As informações da Polícia Federal sobre as ameaças que embasaram a decisão de autorizar as operações de busca e apreensão e quebra de sigilos foram divulgadas nesta segunda-feira (29). Documento tem 120 páginas com detalhes dos crimes
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), levantou nesta segunda-feira (29) o sigilo sobre sua decisão que autorizou buscas e apreensões de empresários bolsonaristas que, no WhatsApp, defenderam um golpe de Estado no Brasil. O conteúdo das mensagens foi revelado pelo site “Metrópoles”. Vários setores aguardavam a divulgação deste documento para avaliar o grau de risco que esses empresários golpistas representam para o Brasil.
Leia aqui decisão de Moraes
Os empresários debatiam a possibilidade de um golpe caso o presidente Jair Bolsonaro perca a eleição. Na decisão, Moraes diz que “a autoridade policial sustenta, inicialmente, que chegou ao seu conhecimento “uma orquestração de pessoas socioeconomicamente ativas (empresários de ramos distintos) no sentido de praticar crimes, dentre eles os tipos previstos nos arts. 288 (associação criminosa) e 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito) do Código Penal”.
MANDADOS DE BUSCA E APREENSÃO
A partir da decisão do STF, a Polícia Federal cumpriu na última semana mandados de busca e apreensão em endereços de oito empresários que compartilharam mensagens golpistas em um grupo de mensagens virtuais. A operação foi deflagrada em cinco Estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Ceará.
A PF disponibilizou todos os diálogos entre os empresários, entre eles a conversa que segue entre Ivan Wrobel e Marco Aurélio Raymundo: “O 7 de setembro está sendo programado para unir o povo e o Exército e ao mesmo tempo deixar claro de que lado o Exército está. Estratégia top e o palco será o Rio. A cidade ícone brasileira no exterior. Vai deixar muito claro” “Golpe foi soltar o presidiário!!! Golpe é o ‘supremo’ agir fora da constituição! Golpe é a velha mídia só falar merda”.
O empresário Andé Tissot, por sua vez, teria defendido expressamente a ocorrência de um golpe de Estado que, na sua visão, já deveria ter ocorrido há muito tempo, conforme se depreende da seguinte publicação: ““O golpe teria que ter acontecido nos primeiros dias de governo. [Em] 2019 teríamos ganhado outros 10 anos a mais”. Meuer Nigri disse: “O STF será o responsável por uma guerra civil no Brasil.”
Além das buscas, Alexandre de Moraes também determinou: bloqueio das contas bancárias dos empresários; bloqueio das contas dos empresários nas redes sociais; tomada de depoimentos; quebra de sigilo bancário.
“Não há dúvidas de que as condutas dos investigados indicam possibilidade de atentados contra a Democracia e o Estado de Direito, utilizando-se do modus operandi de esquemas de divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário, o Estado de Direito e a Democracia”, escreveu Moraes.
O ministro afirmou, ainda, que fatos apurados em dois inquéritos, dos quais ele também é relator, tornam imprescindíveis investigações sobre os empresários. Os inquéritos são o das fake news, que apuram disseminação de informações falsas; e o das milícias digitais, que investiga grupos organizados que atuam na internet fazendo apologia e preparando golpes contra as instituições democráticas.
“Revelando-se imprescindível a adoção de medidas que elucidem os fatos investigados, especialmente diante da existência de uma organização criminosa identificada no Inq. 4.874/DF e também no Inq. 4.781/DF, ambos de minha relatoria”, continuou Moraes.
CAPACIDADE SOCIOECONÔMICA DO GRUPO
Moraes diz ainda no documento que as mensagens golpistas trocadas pelos empresários se assemelham ao casos investigados nesses dois inquéritos, “notadamente pela grande capacidade socioeconômica do grupo investigado, a revelar o potencial de financiamento de atividades digitais ilícitas e incitação à prática de atos antidemocráticos”.
Em manifestação sobre o caso, o juiz Airton Vieira, magistrado instrutor do gabinete de Moraes, disse que provas e indícios das investigações de inquéritos correlatos apontam para a existência real de um núcleo de financiamento de atos antidemocráticos e de produção de “notícias fraudulentas”.
Na decisão, Moraes cita o posicionamento da Polícia Federal sobre o caso, em que os policiais afirmam que os investigados não negaram a autoria das mensagens. Por isso, foi necessário que fossem tomadas as medidas judiciais para esclarecer totalmente o caso. “Os envolvidos não negam a autoria das mensagens, o que demonstra a necessidade das ações ora propostas para que o Estado não se fie somente em informações de fontes abertas e consiga aprofundar”, escreveu a PF.
Ele cita o nome de dois empresários: Luciano Hang e Afranio Barreira. “Dentro do contexto das investigações, não é possível ignorar as mensagens trocadas por um grupo de empresários, incluindo os dois anteriormente citados, que repetem o mesmo modus operandi ilícito verificado desde 2019, fomentando o ataque às instituições e ao próprio Estado Democrático de Direito”, afirmou Vieira.
Moraes relacionou “relevantes indícios” da prática de uma série de crimes. O documento lista as seguintes suspeitas:
TIPIFICAÇÃO DOS CRIMES
1– Incitação ao crime (Art. 286 do Código Penal): Incitar, publicamente, a prática de crime. Pena: detenção, de três a seis meses, ou multa. Incorre na mesma pena quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade.
2– Associação Criminosa (Art. 288 do Código Penal): Associarem-se três ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes. Pena: reclusão, de um a três anos.
3– Abolição violenta do Estado Democrático de Direito (Art. 359-L do Código Penal): Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais. Pena: reclusão, de quatro a oito anos, além da pena correspondente à violência.
4– Golpe de Estado (Art. 359-M do Código Penal): Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído. Pena: reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência.
5– Financiamento de organização criminosa (Art. 2º da Lei 12.850/2013): Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa. Pena: reclusão, de três a oito anos, além de multa.
Jair Bolsonaro, em 7 de Setembro de 2021, tentou um golpe de Estado e teve que recuar. Agora, voltou a ameaçar a democracia e reclamou da ação da PF e do STF. “No meu entender, não falta mais nada para que realmente possamos ter um problema grave no Brasil provocado por uma pessoa”, disse em sua live semanal, referindo-se ao magistrado. “Estamos vendo que a escalada contra a liberdade tem se avolumado em cima desses empresários”, disse.
Os empresários golpistas investigados são: Luciano Hang, da Havan – dois endereços em Brusque (SC) e um em Balneário Camboriú (SC) José Isaac Peres, da rede de shopping Multiplan – no Rio de Janeiro Ivan Wrobel, da Construtora W3 – no Rio de Janeiro José Koury, do Barra World Shopping – no Rio de Janeiro Luiz André Tissot, do Grupo Sierra – em Gramado (RS) Meyer Nigri, da Tecnisa – em São Paulo Marco Aurélio Raimundo, da Mormaii – em Garopaba (SC) Afrânio Barreira, do Grupo Coco Bambu – em Fortaleza. Todos eles negam as acusações.
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