O livro “Um Pouco de Muitos: Memorizando”, do advogado Alencar Furtado, é um monumental bric-à-brac, em que reuniu ideias, trechos do que leu, reminiscências do que viveu, memórias de outros, traços culturais, crenças – e ideais, claro
Algumas semanas atrás, Alencar Furtado mandou-me – através de um amigo comum, Uldurico Pinto – seu novo livro, “Um Pouco de Muitos: Memorizando”.
Bem, se você é jovem e não sabe quem é Alencar Furtado, não se envergonhe. A culpa não é sua, mas dessa cortina de ignorância peto-tucana – o que inclui a malta do Jaburu – que se abateu sobre o país.
Alencar Furtado é um advogado cearense que, em 1964, quando um golpe de Estado depôs o presidente constitucional e eleito, João Goulart, morava na cidade paranaense de Paranavaí.
Quando a ditadura fechou os partidos políticos, em outubro de 1965, ele, até então no Partido Social Progressista (PSP), se inscreveu no antigo e valoroso Movimento Democrático Brasileiro.
Em 1970, ele se elegeu, pelo Paraná, deputado federal, com 40 mil votos, o que, naquela época, debaixo das condições que enfrentava a oposição à ditadura, e até hoje, é coisa como não acaba mais.
A luta interna dentro do MDB agudizou-se rapidamente. Logo no ano seguinte, Alencar, com Francisco Pinto, Lysâneas Maciel, J. G. de Araújo Jorge, Marcos Freire, Freitas Nobre, Alceu Colares, Marcondes Gadelha, Pais de Andrade, Getúlio Dias, Fernando Cunha e Fernando Lira, fundaram o grupo autêntico do MDB, que se opunha, no partido, a duas outras tendências – os “moderados” e os “adesistas”.
Em seu livro, Alencar Furtado conta a história da CPI das Multinacionais (o nome completo dessa CPI equivalia a um manifesto: “Comissão Parlamentar de Inquérito para Investigar o Comportamento e as Influências das Empresas Multinacionais e do Capital Estrangeiro no País”), da qual ele foi presidente, e de como a ditadura tentou sabotá-la e reprimi-la.
Em dezembro de 1974 – depois de reeleito deputado, com 86 mil votos – Alencar pronunciou discurso na Câmara, abordando o que julgava, com razão, o principal problema do país: a desnacionalização da economia. Naquele momento, há 43 anos, ele dizia:
“Num mundo em depressões, crises ou recessões, país em desenvolvimento, como o Brasil, não pode submeter a sua economia ao domínio de outros países, sob pena de padecer guerra psicológica adversa por parte de terroristas do imperialismo, que atam violando fronteiras sem tropas visíveis, mas através do endividamento do país, da opressão econômico-financeira, do controle do comércio exterior, do estrangulamento da indústria nacional, da desnacionalização das riquezas, da remuneração à grande imprensa, da opressão política e da repressão policial. Se tais fatos acontecem, em perigo se encontra a soberania nacional, e não havendo um sentido de libertação contra esse jugo, ficam interditados os caminhos do desenvolvimento, as crises sociais se aprofundam e a mística nacional é destruída”.
Agora, em seu novo livro, escrito quando nosso herói já está com 92 anos, ele repete essa convicção, de outra forma:
“Estão defendendo por aí que soberania é algo superado, coisa de gente brega, atrasada. Veja a que ponto chega a mente colonizada. Fica azinhavrada. Vendida. É o gringo querendo floresta, água e outras riquezas nossas, contando com advogados no Brasil”
Líder do MDB, depois de uma batalha com as demais tendências – venceu o candidato dos moderados por sete votos de diferença – Alencar Furtado seria o último parlamentar a ser cassado pela ditadura, em junho de 1977, depois de denunciar as torturas do aparato da ditadura, em um programa de rádio e TV que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) garantira ao seu partido.
Essa história ele também conta, e o que ocorreu em seguida – incrivelmente, a primeira solidariedade que recebeu, após a sua cassação pela ditadura, veio de dentro das Forças Armadas, de dentro do Exército. A ditadura estava no fim. Ela ainda duraria oito anos, mas já estava politicamente morta. Apenas, não sabia disso.
Após a anistia, Alencar seria eleito outra vez deputado federal, pelo povo do Paraná, com mais de 100 mil votos.
O livro de Alencar Furtado é um monumental bric-à-brac, em que reuniu ideias, trechos do que leu, reminiscências do que viveu, memórias de outros, traços culturais, crenças – e ideais, claro.
Sempre é possível dizer algo sobre os seus retratos – por exemplo, o perfil, que desenha, de Tancredo Neves.
Mas sabe de uma coisa, leitor? Leia o livro. Depois a gente conversa sobre isso.
CARLOS LOPES