Ele afirmou em reunião da Febraban que qualquer iniciativa de retomar investimentos públicos geraria “incerteza sobre o arcabouço fiscal”. Ou seja, para os abutres, o povo tem que permanecer na miséria
O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos, afirmou na última sexta-feira (25) que os juros vão voltar a subir porque no Brasil há “uma incerteza sobre o arcabouço fiscal [regras para as contas públicas]” e que qualquer expansão nos investimentos, na produção e no consumo causaria mais inflação. A afirmação foi feita durante palestra em almoço promovido pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
O representante dos interesses do mercado financeiro junto ao Banco Central fez a ameaça de elevar ainda mais os juros no Brasil, que já são os maiores do mundo, e que estão estrangulando as atividades produtivas e o consumo no país, ao referir-se às propostas do governo Lula de elevar os investimentos públicos e manter programas de combate à fome no país. Ou seja, para essa gente o país não pode crescer. Tem que se manter estagnado com seu povo na miséria e sem comer, para não causar “incertezas” aos investidores.
Qualquer pessoa com um mínimo de seriedade sabe que a atual inflação brasileira não tem nenhuma relação com um suposto “excesso de demanda”. Que a elevação da inflação nos últimos meses se deu por conta do atrelamento dos preços internos de energia e de algumas commodities produzidas no país ao mercado internacional. E que o desmantelamento pelo governo dos estoques reguladores e da ausência de uma política nacional de abastecimento fez os produtores preferirem ganhar em dólar, mesmo nos preços praticados internamente. A inflação subiu e caiu com a subida e a queda dos preços do petróleo nas bolsas internacionais. A elevação dos juros, portanto, não tem nada a ver com a queda de preços que se viu nos meses de setembro e outubro.
A ameaça de volta da inflação, e da consequente elevação dos juros, feita por Campos Neto, é, portanto, pura chantagem para manter o teto de gastos, instrumento que estrangula o país desde sua oficialização em 2017 para garantir os lucros bilionários da especulação financeira. Nestes anos em que esteve em vigor o teto só serviu mesmo para os governos reduzirem drasticamente os investimentos públicos, os financiamentos da assistência social, da saúde, da educação e da infraestrutura para garantir o pagamento religioso de juros à banca.
De 2017 até setembro deste ano, o setor público, isto é o conjunto da sociedade, transferiu – por meio dos juros – R$ 2,3 trilhões aos bancos, rentistas e outros especuladores que vivem da dívida pública. Logo, os banqueiros não querem o fim desta mamata e, por isso, ameaçam com alta nos juros se o teto deixar de existir. Se o país está andando para trás e o povo está passando fome, isso não interessa nem um pouco a esses especuladores que estão muito bem representados pelo presidente do Banco Central.
O Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, com o aval do governo, aumentou a taxa básica de juros da economia (Selic) de 2% ao ano em março de 2021 para os atuais 13,75% ao ano, a pretexto de combater a inflação que, como dissemos, não foi causada por excesso de demanda. Esta medida não resolveu o problema da inflação, mas colocou o Brasil no topo do ranking mundial de juros reais, tornando o país um paraíso da especulação, travando os investimentos, desestimulando o consumo e agravando a situação econômica do país.
Fruto dessa política, que em boa hora foi derrotada nas urnas, nos últimos 12 meses até setembro, as vendas do comércio varejista brasileiro recuaram -0,7%, em relação ao período anterior. Na modalidade ampliado, que inclui as atividades de veículos, motos, partes e peças e material de construção, o volume de vendas caiu -1,6% no período. Já o setor industrial assinalou queda de 1,1% no acumulado do ano até setembro, com destaque para o resultado negativo para as produções de Bens de consumo duráveis (-5,3%), reflexo das reduções na fabricação de eletrodomésticos (-16,4%), especialmente os da “linha branca” (-20,3%).
Com os juros altos, o endividamento das famílias e das empresas também explodiu. Em outubro, a proporção de famílias inadimplentes chegou a 30,3%, o maior nível desde o início da série histórica da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), iniciada em janeiro de 2010.
Já o Indicador de Inadimplência das Empresas da Serasa Experian apontou que 6,3 milhões de empresas estavam com o nome no vermelho em setembro. O montante são 44,6 milhões de dívidas negativadas, totalizando, em valor, R$ 105,2 bilhões somente no mês de referência.
Só nos últimos 12 meses até setembro, a transferência de recursos da União, Estados e municípios ao setor financeiro, por meio dos juros da dívida pública, atingiu a soma de R$ 591,996 bilhões. De acordo com dados do BC, essa cifra bilionária representa 6,29% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. No mesmo intervalo de meses de 2021, haviam sido transferidos R$ 351,8 bilhões (4,17% do PIB).
Mas, quando se discute a urgência de se garantir recursos para combater a fome, ou quando o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, fala em retomar os investimentos públicos para criar empregos e ampliar programas sociais, propostas que o elegeram, a grita é geral. Parece que o mundo vai cair.
No entanto, diversos setores da sociedade já chegaram à conclusão de que o teto de gastos, este mecanismo perverso de transferência de renda do conjunto da sociedade – daqueles que produzem e trabalham – para meia dúzia de barões da especulação é insustentável e deve ser abolido. E este já é o grande desafio dos primeiros dias do governo Lula.