Já está sob nova administração a prisão dos povos europeus sob a dívida, o euro e o austericídio, mais conhecida como União Europeia: a conservadora Ursula von der Leyen, ex-ministra da Defesa de Angela Merkel, pelo apertado escore de 383 votos a 327 e 22 abstenções, foi eleita pelo Parlamento Europeu nova presidente da Comissão Europeia, o organismo executivo da UE, que atua desde Bruxelas.
A última vez que a Comissão Europeia havia tido um presidente alemão fora há mais de 50 anos, como Merkel fez questão de registrar (a CE existe desde 1958).
Dizem as más línguas que o maior cabo eleitoral para a escolha de Frau von der Leyen foi a candidatura do presidente do Bundesbank (BC alemão), Jens Weidman, ao posto de chefão do Banco Central Europeu (BCE) – e do arrocho.
Diante do perigo maior, as várias facções do neoliberalismo europeu acabaram tirando da cartola uma “solução feminista” para o impasse. Para brecar o candidato alemão ao BCE, o nome da diretora-gerente do FMI – portanto, combatente de primeira hora da Troika –, Cristine Lagarde, caiu como uma luva. O mandato de Mario Draghi se encerra em outubro.
VERNIZ DEMOCRÁTICO
O problema da encenação do “spitzenkandidat” – a indicação da presidência da Comissão Europeia de parte dos partidos do Parlamento Europeu, que é a única instância em que há eleição direta em escala europeia, para dar um veniz de democracia – foi resolvida com a apresentação de um nome alemão, uma mulher, pois como assinalou uma fonte “(os deputados) não vão se atrever a impedir que uma mulher presida a Comissão pela primeira vez”.
Jogo feito. Pelo caminho, ficaram o alemão Manfred Weber, nominalmente o candidato dos conservadores à presidência da CE, que acabou na chefia do parlamento europeu nos restantes dois anos finais de mandato, numa espécie de prêmio consolação; e o socialista holandês Frans Timmermans, que chegou a pensar que sua hora tinha chegado – mas não chegou, com a ajuda do presidente francês Emmanuel Macron, que roeu a corda da aliança social-democracia/liberais que iria tirar a presidência da CE das mãos dos conservadores.
BERLIM/PARIS
Como se vê, no velho continente, a campanha do “ele [Weidman] não” foi o maior sucesso, mesmo que disfarçada de campanha pela “primeira mulher presidente” europeia & Lagarde no BCE.
Ainda que com um placar muito apertado, só nove votos acima do mínimo, mesmo que, oficialmente, a candidatura de von der Leyen houvesse sido endossada, depois de múltiplas dedadas nos olhos e rasteiras várias, pelos três maiores ‘partidos’ europeus, com 444 deputados.
No final, prevaleceu a velha dobradinha Berlim/Paris – embora os social-democratas alemães e holandeses hajam votado contra, assim como a esquerda e os verdes. Uma parte dos conservadores não quis votar em von der Leyen, por acharem que ela foi “muito para a esquerda”. Os partidários de Matteo Salvini e Marina Le Pen também votaram contra.
“Maioria é maioria”, explicou-se Frau von der Leyen, ao ser perguntada sobre o sufoco na votação.
BREXIT NA VÉSPERA
Pouco antes da votação, von der Leyen fez suas primeiras promessas aos caros eurodeputados, que vão de um Green Deal (Pacto Verde) contra a mudança climática até um seguro desemprego de âmbito europeu.
Como a data limite para o Brexit é na véspera de sua posse, von der Leyen antecipou sua disposição de aceitar um novo adiamento da saída da Grã Bretanha da UE, se “existir uma boa razão”.
Depois da divisão no parlamento europeu expressada no placar de sua eleição, conclamou os deputados a trabalharem “juntos” por uma Europa “forte e unida” – uma frase que deve fazer muito sucesso particularmente na Grécia.
NEOLIBERALISMO & GÊNERO
Não escapou da língua ferina do ex-deputado inglês e apresentador da RT, George Galloway, o “regozijo” dos liberais da política de identidade “por causa dos cromossomos envolvidos”. “Pessoalmente, deixei de acreditar nesse tipo de coisa quando Margaret Thatcher abriu caminho pela década de 1980, deixando a indústria da Grã-Bretanha destroçada”.
Galloway, logo após o anúncio da dupla candidatura feminina europeia, já ironizara a escolha: “será que alguém espera que elas mudem o status quo neoliberal?”
Para ele, o que essa dupla trará para os povos europeus e para o mundo será “desemprego em massa e migração interminável nos Estados membros mais pobres e periféricos, austeridade e desemprego em massa de jovens, mesmo nos Estados mais ricos”.
Galloway advertiu ainda que “sanções e o perigo da guerra à medida que a Otan se aproxima cada vez mais do coração da Rússia é uma receita para o desastre” e considerou igualmente improvável que von der Leyen, que como ministra da defesa da Alemanha quis estabelecer um exército europeu, “reduza as tensões”.
A.P.