“Não há ‘razão técnica’ alguma, ou seja, razão econômica, para a elevação da taxa de juros. Mas Campos Neto não está satisfeito com os 836 bilhões de reais que o governo pagou de juros nos últimos 12 meses. O que ele quer é aumentar essa sangria”, denuncia o economista
O economista e professor Nilson Araújo de Souza, diretor da Fundação Maurício Grabois e membro do Comitê Central do PCdoB, foi questionado pelo HP, nesta quinta-feira (8), sobre o que ele achou da ameaça que o BC fez recentemente ao país, com nova elevação da taxa básica de juros, a Selic.
Nilson Araújo, que também preside o Sindicato dos Escritores de SP, respondeu que o presidente do BC usa qualquer pretexto para elevar os juros. “Ele [Campos Neto] ainda não está satisfeito com os 836 bilhões de reais que o governo pagou de juros nos últimos 12 meses (mais que os 578 bilhões de reais dirigidos à saúde, educação e desenvolvimento social no ano passado), quer servir mais ainda à Faria Lima e de quebra sabotar a economia para viabilizar o retorno do bolsonarismo fascista ao poder”, afirmou.
Sobre a volatilidade especulativa do câmbio, outro pretexto usado pelo BC para elevar os juros, Nilson comentou: “O presidente bolsonarista do BC, com o beneplácito da equipe de Fernando Haddad e dele próprio, foge da intervenção no câmbio como o diabo foge da cruz, alegando que o câmbio é flutuante. Ora, todos os países do mundo que têm câmbio flutuante sempre intervêm em momentos de ataque especulativo”. Confira abaixo a íntegra do texto de Nilson Araújo de Souza.
NILSON ARAÚJO DE SOUZA
A mídia tem insistentemente divulgado que o presidente bolsonarista do Banco Central anda ameaçando elevar a Selic na próxima reunião, a realizar-se nos dias 17 e 18 de setembro, do Comitê de Política Monetário (Copom), que reúne toda a diretoria do BC. Mas essa mesma mídia se insurge quando o presidente Lula denuncia que o presidente do BC está sabotando a economia quando mantém a taxa básica real de juros entre as três maiores do mundo.
Não há “razão técnica” alguma, ou seja, razão econômica, para a elevação da taxa de juros. Em termos reais, ela praticamente tem se mantido inalterada desde que chegou a 13,75% no ano passado. A taxa nominal baixou para 10,25%, mas a inflação também baixou: tem se mantido em torno de 4%, ou seja, dentro do limite da meta, que é de 4,5%. E assim a taxa real tem estado em torno de 7%.
Então, se estamos dentro do limite da meta, por que aumentar a taxa de juros? Isso, considerando que a taxa de juros seja um instrumento eficaz de combate a inflação. Um dos principais autores de Plano Real, recentemente endeusado pela mídia, André Lara Resende, tem desmontado essa “tese”. Depois de criticar o Plano Real e mais ainda a preservação de sua política de juros altos nas últimas três décadas, demonstrou que uma taxa de juros elevada de forma duradoura exerce uma pressão inflacionária, ao elevar os custos das empresas. E não contribui para seu combate.
Alegam que a inflação estaria sob pressão da taxa de câmbio (preço da moeda estrangeira; no caso do dólar, a quantidade de reais que temos que despender por cada dólar), que estaria se elevando, atualmente não pelas declarações do presidente, que foi responsabilizado pelo ataque especulativo de poucos dias atrás, mas por problemas existentes na economia mundial, particularmente na economia dos Estados Unidos, que estaria se desacelerando e, no Japão, que, depois de décadas de juro real negativo, estaria começando a elevá-lo.
Por que o aumento da quantidade de reais por dólar pressionaria a inflação? Porque teríamos que pagar mais reais por produto importado e isso repassaria para os demais produtos. É bem verdade que isso limitaria as importações e favorecia a produção nacional (porque a estrangeira ficaria mais cara) e aumentaria as exportações (porque os exportadores receberiam mais reais por produtos exportados).
Se é isso, há outro instrumento menos doloroso para resolver o problema, ou seja, que não bloqueia o crescimento da economia e a criação de emprego e renda. O governo tem 355 bilhões de dólares de reservas em moeda estadunidense. Poderia, então, entrar no “mercado” de câmbio (entre aspas porque, na verdade, não existe mercado nessa área, o que existe são grupos monopolistas, que terminam estabelecendo o preço da moeda) vendendo dólar para pressioná-lo para baixo e, no limite, decretando a centralização do câmbio ou mesmo o câmbio administrado, como a grande exportadora China.
Mas o presidente bolsonarista do BC, com o beneplácito da equipe de Fernando Haddad e dele próprio, foge da intervenção no câmbio como o diabo foge da cruz, alegando que o câmbio é flutuante. Ora, todos os países do mundo que têm câmbio flutuante sempre intervêm em momentos de ataque especulativo.
Mas Campos Neto, que ainda não está satisfeito com os 836 bilhões de reais que o governo pagou de juros nos últimos 12 meses (mais que os 578 bilhões de reais dirigidos à saúde, educação e desenvolvimento social no ano passado), quer servir mais ainda à Faria Lima e, de quebra, sabotar a economia para viabilizar o retorno do bolsonarismo fascista ao poder. Se pudesse haver alguma dúvida sobre isso, esta foi desfeita depois do convescote com o governador paulista.
Quem não te conhece é quem te compra. Copiando o Fed (o banco central dos EUA), disse que o mercado de trabalho no Brasil está muito aquecido e isso geraria inflação porque pressionaria a demanda. Ora, é bem verdade que, no último ano e meio criaram-se empregos no Brasil, mas longe ainda de haver pleno emprego e, ainda por cima, a maioria dos empregos ´é de segunda categoria (a taxa de desemprego, apesar de haver caído, segue elevada: 7,9% no primeiro trimestre deste ano). E só não se criaram mais empregos devido às elevadas taxas de juros. E, mesmo se o mercado estivesse um pouco aquecido, a enorme capacidade ociosa existente cuidaria de dar conta dessa demanda.