“A Organização Mundial da Saúde (OMS) avalia que serão necessários mais de 100 bilhões de dólares para fabricar e distribuir mundialmente vacinas eficazes contra o SARS-CoV-2” destaca artigo, que publicamos a seguir, de Patricia Grogg, com o título original de “América Latina participa na operação vacina, para sair da eterna quarentena”.
No texto, divulgado pelo portal IPS (Inter Press Service en Cuba) em 28 de agosto, a autora relata tanto a dimensão da pandemia no continente, como os esforços locais na busca pela vacina, que é o caso de Cuba ou em associação com outros países, como vem ocorrendo no Brasil.
Entre os entrevistados, o epidemiologista brasileiro Eduardo Azeredo Costa, assessor para a Cooperação Internacional da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz
Duramente castigada pela Covid-19, a América Latina busca participar na corrida em busca da vacina contra o coronavírus, seja associando-se a projetos avançados de países de maior desenvolvimento ou através de iniciativas próprias, como é o caso de Cuba.
Segundo dados de terça-feira (25) da Organização Panamericana de Saúde (OPS), os casos de Covid confirmados até então eram 6.745.157 e o número de pessoas mortas pela enfermidade 259.476.
O Brasil é o segundo país do mundo em contágios, atrás somente dos Estados Unidos. Peru, México, Colômbia e Chile integram também a lista dos 10 países com maior número de casos, segundo as cifras desta quinta (27) da norte-americana Universidade Johns Hopkins. Além disso, muitos países da região se mantêm em intermináveis confinamentos e restrições para a atividade econômica desde março.
Com 3,5 milhões de casos positivos de Covid e 113.100 mortes, Brasil e seus 211 milhões de habitantes se converteram em um grande campo de provas propício para ensaios clínicos de vários projetos de vacinas que já estão na fase 3, a última no processo de comprovação de eficácia e ausência de riscos.
“O desenvolvimento do antígeno no Brasil em nível de pesquisa foi deixado de lado quando os principais laboratórios de produção de vacinas decidiram importar a tecnologia”, comentou ao IPS o epidemiologista brasileiro Eduardo de Azeredo Costa, assessor para a Cooperação Internacional da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, com sede no Rio de Janeiro.
Costa explicou que a Biomanguinhos, unidade industrial da Fundação Oswaldo Cruz, a maior instituição pública do setor de saúde no Brasil, comprou a tecnologia para a produção da vacina da britânica Universidade de Oxford/AstraZeneca.
Se pagará à transnacional farmacêutica AstraZeneca, ainda antes dos resultados da fase 3 de seu projeto de vacina, 128 milhões de euros pela tecnologia e 30 milhões de doses. Outros 70 milhões de doses estão previstas ao preço de 2,60 euros cada uma, comentou. Se espera que esta vacina esteja pronta em dezembro ou janeiro.
Por seu lado, o Instituto Butantã, com sede em São Paulo, um dos maiores centros de investigação biomédica do mundo e produtor de mais de 80 soros e vacinas consumidos no Brasil, acordou com a empresa chinesa Sinovac o estudo da fase 3 de seu antígeno para o SARS-CoV-2 e sua produção no Brasil.
Também se provará no Brasil o prospecto de vacina que desenvolvem em conjunto as farmacêuticas Pfizer, dos Estados Unidos e a BioNTech, da Alemanha. Ainda no dia 18, foi anunciada a autorização para os estudos clínicos da farmacêutica Janssen-Cilag, do grupo estadunidense Johnson & Johnson.
“Não sabemos se estes acordos consideram a patente industrial. Considero que a cooperação e não a competição em nível mundial deve reger as bases dos acordos a que se chegue com as transnacionais farmacêuticas para o acesso a estas vacinas contra a Covid-19”, advertiu Costa.
Para o epidemiologista, “é necessário investir para estimular o desenvolvimento de vacinas e lutar para conseguir que estes produtos estejam livres de restrições para que cheguem a todo mundo” e, para esse fim, a cooperação científica fortalece a defesa da não aplicabilidade do tratado de patentes para novas vacinas em desenvolvimento.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) avalia que serão necessários mais de 100 bilhões de dólares para fabricar e distribuir mundialmente vacinas eficazes contra o SARS-CoV-2.
Na segunda (24), a OMS instou os países a se unirem ao mecanismo Covax, iniciativa para garantir o desenvolvimento de distribuição equitativa e universal da vacina, mecanismo ao qual já se associaram 172 nações.
O CASO CUBANO
Cuba iniciou, neste mesmo dia 24, a fase um do ensaio de sua candidata a vacina, que denominou de Soberana, para prevenir o contágio com o SARS-CoV-2.
A BioCubaFarma e outras instituições de Cuba promoveram, em grupo, o primeiro projeto próprio de vacina de um país latino-americano para prevenir o vírus SARS-CoV-2, a chamada Soberana, cujos ensaios clínicos começarão no dia 11 de setembro.
Trata-se do primeiro projeto latino-americano e o de número 30 a receber autorização para provas clínicas dentre mais de 200 que existem em nível mundial, destacaram cientistas locais que trabalham no fármaco.
A segunda etapa deste processo está programada para o 11 de setembro, quando se completará a vacinação dos 676 voluntários entre 19 e 80 anos. O estudo deste antígeno deve se concluir no dia 11 de janeiro e os resultados devem estar disponíveis no dia 1º de fevereiro de 2021, para serem publicados no dia 15 de fevereiro.
Esta nação insular caribenha produz quase 80% das vacinas incluídas em seu programa nacional de imunização, o que prova sua capacidade e experiência na matéria. Obter um antígeno pode demorar vários anos, segundo reconheceram os investigadores da equipe que obteve a Soberana.
No entanto, Luis Herrera, assessor científico e comercial do grupo empresarial BioCubaFarma, assinalou ao IPS em março que, com as tecnologias disponíveis atualmente, um projeto de vacina pode ser aprovado pelas autoridades reguladoras em um prazo de seis a oito meses.
Os investigadores envolvidos evitaram dar detalhes sobre a produção de doses uma vez completado o processo prévio, assim como da eventual disponibilidade para os países latino-americanos.
ACESSO A VACINAS PARA TODA A REGIÃO
O México, que esta quinta-feira (27) contabilizou 573.888 casos de Covid e 62.076 mortes (terceiro lugar mundial), segundo a contagem da Johns Hopkins, aspira ao acesso oportuno e o mais cedo ao antídoto, não apenas em benefício do país como de toda a área latino-americana e caribenha.
Como parte desses esforços, a mexicana Secretaria (Ministério) de Relações Exteriores anunciou na terça-feira (25) a criação do Consórcio Mexicano de Vacinas e Tratamentos da Covid-19 para buscar recursos de cooperação internacional e financiar projetos de antígenos e medicamentos.
Suas autoridades esclareceram que a maioria dos 19 projetos apresentados ante o consórcio são de instituições e centros de investigação pública e a ideia é aumentar a capacidade tecnológica do país no setor das vacinas e medicamentos.
Mas o prato forte do governo mexicano parece ser a aliança com a Argentina para fabricar de maneira conjunta a futura vacina da Oxford-AstraZeneca que, segundo se prevê, termina em novembro sua fase 3 de ensaios clínicos.
Logo deve ser avaliada pela autoridade sanitária do México, entre outros requisitos, para sua eventual produção.
A iniciativa inclui a participação financeira da Fundação Slim, uma associação civil mexicana sem fins lucrativos, e laboratórios da México e Argentina.
Ambos países oficializaram a decisão de que o acordo deve garantir o acesso universal à vacina a toda a região, durante uma reunião virtual no dia 17 de agosto entre representantes da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), da qual o México assumiu este ano a presidência pró- tempore.
A avaliação é de que o acordo permitirá a produção de 150 a 250 milhões de doses, a um valor de venda aproximado entre três e quatro dólares a unidade para toda a América Latina, exceto Brasil que marcha por seu próprio caminho nesta matéria.
“Esta pandemia afeta a todos, sem que importe postura política ou ideologia. É um desafio que exige da região pôr de lado as diferenças e trabalhar por um interesse comum, pelo bem de nossas nações”, destacou o secretário mexicano de Relações Exteriores, Marcelo Ebrard.
A par destas iniciativas regionais continuam chegando tecnologias importadas para ensaios clínicos, como a farmacêutica belga Janssen, unidade da transnacional norte-americana Johnson & Johnson, que estenderá, a partir de setembro, seus ensaios em fase 3 ao Brasil, Chile, Colômbia e Peru tendo em conta a circulação do vírus nestes países.
Também, as farmacêuticas chinesas Sinovac e o Grupo Sinopharm, adiantam negociações em nações da área com altos níveis de contágio para provar suas candidatas a vacina.
Neste contexto, cientistas de vários países latino-americanos não perdem a esperança de obter suas próprias vacinas. Investigadores da Universidade peruana Cayetano Heredia, da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) e da Universidade Católica do Chile adiantam seus projetos, em fases pré-clínicas.