
“O que os povos latino-americanos querem é construir seu próprio lar, não ser o quintal de ninguém”, afirmou o diplomata, após o chefe do Pentágono prometer “recuperar nosso quintal” supostamente perdido “por Obama para a China”.
O chanceler da China, Wang Yi, afirmou que os países da América Latina “não são quintal de ninguém”, em uma resposta direta ao anúncio, pelo secretário do Pentágono e ex-apresentador da Fox News Pete Hegseth, de que “vamos recuperar nosso quintal”. Perdido, segundo o ex-âncora, por culpa do governo Obama que deixou “a China tomar toda a América do Sul e Central”.
Os países latino-americanos buscam independência, e não “doutrinas de dominação”, sublinhou Wang. “O que os povos latino-americanos querem é construir seu próprio lar, não ser o quintal de ninguém”, acrescentou.
Hegseth fez a declaração sobre seu empenho em tirar a doutrina Monroe da lata de lixo da história no dia 10, à emissora da qual foi apresentador. O pronunciamento de Wang foi nessa segunda-feira (14).
Segundo a doutrina Monroe, o continente americano é dos “americanos” – entendido como “os norte-americanos”, não dos colonialistas europeus – isto é, da Standard Oil, United Fruits, ITT, GM, IBM, JP Morgan, Goldman Sachs, Raytheon, Lockheed e, mais recentemente, da Google, Microsoft, Meta, Amazon, OpenAI e Tesla.
O interlóquio ocorre em meio ao acirramento da guerra tarifária desencadeada desde Washington, não apenas contra a China, mas virtualmente contra o planeta inteiro, que Trump acusa de “explorar os EUA” – apesar de suas 800 bases, das 5.000 armas nucleares e do dólar.
O resmungo de Hegseth é quanto ao fato de que, como na maior parte do mundo, também na América Latina o intercâmbio com a China alcançou novo patamar, por ser a fábrica do mundo, praticar relações ganha-ganha e não as do tipo ‘o-vencedor-leva-tudo’, e por ter se tornado líder nas tecnologias de pona das quais o futuro da humanidade depende.
Desde sua posse no segundo mandato, Trump vem insistindo na tese de “retomar o canal do Panamá”, acusando a China de “controlá-lo”, o que é mentira, e inclusive pressionou o Panamá para se retirar da Iniciativa Cinturão e Rota (a nova rota da Seda), da qual este fazia parte desde 2017. Washington também segue pressionando para impor a volta de suas bases militares e passe gratuito no canal para os navios de guerra norte-americanos.
Também no caso da Groenlândia, que Trump diz que vai “comprar” ou invadir, o atual governo norte-americano fantasia que são os chineses que estariam “tomando” a ilha ártica, mas admite candidamente que o quer mesmo são as ‘terras raras’ usadas na alta tecnologia e nas armas e para cujo fornecimento atualmente os EUA dependem da China.
No mesmo período, o secretário do Tesouro, Scott Bessent, pressionou Javier Milei a se retirar do acordo de divisas com a China, que é um das poucas coisas que segurou a Argentina de ir mais rápido ao fundo do poço, assinado pelos peronistas e Pequim. E que o país asiático manteve, apesar da mudança de política argentina, mas coerente com a tradição chinesa de não interferir nos assuntos internos dos países parceiros.
Questionado em uma coletiva de imprensa, também o porta-voz da chancelaria chinesa, Lin Jian respondeu à narrativa da “ameaça da China” que, apontou, é promovida por certos funcionários dos EUA. E que está impregnada de preconceito ideológico e são resultado de uma mentalidade da Guerra Fria, e que não contêm uma única palavra de verdade.
“Quem vê a América Latina e o Caribe como um quintal e impõe a ‘Neo-Doutrina Monroe’ sobre eles? Quem continua apontando o dedo para os assuntos internos desses países? Quem os tem coagido com ameaças tarifárias? Quem se envolveu em vigilância global massiva? Quem tem bases militares em todo o Hemisfério Ocidental? Quem está deixando as armas pequenas, leves e munições fluírem para a América Latina e o Caribe como uma Zona de Paz?” perguntou Lin, observando que o mundo sabe “muito bem” as respostas a essas perguntas.
Lin disse que a China está comprometida com a igualdade e os benefícios mútuos no envolvimento com esses países e nunca busca ganhar uma esfera de influência ou visar terceiros.
Os Estados Unidos continuam a difamar a China e a espalhar a chamada ameaça da China, a fim de criar um pretexto para justificar suas ações para controlar os países desta região, mas isso nunca terá sucesso, acrescentou Lin.
Também é a China está encabeçando a reação do mundo inteiro à essa guerra tarifária de Trump, que repete o que na década de 1930 ficou conhecido como a política “do arruíne seu vizinho”, com resultados conhecidos, e convocando a cerrar fileiras contra o unilateralismo e a intimidação. A China respondeu ao tarifaço de Trump de 145% com sua própria sobretaxa de 125% – o que na prática arrasa o intercâmbio comercial entre os dois países. No final de semana, Trump foi forçado a recuar quanto aos iphones, chips, televisores de tela plana e demais eletrônicos, para não quebrar as empresas norte-americanas e dobrar os preços nas prateleiras– o que é cerca de ¼ das exportações chinesas para os EUA.