Federal Reserve anunciou a quinta subidade de juros desde março, chegando ao nível mais elevado nos últimos 14 anos, expõe o norte-americano Joseph Stiglitz
O economista norte-americano Joseph Stiglitz advertiu que a recente onda de subida dos juros – capitaneada pelo Fed e prontamente acompanhada pelo BCE -, medidas supostamente anti-inflação, “não vão fazer muito para resolver o problema” e irão provocar “uma recessão ainda mais profunda”.
“Quase todos os episódios de inflação provocados por excesso de procura, isto, tal como as crises do preço do petróleo, há 50 anos, resultaram de choques na cadeia de abastecimento”, explicou o Nobel da Economia de 2001, dizendo que esses choques “começaram com a pandemia da covid-19 e que agora estão sendo exacerbados pela guerra na Ucrânia”.
Na sua intervenção no seminário “Os desafios de Inverno da Europa: Energia, Economia e Política”, iniciativa da ERSTE Foundation, Europe’s Futures-Ideas for Action (IWM), Presseclub Concordia e do Forum Journalismus und Medien, realizado em Viena, o economista sublinhou que as subidas das taxas de juro pelos bancos centrais “não vão fazer muito para resolver o problema”.
Na semana passada, o Federal Reserve anunciou uma subida de 75 pontos base na sua taxa de juro, o quinto aumento desde março, levando a taxa dos fundos federais para entre 3% e 3,25%, o nível mais alto dos últimos 14 anos.
Por sua vez, o Banco Central Europeu (BCE) em 8 de setembro subiu as três taxas de juro diretoras em 75 pontos base, o segundo aumento consecutivo deste ano, já que em 21 de julho tinha subido em 50 pontos base as três taxas, a primeira subida em 11 anos, com o objetivo de declarado de frear a inflação.
No seminário, Stiglitz afirmou que o mundo está “numa situação peculiar” em que pode enfrentar, ao mesmo tempo, uma recessão grave e uma inflação elevada.
“Estamos numa situação peculiar em que há um debate sobre se o mundo está prestes a enfrentar uma recessão grave e inflação, e normalmente esses dois fatores estão em lados opostos: se a economia está fraca, há deflação, e se a economia está forte, há inflação, e isto não acontece há muito tempo”, disse o acadêmico, apontando que há muitas variáveis que não são possíveis de antecipar, como a guerra na Ucrânia, a pandemia e os seus efeitos na China.
O Nobel da Economia abordou ainda as preocupações sobre o inverno na Europa, dizendo que muitas das incertezas e do sofrimento “são autoinfligidos”.
Numa curiosa inversão dos fatos – a Otan está marchando para leste, desde a queda da União Soviética e há mais de uma década colocou como meta anexar a Ucrânia -, na interpretação de Stiglitz, EUA e Europa ainda “não perceberam” que “estão em guerra” e isso “desprotege as suas economias”.
Segundo ele, em um quadro de guerra, “continuam-se a utilizar os mercados, mas regulam-se muito mais”. Ao não fazê-lo, acrescentou, a Europa leva sua gente a “sofrer muito mais”.
Essa questão de ser um mal “autoinfligido”, para outros analistas, deve-se a que, ao impor as sanções contra a Rússia, e causar uma escassez fabricada artificialmente de petróleo e gás, atendendo às imposições de Washington, os governos europeus, que esperavam a ruína econômica da Rússia – algo que fracassou, acabaram se deparando com uma alta nos preços da energia e alimentos, o realimentou os desequilíbrios vigentes desde a pandemia nas cadeias globais.
A “VISTA CURTA” DO NEOLIBERALISMO
Stiglitz também lançou uma crítica às fragilidades dos mercados, que resultaram do que disse ser a “vista curta” do neoliberalismo. “Achávamos que o mercado estava muito melhor que o que estava, quando o mercado estava bem pior, e isso é parte da minha crítica ao neoliberalismo, tem vista curta e ninguém conseguia acreditar que tinha pouca resiliência”, assinalou.
Para o economista, ao invés de uma subestimação da inflação, houve uma superestimação da resiliência dos mercados.
“Quando nos dizem que ‘subestimaram a inflação’, o que deveriam realmente dizer é que superestimaram a competência dos mercados, e os mercados se saíram muito mal“, concluiu, dando o exemplo da escassez de leite em fórmula nas prateleiras de supermercados nos EUA.
A crise energética decorrente do conflito ucraniano é uma das principais preocupações dos países europeus, que se preparam para um inverno difícil.
FED EXPORTA INFLAÇÃO E CRISE DA DÍVIDA
Outra questão frequentemente apontada no debate sobre os rumos da economia global é que a alta dos juros do Fed – que, segundo a Baron’s, está elevando mais rápido e mais alto do que qualquer outro BC – e consequente apreciação em relação às demais moedas, está exportando recessão, inflação e crise para o resto do mundo.
O dólar está em trajetória ascendente desde meados de 2021 e, no mês passado, atingiu a máxima de 20 anos em relação às seis principais moedas. Marc Chandler, estrategista-chefe de mercado da consultoria financeira Bannockburn Global Forex, disse à Al Jazeera que os EUA parecem uma aposta segura para os investidores à luz dos eventos globais, mesmo que tenham registrado “crescimento negativo nos últimos dois trimestres”.
O que se explica porque “a Europa está à beira de uma recessão e o novo governo do Reino Unido agitou as conversas sobre a crise com seu estímulo fiscal aumentando seu déficit em conta corrente”, além do Japão não mexer nos juros, ele acrescentou.
Com o aspirador global de dinheiro ligado pela alta dos juros nos EUA, e crise aberta nos países centrais do Ocidente, a demanda no exterior por dólares aumenta, por ser visto como “porto seguro” – afinal, em última instância, é bancado pela impressora do Fed e pelas 800 bases norte-americanas militares no exterior, além, é claro, das armas nucleares.
Para os consumidores americanos, um dólar mais forte significa produtos importados mais baratos nas lojas e férias mais acessíveis no exterior. “Para todos os outros, o quadro é menos róseo”, tenta florear a Al Jazeera. Ou seja, o dólar mais forte implica em importações mais caras e mais inflação nos demais países.
Pior, como petróleo e outras commodities, como metais e madeira, são negociados em dólares, isso eleva seu custo em moeda local. Os preços mais altos da energia, por sua vez, aumentarão o custo de outros bens e serviços.
A força do dólar também torna mais difícil para muitos países em desenvolvimento o pagamento de suas dívidas, que muitas vezes são mantidas em moeda americana. Como resultado, muitos países terão dificuldades para encontrar uma quantidade cada vez maior de moeda local para pagar suas dívidas, e na tentativa de enfrentar a crise, vão acabar em recessão profunda, hiperinflação ou crise da dívida soberana. Ou os três juntos.
Nem por isso os EUA estão em “céu de brigadeiro”. A recente inversão da curva de rendimentos dos títulos soberanos dos EUA de 2 anos e 10 anos sinaliza que a recessão está vindo e, cada vez que o juro nos EUA aumenta, estremece o castelo de cartas da dívida de tudo, sempre amarrada a um Himalaia de derivativos.
MUNDO PAGA O PATO PELOS DESVARIOS DO FED
Segundo o jornal chinês Global Times, o que ameaça a economia global é o mal-estar financeiro desencadeado pelos EUA. De acordo com o jornal, o petróleo e o gás são vendidos em dólares, e qualquer aumento nos custos de energia tem um impacto direto em quase toda a economia global, provocando o aumento da inflação.
Como registrou o GT, trata-se do ciclo mais agressivo de alta de juros desde 1981 – o chamado “Choque Volcker”, que desencadeou a estagflação e a crise da dívida externa, que levou a América Latina à Década Perdida. Declarações do Fed, inclusive citando Volcker e anunciando mais altas de juros nos próximos meses, alimentam temores de repercussões insuportáveis dessa política.
Por exemplo, os aumentos drásticos nas taxas de juros levou países como a Argentina, recentemente, a aumentar, através de seu BC, a taxa básica para 75% para tentar defender o valor do peso, que perdeu 30% em relação ao dólar este ano. Gana elevou sua taxa básica em 22%, mas o valor de sua moeda continua caindo. Tais quedas cambiais são generalizadas. A libra egípcia caiu 18% no ano, o forint húngaro 20% e o rand sul-africano 9,4%.
A alta do dólar americano aumenta o peso da dívida denominada em dólar desses países. Falando ao WSJ, Gabriel Stern, chefe de economia de mercado da Oxford Economics, disse: “Se você obtiver mais valorização do dólar, será a palha que quebrará as costas do camelo. Você já está recebendo mercados de fronteira no ponto de inflexão de uma crise, a última coisa que eles precisam é de um dólar forte.”
Para o jornal chinês, no longo prazo, “seria necessário acabar com a dependência do dólar, formando um novo sistema de acordos mútuos, acabando com a hegemonia do dólar”.