
“A posição correta hoje, na minha opinião, é a gente entrar como parte na ação da África do Sul por genocídio”. O ex-chanceler disse que o Brasil não recebeu o novo embaixador indicado por Israel e “nem vai receber”
O ex-ministro das Relações Exteriores e atual assessor internacional da Presidência, Celso Amorim, afirmou, nesta sexta-feira (4), em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, deve ser muito severo com Israel e, talvez, até suspender o acordo de livre comércio, assinado em 2010, entre os dois países.
“A posição correta hoje, na minha opinião”, apontou o auxiliar de Lula, “é a gente entrar como parte na ação da África do Sul por genocídio; manter as relações [com Israel] em níveis mínimos e ser muito severo no acordo de livre comércio, e, talvez até suspendê-lo”. Ele destacou, ainda, que o Brasil não deve aceitar a indicação de um novo embaixador por Israel devido à ofensiva militar na Faixa de Gaza e às milhares de vítimas palestinas.
“O novo [embaixador] não recebeu o agrément [aval do Brasil], nem vai receber. Nem tem porque receber. O Chile já rompeu relações diplomáticas com Israel. A Irlanda e a Eslovênia tiveram muitas restrições – muitos países europeus também – porque Israel está praticando um genocídio. O Brasil apoiou a ação da África do Sul na Corte Internacional de Justiça”, afirmou o assessor de Lula.
Amorim denunciou, também, que há uma grande desproporção nas atitudes retaliatórias de Israel em relação ao povo palestino. “É claro que a gente é contra o ataque do Hamas [de outubro de 2023], não há dúvida, mas a reação é totalmente desproporcional. Você está matando um povo inteiro. É muito ruim matar 2.000 pessoas, é péssimo, é horrível e condenável. Mas matar 60 mil, 70 mil… mulheres e crianças na fila humanitária, é impensável”, acrescentou Amorim.
O ex-chanceler fez questão de diferenciar o governo de Israel dos judeus. “Deixa eu dizer a minha posição sobre a questão de Israel. Não tem nenhum radicalismo nisso. É preciso distinguir o povo judeu, que deu imensas contribuições à humanidade; o Estado de Israel, que tem direito de existir e de se defender contra terrorismo ou o que for; e o governo Netanyahu, que está praticando um genocídio”, afirmou.
AMEAÇAS DE TRUMP
Sobre as ameaças de Donald Trump ao Brasil e possíveis sanções ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, Amorim foi categórico. “É uma coisa totalmente absurda. Qual vai ser a medida concreta que a gente vai tomar, eu não sei. Mas é uma coisa totalmente absurda e inaceitável. Eu não creio que os Estados Unidos chegarão a esse ponto, mas, se isso ocorrer, haverá certamente medidas da nossa parte”, afirmou.
“Essas ações unilaterais que estão sendo tomadas são a maior ameaça à ordem mundial atual. Elas contrariam totalmente o espírito do multilateralismo, que é a defesa que a gente tem da paz”, prosseguiu Amorim.
“Por que houve tanta ênfase no multilateralismo?”, indagou o diplomata. “Porque ele garantia a paz. Porque a mesma regra que valia para um, valia para outro – para todos. As regras eram aplicáveis a todos. Se você começar a aplicar regras unilaterais, eu acho que você está, digamos, aprofundando os riscos de uma guerra mundial”, observou Amorim.