Bolsonaro está fazendo demagogia ao manter a política de preços que levou ao caos de 2018 e, ao mesmo tempo, “acenando para os grupos afetados por essa mesma política”, denuncia o professor da USP
O professor Ildo Sauer, pesquisador do Instituto de Energia e Ambiente da USP, afirmou, em entrevista ao HP, que o Brasil não deveria basear o transporte urbano – e muito menos o de carga, no diesel ou na gasolina. “Nós sabemos que o Brasil ao longo da sua história construiu uma matriz energética de transporte dependente do diesel para o transporte urbano, de passageiros, de pessoas. Não há transporte público de metrô e outros da mais alta qualidade, especialmente a carga rodoviária”, disse o professor.
“O Brasil depende disso, ao invés de ter ferrovias para cargas de elevado peso e de longa distância, ao contrário de outros países como os da América do Norte, especialmente Estados Unidos e Canadá, a Europa e mesmo na Ásia”, acrescentou.
“Por isso, há uma pressão política na questão dos preços, todos se lembram dos episódios recentes, da greve dos caminhoneiros, que aliás esteve na base de um dos impulsos que levaram o atual governo ao poder, e o governo agora está de um lado acendendo a vela à sua lealdade histórica ao neoliberalismo, de praticar os preços internacionais para aumentar, como manda a lei, mas para aumentar os lucros dos acionistas, lembrando que 33% da Petrobrás são vendidos na bolsa de Nova Iorque e, de outro, acenando para os grupos afetados por essa mesma política”, argumentou.
O especialista em energia destacou que Bolsonaro está fazendo demagogia ao manter a política de preços que levou ao caos de 2018 e, ao mesmo tempo, dando acenos “aos grupos de interesses que querem preços mais baixos, como agora os caminhoneiros, e como também historicamente têm crescido os consumidores residenciais de GLP (gás de cozinha)”. “Esta equação está sendo desequilibrada. De um lado o discurso para esses grupos e interesses e de outro lado a prática da lealdade com os acionistas”, apontou Sauer.
O professor da USP explicou que, hoje, em torno da metade do preço final dos combustíveis é o preço na refinaria ou na entrada do ponto de importação. A outra metade é composta pelos impostos federais, estaduais, mistura do etanol, do biodiesel e as margens de distribuição e revenda.
Como é a Petrobrás que define os preços na refinaria, explica ele, há o custo político da decisão, que Bolsonaro está querendo jogar para os Estados na questão do ICMS.
Ildo destaca que a privatização das refinarias, além dos prejuízos econômicos que causará ao país, é também uma forma do governo se descomprometer com a sociedade, já que quem vai definir livremente os preços serão os grupos econômicos estrangeiros que vão adquirir as refinarias da Petrobrás.
Recentemente, o governo anunciou a entrega da Refinaria Landulpho Alves (RLAM) na Bahia para um fundo árabe, uma das oito refinarias que Bolsonaro pretende privatizar.
Ildo lembrou a coletiva de Bolsonaro à imprensa, no dia 5 deste mês, após a mobilização dos caminhoneiros. “O governo federal, ao invés de usar o seu poder real de procurar soluções, resolveu delegar a conta para os estados ao arrepio da lei. A lei diz que o ICMS é um imposto estadual e aí o presidente da República vai a público enrolar. Ele tem que explicar, ele diz que tanto faz se o ICMS é cobrado de um jeito ou do outro. Ora, se ele não diminui ele vai para um preço não importa a modalidade. Ali foi um discurso de retórica, nada de prático, e o PIS/Cofins ficou claro que o ministro da Economia se esquivou claramente, então fizeram um discurso para o público, com tergiversações. Esse problema está latente e a expectativa é de que no mundo o petróleo volte a aumentar”, considerou.
PETRÓLEO É DO POVO BRASILEIRO
Sauer deu um quadro mais geral do que está em disputa na produção e comercialização de petróleo no Brasil. “A Petrobrás tem estado, historicamente, e o petróleo também, num centro de uma disputa por três grandes grupos de interesses. De um lado, os acionistas que querem o preço internacional e que tudo vire lucro. Que todo o petróleo brasileiro vire lucro para os acionistas”, denunciou.
“Do outro lado”, prosseguiu Ildo Sauer, “têm os consumidores internos que preferiam preços mais baixos para poder aliviar a situação de penúria econômica e da crise que está ocorrendo atualmente. E há o terceiro grupo que na verdade está mais ausente desses debates porque não está bem representado nem no Congresso e nem na sociedade que são os donos do petróleo, o povo brasileiro”.
“Pela Constituição, o petróleo brasileiro pertence ao povo brasileiro e há muitos grupos, especialmente acadêmicos, como nós aqui, que entendemos que sim, praticar preço internacional é algo razoável, desde que a diferença entre o custo de produzir o petróleo e refiná-lo e o preço que ele atinge vá para atender prioridades sociais”, defendeu. O próprio especialista destaca que isso não vem ocorrendo no Brasil nas últimas décadas.
“Nós produzimos um pouco mais de um bilhão de barris por ano, o custo direto sobre capital e trabalho é menos de 10 dólares, o preço está quase 60 dólares, causa um excedente de 50 dólares por barril. Mais de um bilhão de barris por ano, são mais de 50 bilhões de dólares, o que significa 250 bilhões de reais que poderiam ir para educação pública, saúde pública – mais carente do que nunca agora com a Covid, infraestrutura, previdência social e tudo o mais que interessa à população”, argumentou o professor.