A Alemanha rejeitou pedido oficial do regime Trump para integrar uma força naval de intervenção no Golfo Pérsico contra a assim chamada “ameaça iraniana”. “A participação na estratégia norte-americana de ‘pressão máxima’ está descartada para nós”, respondeu o ministro das Relações Exteriores, Heiko Maas.
O chefe da diplomacia alemã reiterou que “deve ser dada prioridade à redução de tensões e aos esforços diplomáticos”. Antes, o ministro das Finanças alemão, Olaf Scholz, que revelou que seu país estava trabalhando de perto com Paris e Londres sobre a situação no Golfo Pérsico, afirmara que “a desescalada está na ordem do dia”.
Ainda segundo Scholtz, “todos os políticos responsáveis” deveriam atuar com “muita seriedade e cautela” na região “e não sonhar com uma crise maior ainda”.
Para invadir o Estreito de Ormuz com sua patrulha naval, Washington alega que é preciso defender ali a “liberdade de navegação”, como se não tivesse sido a ordem, sabujamente atendida pelo governo May, de capturar ilegalmente um superpetroleiro iraniano que cruzara o Estreito de Gibraltar no dia 4, ato de pirataria nos termos da lei internacional, que tivesse gerado mais esse aspecto da crise.
Petroleiro de bandeira britânica foi apreendido pelo Irã duas semanas depois, após abalroar um barco de pesca, desrespeitar as normas de navegação da congestionada hidrovia e desligar o dispositivo de identificação.
Antes, provocação do Pentágono contra o Irã resultou no abate de um drone norte-americano que invadiu o espaço aéreo do país islâmico; chegou a ser anunciado um ataque de represália, mas Trump piscou primeiro no último minuto.
A “coalizão dos dispostos” na área – isto é, dos que atropelam as leis internacionais e ignoram a ONU –foi anunciada no dia 9 pelo general Joseph Dunford, chefe do Estado Maior Conjunto dos EUA.
Em ato em Teerã, o presidente Hassan Rouhani afirmou que “a presença de novas forças estrangeiras [no Golfo Pérsico] significaria uma importante causa de tensão”. Rússia e China têm conclamado à preservação do acordo, que consideram vital para a estabilidade, a segurança e a paz no Oriente Médio.
Na conversa por telefone com Macron, Rouhani reiterou que o Irã “está determinado em manter em aberto todos os caminhos que levam à preservação do acordo nuclear”.
Só existe crise no Golfo Pérsico porque, há 14 meses, o regime Trump rompeu unilateralmente acordo com o Irã, negociado por anos e assinado por seu antecessor, Barack Obama, consagrado pelo Conselho de Segurança da ONU, acordo que também incluiu Rússia, China, França, Grã-Bretanha, Alemanha e União Europeia, e que vinha sendo estritamente cumprido por Teerã, conforme fiscalização da Agência de energia nuclear da ONU (AIEA).
Trump não só rompeu o acordo, como também reinstaurou sanções que violam abertamente os termos do acordo, e ainda ameaça com sanções qualquer país que faça comércio com o Irã, tentando matar de fome o país com sua meta de ‘zero de exportação de petróleo iraniano’.
EUA VIOLAM RESOLUÇÃO DA ONU
“Os EUA estão violando a resolução do Conselho de Segurança que autoriza nossas exportações de petróleo após a assinatura do acordo nuclear [JPCOA, na sigla em inglês]”, afirmou o vice-chanceler iraniano Abbas Araghchi, na reunião de emergência do último domingo em Viena convocada em favor da preservação do tratado.
Declaração que expressa a essência do chamado ‘acordo nuclear’ – a troca do fim das sanções então existentes e normalização do intercâmbio econômico, pelo mais rígido mecanismo de controle de não-proliferação a que um país já foi submetido.
As negociações de domingo cumpriram um papel positivo, mas o Irã, com razão, segue advertindo que, do acordo, não pode ser a única parte que cumpre seu teor, o que foi o que aconteceu nos últimos 14 meses.
Como o presidente iraniano, Hassan Rouhani, disse ao seu homólogo francês, Emmanuel Macron, normalização das relações comerciais com o Irã é o primeiro passo da União Europeia para cumprir o acordo nuclear com o Irã.
Com enorme atraso, os três países europeus integrantes do acordo estão ultimando a criação de um mecanismo que permita evitar o uso do dólar – e, assim, das sanções norte-americanas – no intercâmbio com Teerã, o Instex.
No estágio preliminar, o mecanismo de pagamento direto não-dólar irá se limitar aos fornecimentos de produtos agrícolas, remédios e equipamentos médicos, sobre os quais mesmo as sanções dos EUA possibilitam a chamada a cláusula de ‘isenção humanitária’.
O que não resolve o problema central para o Irã, que está cobrando dos países europeus que voltem a importar normalmente seu petróleo, principal fonte de divisas do país para que possa comprar tudo que ainda não fabrica, de maquinário a remédios.
A Rússia já se prontificou a, também, participar do Istex.
INSTEX RETARDATÁRIO
Nesta quarta-feira, o ministro das Relações Exteriores do Irã, Mohamad Zavad Zarif, afirmou em Teerã que ainda falta muito para que as partes europeias do acordo cumpram o tratado de 2015, tanto quanto ao próprio acordo em si, como em relação às conseqüências da retirada unilateral dos EUA.
“O Instex não deve ser transformado em uma ferramenta para executar ordens dos EUA e [permitir] que eles (americanos) decidam como esse mecanismo pode funcionar”, alertou Zarif. “O Instex é um veículo para a Europa cumprir seus compromissos após a retirada dos EUA” do acordo nuclear, oficialmente chamado de Plano de Ação Integral Conjunto (JCPOA).
Ainda como apontou Zarif, esse novo mecanismo não-dólar deve garantir que o Irã consiga vender seu petróleo e coletar a receita. Ele também instou a Europa a “permitir-se a coragem de agir com base em seus compromissos, e não nas exigências americanas”.
Sobre as manifestações dos demais signatários de “compromisso com o acordo nuclear”, como Zarif registrou, é preciso ver como essas palavras se tornam em ação. “Sob as circunstâncias atuais e se nenhuma ação for tomada (pelos europeus), nós definitivamente daremos o próximo passo (na redução de compromissos)”, acrescentou.
No encontro de Viena, participantes da comissão conjunta solicitaram a Teerã que se abstenha da terceira etapa da paulatino recuo de algumas obrigações sob o acordo, agendada para o início de setembro
Zarif denunciou que a atual onda de “tensões, caos e problemas está enraizada no terrorismo econômico dos EUA contra o Irã e no fracasso dos países europeus em cumprir suas promessas, o que é considerado uma cumplicidade no terror econômico”.
A inação dos países europeus forçou Teerã, quando a retirada unilateral do regime Trump completou um ano e Washington eliminou as isenções que concedera aos maiores importadores de petróleo iraniano, a começar a reduzir por etapas seus compromissos conforme o acordo. Tais reduções de compromisso não constituem qualquer violação do acordo e estão de acordo com seus direitos legais, de acordo com os artigos 26 e 36 do JCPOA. Recuos sobre os quais há o firme compromisso de Teerã de imediata reversão, caso a Europa proceda de forma concreta à proteção da economia iraniana das sanções norte-americanas.