Anamatra rebate Bolsonaro: “Nenhum açodamento será bem-vindo”

Presidente da Anamatra, Guilherme Guimarães Feliciano

A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) rebateu as declarações de Jair Bolsonaro de que poderá acabar com a Justiça do Trabalho.

“Nenhum açodamento será bem-vindo”, afirmou a entidade em nota assinada pelo presidente Guilherme Guimarães Feliciano.

“No que toca à gestão pública, se o problema que o presidente da República identifica é o de uma legislação trabalhista excessivamente protecionista, a gerar mais litígios trabalhistas do que os necessários – tese a se discutir com profundidade junto à sociedade civil e ao Parlamento brasileiro -, a proposta de suprimir a jurisdição trabalhista especializada simplesmente não condiz com o diagnóstico feito. Há um claro equívoco na relação entre causa e consequência, em que se busca culpar a janela pela paisagem”, afirma a entidade. (Leia a íntegra da nota aqui).

A declaração foi feita por Bolsonaro durante entrevista ao SBT, na quinta-feira, 3. Além dizer que pode acabar com a Justiça do Trabalho, disse também que quer aprofundar a reforma da legislação trabalhista e da previdência.

Na entrevista, usou exemplos do exterior e disse que os processos trabalhistas têm de tramitar na Justiça comum. O presidente voltou a falar que há um “excesso de proteção” aos trabalhadores. “Qual país que tem Justiça do Trabalho? Já temos a Justiça normal”, afirmou.

Para o procurador do Trabalho no Rio de Janeiro e professor de Direito do Trabalho, Rodrigo de Lacerda Carelli, o “mito da jabuticaba” não procede.

“A criação da Justiça do Trabalho na Nova Zelândia ocorreu no ano de 1894. Na França, os prud’hommes existem desde a Idade Média para a resolução dos conflitos nas corporações de ofício. Para a resolução de conflitos industriais franceses, a instituição foi criada em 1806. Na Alemanha, a existência de Justiça especializada em matéria laboral data de 1890, tornando-se jurisdição independente no ano de 1953”, explica Carelli.

O fim da Justiça do Trabalho esbarra na cláusula pétrea do art. 60, § 4º, III, da Constituição Federal, uma vez que configura interferência indevida na estrutura constitucional de outro poder (o Poder Judiciário brasileiro), além de agredir um dos fundamentos básicos da República brasileira, que reconheceu o valor social do trabalho (art. 1º, IV).

Para o diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos), Clemente Ganz Lúcio, a iniciativa faz parte de uma concepção de corte liberal sobre as relações trabalhistas e que prejudicam o trabalhador.

“Essa é uma parte de um conjunto de medidas, várias iniciativas formuladas no âmbito do governo, visando ampliar a flexibilização do mundo do trabalho. Tornar mais fácil demitir e contratar, combinando com isso uma redução dos direitos a um patamar mínimo, provavelmente somente àquilo que a Constituição define. Todo o resto que está na legislação poderia ser flexibilizado”, avalia Clemente.

DIREITOS

As manobras para barrar a atuação da Justiça do Trabalho começaram já com a “reforma” trabalhista, que entre outras medidas restringiu o acesso à Justiça trabalhista, diminuindo o número de processos.

Entre dezembro de 2017 e março de 2018, dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST) registraram uma redução média de 46% dos ajuizamentos em todo país, em comparação ao mesmo período dos anos anteriores. Isso representa, em números absolutos, 381.270 processos a menos nos tribunais regionais.

Antes da vigência da nova norma, o trabalhador estava isento de quaisquer gastos financeiros procedentes do processo ao assinar documento em que declarava insuficiência de recursos. Tais valores eram pagos pelo próprio Judiciário. Com a reforma, ele passa a ter de provar tal condição.

A pesquisadora e desembargadora aposentada do TRT 4, Magda Barros Biavaschi, levantou dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2016 e verificou que 61% das ações que entraram no período eram relacionadas à rescisão de contrato e 19% a pagamentos de salários e verbas indenizatórias, ou seja, direitos mínimos que devem ser assegurados a todo trabalhador despedido e que não são cumpridos na maioria das vezes.

Segundo a pesquisadora, esses contínuos descumprimentos são causados entre outros fatores pela dificuldade de fiscalização nas empresas e multas com valores muito baixos, estimulando o desrespeito às normas trabalhistas.

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