi um dos indiciados na comissão dos ‘anões do Orçamento’. Mas como ele é um dos deputados protegidos pelo sistema não foi punido”, acrescentou o dirigente da Aepet.
Para o consultor legislativo Paulo César Ribeiro Lima, a entrega do excedente do petróleo da cessão onerosa vai implicar em uma perda para a Petrobrás e o país na ordem de R$ 500 bilhões.
“Na produção dos cinco bilhões da cessão onerosa foi estimada uma receita líquida total de R$ 795 bilhões e um valor presente líquido de R$ 173,3 bilhões. No caso dos excedentes da cessão onerosa, a receita líquida total e o valor presente líquido podem ser até três vezes maiores. Desse modo a receita líquida total pode atingir R$ 2,3 trilhões e o valor presente líquido dos excedentes da cessão onerosa pode chegar a cerca de R$ 500 bilhões, valor muito maior que o bônus de assinatura, cuja previsão é de R$ 100 bilhões”, alertou Lima.
VALDO ALBUQUERQUE