NATHANIEL BRAIA
“O informe da Anistia Internacional – uma fundamental adição a prévios informes no assunto – marca um maior consenso, o reconhecimento do fato de que Israel emprega um regime de supremacia judaica no território que vai do rio Jordão ao mar Mediterrâneo. Isto é um passo essencial na luta para mudar esta realidade em direção a um futuro em que todas as pessoas que vivem aqui desfrutarão de justiça, equitatividade e respeito por seus direitos humanos”, declara, em comunicado, a organização israelense B’Tselem.
A declaração da organização israelense foi postada em seu portal poucas horas depois do lançamento do informe da Anistia Iternacional (AI), considerando o Estado de Israel um regime de apartheid, lançado no dia 1º de fevereiro.
AUTORIDADES ISRAELENSES EM PÂNICO
“O pânico”, esclarece B’Tselem, “expresso pelo ministro do Exterior de Israel, Yair Lapid, assim como as falsas argumentações de várias organizações dedicadas a ‘explicar’ Israel, de que o informe é uma tentativa de negar ao Estado de Israel o direito à existência, só revela seu posicionamento – de que um regime de supremacia judaica é justificável e deveria ser perpetuado. Na verdade, a demanda por igualdade e pela proteção dos direitos humanos para todos só ameaça aos que se opõem a estes valores. A grita de que esta exigência por justiça lhes causa dano mostra de forma abundantemente clara o lado que escolheram”.
B’Tselem acrescenta que “nivelar com acusações de antissemitismo contra qualquer um que critique o regime israelense – inclusive contra organizações de direitos humanos – é uma afirmação manipulativa, que mina a luta crucial e global contra o antissemitismo e ofende a memória das vítimas do antissemitismo ao longo da história”.
“Estamos aqui hoje, para chamar a comunidade internacional a tomar ação resoluta contra o crime de lesa humanidade que está sendo perpetrado com a finalidade de manter este sistema de apartheid”, afirmou a secretária-geral da Anistia Internacional, Agnes Callamard, na cerimônia de lançamento do Informe.
‘É ANTISSEMITISMO’, DIZ LAPID
Em um posicionamento que o jornal israelense qualificou de histérico, o ministro do Exterior de Israel, Yair Lapid, acusou a AI, ainda antes do lançamento do informe de “ao invés de se ater à verdade, a Anistia Internacional, dissemina as mesmas mentiras divulgadas por organizações terroristas e usadas como base ao antissemitismo. Qualquer exame criterioso vai ver que esse informe é uma ilusão desconectada da realidade. A Anistia Internacional era uma organização estimada que todos nós estimávamos. Hoje ela é o oposto disso”.
Parece que estou ouvindo o que – infelizmente muitos – na comunidade judaica disseram sobre as mesmas conclusões as quais cheguei, com 20 anos de antecedência, ao lançar meu livro O Apartheid de Israel, quando corria o ano de 2002 e governava Israel, ninguém menos do que o general Ariel Sharon, também conhecido como o “carniceiro de Sabra e Shatila”, por sua participação direta naquele massacre em território libanês e pelo qual foi condenado pela Corte de Israel. Fazia então pouco tempo que Itzhaq Rabin, pintado nas ruas de Israel por Begin, Sharon e Netanyahu como “traidor”, pela assinatura dos Acordos de Paz de Oslo junto com Shimon Peres e Yasser Arafat e, após raivoso incitamento, assassinado por um judeu fanático no centro de Tel Aviv ao descer de um palanque onde acabara de entoar a “Canção à Paz” junto com uma multidão de 500 mil israelenses. Também na época, os que criticaram o livro não se ativeram ao que ali estava escrito. Era um posicionamento diante do título e ponto.
RABIN ASSASSINADO
Lembremos aqui, que foi o assassinato de Rabin que permitiu a tomada do poder por Sharon, seguido por Netanyahu, recrudescimento da ocupação e dos assentamentos judaicos além da fronteira israelense e à suspensão das negociações de paz com os palestinos e o avanço do sistema de segregação, particularmente nos territórios palestinos ocupados.
“O informe não vai contra a existência do Estado Judeu, ele vai no sentido de pressionar para que este Estado cumpra com o que a legislação internacional prevê, que é a garantia do direito de todas as pessoas que vivem no seu território”, acrescenta a secretária-geral da AI.
É o terceiro informe dentro de um ano acusando o regime israelense de apartheid. Os outros dois são da organização Human Rights Watch e da israelense B’Tselem. Segundo seus dirigentes, a Anistia Internacional aspira a que seu informe contribua para que este sistema seja debatido na ONU e na Corte Penal Internacional em Haia.
Phillip Luther, conselheiro para questões de pesquisa e política da AI, acrescenta: “chegou a hora para nós oferecermos uma análise, o que nós encontramos e a nossa opinião crítica direcionada não aos judeus, mas ao Estado de Israel”.
POLÍTICAS, LEIS E PRÁTICAS DO ESTADO DE ISRAEL
“É o Estado de Israel que está pondo em ação as políticas, que implementa as leis e através de suas práticas, oprime a população palestina”, diz Luther.
Para sustentar sua tese, o informe começa por definir o que é Apartheid: “ O crime de lesa-humanidade de apartheid é perpetrado quando se cometem determinadas violações graves de direitos humanos com o “fim de instituir e manter” um sistema de “dominação de um grupo racial…sobre qualquer outro… e de oprimi-lo sistematicamente” (Termos da Convenção para a Supressão e Punição do Crime de Apartheid adotada pela Assembleia Geral da ONU em 30 de novembro de 1973).
LIMPEZA ÉTNICA
O informe ressalta que a supressão da maioria palestina e a imposição de maioria judaica já estava nos planos e ações violentas dos idealizadores de Israel ainda nos anos da Palestina sob mandato britânico: “Em 1948, logo antes de se converter no primeiro premiê de Israel, Ben Gurion afirmou, após visitar Lifat e outras zonas até ali de maioria palestina, adjacentes a Jerusalém, que haviam sido totalmente ‘esvaziadas’ de residentes palestinos por ataques de forças judaicas: ‘Não há mais árabes. 100% judeus. Se persistirmos, é muito provável que nos próximos seis a oito meses haja alterações consideráveis no país, muito consideráveis e em nosso benefício!’”
Passaram-se 70 anos e, em 2019, o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu – aponta o informe -, publicou em tom de vitória: “Israel não é um Estado de toda a cidadania, mas um Estado-Nação do povo judeu e somente deste”.
Festejar assim os resultados programáticos de Ben Gurion, não é uma clara confissão?
Aliás, nos dias da sanha terrorista para a expulsão em massa dos palestinos os termos referentes a um processo aberto de limpeza étnica se tornaram mais e mais recorrentes nas conversas entre seus perpetradores, inclusive no léxico usado pelo líder do processo, Ben Gurion. Palavras como “faxina”, “purificação”, “limpeza” se tornam termos do dia a dia daquele período.
“Hoje nós ocupamos Yibneh (não houve resistência séria) e Qaqun. Aqui a operação de purificação (tihur em hebraico) continua: não recebi notícias de outros fronts”, escreve Ben Gurion em seu diário no dia 5 de junho de 1948 (do livro A Limpeza Étnica da Palestina de Ilan Pappe).
Quanto ao método a ser utilizado, o premiê que expedia as ordens para a ação militar, era muito claro, nas conversas com os líderes políticos e militares no nascente Israel.
Vejamos o que escreveu em seu diário em 1º de janeiro de 1948: “Há agora a necessidade de reações firmes e brutais. Precisamos ser precisos quanto ao momento, local e aqueles que atingiremos. Se acusarmos uma família – precisamos machucá-la sem piedade, mulheres e crianças incluídas. De outra forma, essa não será uma ação efetiva. Durante a operação, não há necessidade de distinguir entre culpados e inocentes” (do livro A Limpeza Étnica da Palestina de Ilan Pappe).
Como conclui a AI em seu informe, a maioria palestina se tornou minoria e perdeu sua hegemonia em termos de proprietária das terras através de uma limpeza étnica com base na qual o Estado de Israel e seu regime de apartheid passou a funcionar em detrimento dos palestinos e para privilegiar os judeus que aí passaram a residir.
AÇAMBARCANDO TERRAS
Para deixar isso claro, vejamos alguns números significativos trazidos pelo informe e outras fontes (a exemplo do livro “Haaravim B’Israel”, “Os árabes em Israel”, Sabri Giries e The Jewish National Fund, Walter Lehn, professor de linguística na Universidade de Minesota e diretor do Centro para o Oriente Médio da Universidade do Texas, 1974)
1 – Logo antes da criação de Israel, em 1948, a população palestina era majoritária, em torno de 70%
2 – Possuía a imensa maioria das terras de propriedade privada, em torno de 90% no que era então a Palestina sob mandato inglês
3 – A população judia, grande parte recém emigrada da Europa constituía 30% do total.
4 – E, mesmo juntando com a propriedade das instituições judaicas, possuía 6,5% das terras da Palestina
Com a ação planificada e executada – sob morticínio e terror – pelas forças judaicas, 800 mil palestinos deixaram suas casas e terras. (Milhares morreram no conflito de 1948 e hoje o número de refugiados palestinos é computado em 6 milhões aos quais Israel nega o direito ao retorno apesar de Resolução em contrário da ONU – a número 194 – aprovada no mesmo momento da expulsão em massa).
5 – Hoje a população dentro do Estado de Israel é constituída aproximadamente de 80% judeus e 20% de árabes (muçulmanos e cristãos), mostrando que a inversão demográfica de fato aconteceu.
6 – A maior inversão se deu quanto à perda de terras, O IMEU afirma que no processo de implantação do Estado de Israel, os palestinos foram despossuídos de 4.244.776 acres de terras, ou 78% de todo o território em que Israel se estabeleceu no ano de 1948. Outras avaliações falam em perdas ainda maiores com 94% das terras nas mãos judaicas (do Estado de Israel, por definição judeu, ou em mãos privadas judaicas) os árabes agora israelenses, passaram a possuir 6% das terras.
No período que vai de 1948 a 1967, os palestinos detiveram a maior parte das terras da Cisjordânia até aquela data ainda não ocupada por Israel. Hoje, após 55 anos de ocupação e com o continuado assalto a terras palestinas por colonos judeus financiados pelo Estado de Israel, só restam 40% destas terras em mãos palestinas.
Quanto ao exercício segregacionista ‘legalizado’ acerca da propriedade judaica de terras pelo principal detentor de terras em Israel, o Keren Kayemet Le Isreal – Fundo de Existência de Israel, em aliança com o Estado de Israel veremos mais adiante.
FRAGMENTAÇÃO DA POPULAÇÃO PALESTINA
Mas o sistema segregacionista não para por aí. O controle sobre a população palestina é diariamente e totalmente exercido pelo Estado de Israel.
Como mostra o informe, a forma absurda deste controle sobre a população se explicita – entre diversos outros fatores – nas cédulas de identidade. Uma das formas que o apartheid israelense assumiu foi a fragmentação da população palestina, hoje forçada a viver em enclaves separados uns dos outros por muros, postos de controle e áreas residenciais exclusivamente judaicas.
Para os judeus israelenses há uma cédula de identidade apenas. Estas cédulas conferem aos judeus o direito de livre circulação em todo o território israelense, de viagem ao exterior, direito ao voto e a ser votado, além de outros privilégios. Até o ano de 2005, as carteiras de identidade israelenses traziam a informação com diferenciação entre israelenses. Um item, a “nacionalidade” informava se o portador era judeu ou árabe. Estes palestinos que conseguiram permanecer em território israelense apesar da limpeza étnica, ainda tiveram que suportar 18 anos (1948-1964) de vida sob regime militar.
Atualmente são quatro cédulas de identidade concedidas aos palestinos. Cada cédula confere ao palestino, seu detentor, uma classe de condição e determina aonde pode ir, aonde pode viver, que benefícios pode ou não desfrutar.
Há a já citada para os árabes israelenses. Temos ainda a de cor azul clara para os palestinos da Jerusalém Oriental (agora anexada a Israel), sendo que os árabes da cidade não são cidadãos plenos: podem circular no território israelense e podem votar nas eleições municipais, mas não nas nacionais e nem ser votados para o parlamento israelense. Esta cédula confere aos de Jerusalém Árabe (Oriental) um “estatuto de residência”, que pode ser subtraído do morador que se ausentar, por exemplo, para estudos no exterior. Israel já confiscou cerca de 15.000 estatutos de residência de moradores de Jerusalém.
A cédula verde, com Gaza como endereço, quer dizer que aquele palestino está detido na maior prisão a céu aberto do mundo. Mediante o bloqueio a Gaza, os palestinos vivem em uma situação com alto nível de desemprego, 46%, e 56% abaixo da linha de pobreza, em uma das regiões mais densamente povoadas do mundo, com baixo acesso a água potável (só 10% da população) e tudo o que entra e sai daquela região só atravessa os muros com permissão israelense, de brinquedos a insumos médicos, passando por material de construção). Não podem circular fora da faixa, a menos que recebam permissão especial. Não podem ir a Jerusalém ou à Cisjordânia mesmo que tenham família nestas regiões.
Já se a cédula é verde, com endereço na Cisjordânia, é aí que vivem, mas estão cercadas por assentamentos judaicos, não podem ir a eles sem permissão especial, não podem circular nas estradas que servem a estes assentamentos. Desde 2002, todo este território está sob cerco com um muro de 8 metros de altura e mais de 700 quilômetros de longitude. “O muro como uma prisão”, como se refere ao monstrengo erigido por Israel a pretexto de segurança, o ex-presidente Jimmy Carter – que está longe de ser considerado de esquerda ou um ‘fanático radical – em seu livro “Palestina: Paz e não Apartheid” (publicado por Simon & Shuster, 2006).
A INATINGÍVEL MORADIA
O informe da AI traz ainda, entre aspectos centrais a determinar o caráter de apartheid do Estado de Israel, a questão da moradia. Em Israel “é quase impossível obter concessões para a construção de moradia por parte dos palestinos”, diz o informe.
A população palestina vive numa armadilha, um ciclo vicioso. De um lado “para desenvolver suas comunidades ou ter um alojamento partem para construir sem permissão”. Por outro lado, ao fazerem isso, “Israel pode demolir tais estruturas por terem sido construídas sem permissão”.
Desta forma, nada menos de “150.000 palestinos vivem sob a ameaça constante de desalojamento forçado e demolição, muitos deles pela segunda ou terceira vez”.
A situação é mais dramática na Cisjordânia onde “18 estruturas palestinas são demolidas semanalmente”.
“No ano de 2020, foram 1.094 permissões de construção para israelenses judeus enquanto para palestinos 1 (uma) permissão!”
A ESSÊNCIA DO PROBLEMA
“Este conjunto de dados nos remete à essência do problema Para manter o caráter judeu do Estado, Israel desfavorece sistematicamente a população palestina e privilegia a população israelense judaica”, sintetiza o documento.
Para a AI “este privilégio racista está consagrado em leis”.
Um dos exemplos mais chocantes dessa legislação e normas estabelecidas está no acordo entre o Estado de Israel, mais precisamente o departamento ILA (Israel Land Administration) e o KKL (Keren Kayemet Le Israel – Fundo Nacional Judaico – JNF) pelo qual esta entidade de caráter sionista internacional tornou-se o maior detentor de terras de Israel e que, por princípio fundacional serve ao propósito de obter terras para os judeus, primeiro na Palestina e depois em Israel.
Em 2004, a organização de apoio aos direitos legais dos árabes em Israel, Adala, fez uma petição à Suprema Corte Israelense exigindo que a entidade JNF se conduzisse dentro do princípio da equidade a ser supostamente garantida pelo Estado.
Questionado pela Suprema Corte sobre o assunto, o JNF deu a seguinte e clara resposta, em 7 de dezembro de 2004, de forma que não é passível de duplo entendimento:
“O JNF não é e não pode ser leal a todo o público israelense. A lealdade do JNF é reservada ao povo judaico somente – para o qual foi estabelecido e para o qual atua.
O JNF argumenta que não tem o dever de alocar suas terras a não judeus. Até aonde a questão concerne a terras do JNF, isso levaria não apenas à interferência com o desmonte das atividades do JNF e de suas tarefas, mas negaria inteiramente sua função única como proprietário da eterna propriedade do povo judeu. Repassar terras para o uso de todos os cidadãos do Estado constitui uma contradição frontal com os propósitos do JNF e sua razão de ser.
O JNF está proibido de agir para alocar terras a todos os cidadãos do Estado. Se ao JNF for requerido a alocar suas terras a todos os cidadãos do Estado, isto equivaleria à liquidação de sua propriedade”.
Como não poderia deixar de ser, este estado lamentável de segregação e discriminação levou, desde os anos iniciais da empreitada sionista, a uma resistência por parte da população palestina e, para não ceder as justas exigências, respaldadas inclusive em resoluções da ONU, esta resistência enfrenta uma cruel repressão.
Como diz o informe, é exatamente a repressão “a parte mais visível deste sistema de apartheid”.
Ela se constitui na violenta agressão a manifestações, com o uso letal e mutilador de armas de fogo, nas prisões em massa, nas razias em aldeias com buscas extrajudiciais – a maioria nas madrugadas – em residências, nos interrogatórios aleatórios, nas humilhações cotidianas nas dezenas de postos policiais-militares de controle.
Como resultado desta repressão, há, segundo o informe, 4.236 palestinos em prisões israelenses. 352 delas sem julgamento ou sequer acusações formais.
E mais, levantamento da AI afirma que entre setembro de 2000 e fevereiro de 2017, as forças israelenses mataram 4.868 palestinos, dos quais 1.793 menores, isso à margem de conflitos bélicos. E mais: a AI internacional desconhece, neste período, de qualquer soldado israelense tenha sido declarado publicamente culpado por haver causado a morte de um palestino ou uma palestina.
Isso quer dizer que aos soldados das forças de ocupação é garantida total impunidade para participar dessa verdadeira orgia de sangue. “Quando parece que uma vida judia tem mais valor do que uma vida palestina”, isso não é apartheid em seu senso mais conectado ao exercício criminoso do poder de Estado?
“Temos que falar, todos e todas, em favor da população palestina”, conclama o informe, “temos que falar das violações de direitos humanos que sofre, temos que falar do apartheid, do sistema de apartheid ao qual está submetida, temos que seguir lutando de forma conjunta”.
“Pressionando o Estado israelense, podemos fazer com que seja desmantelado o sistema de apartheid. Unam-se a nós nesta campanha, todos e todas podemos fazer com as coisas mudem”, conclui o informe.
Apesar das respostas iradas do governo israelense ao informe, destacadas vozes israelenses, além da organização B’Tselem, se manifestaram de forma esclarecedora em seu apoio. Destacamos um dos jornalistas do periódico israelense, Haaretz: Gideon Levy.
“É MENTIRA?”
Vejamos os trechos iniciais do artigo do jornalista intitulado “Digam-me o que é mentira no informe da Anistia sobre Israel”, publicado nesta quinta-feira, dia 3:
Enquanto os xingamentos e gritos subsidiam: os da Anistia são antissemitas, o informe é cheio de mentiras, a metodologia é absurda – deve-se perguntar: O que, precisamente, está incorreto no relatório sobre apartheid?
Não foi Israel fundado sobre uma política de manutenção da hegemonia demográfica judaica, enquanto se reduzia o número de palestinos em suas fronteiras? Sim ou não? Verdadeiro ou falso? Esta política persiste até os dias de hoje? Sim ou não? Verdadeiro ou falso? Será que Israel mantém um regime de opressão e controle sobre os palestinos em Israel e nos teritórios ocupados em benefício dos judeus israelenses? Sim ou não? Verdadeiro ou falso? As normas usadas nos confrontos [de manifestantes palestinos com a polícia ou exército} com os palestinos não refletem uma política de atire para matar ou ao menos aleijar? Sim ou não? Verdadeiro ou falso? Os despejos de palestinos de suas casas e a negação a eles de permissões de construção não é parte da política de Israel? Sim ou não? Verdadeiro ou falso?
Sheikh Jarrah {o processo de expulsão de famílias palestinas presentes nesta comunidade vizinha a Jerusalém desde 1948] não é apartheid? A Lei Estado-Nação [arremedo de Constituição de Israel] não é apartheid? E a negativa à reunificação de famílias? E as aldeias até hoje não reconhecidas? E a política de judaização de regiões?
Será que há uma única esfera, tanto em Israel quanto nos territórios, onde haja absoluta igualdade?
Após estes questionamentos acerca da crítica israelense ao informe, Gideon Levy prossegue:
“Ler o informe é desesperar. É tudo que nós já sabíamos, mas de forma condensada. No entanto não vi desespero ou remorso por aqui, em Israel. A maior parte da mídia o marginalizou ou borrou e os órgãos de ‘explicação’ o rebateram. O ministro da Propaganda, Yair Lapid, recitou suas frases e foi ao ataque ainda antes do informe ser publicado. O ministro dos Assuntos da Diáspora, Nachman Shai, rapidamente o seguiu.
“Israel negligencia o informe sem responder a um único ponto ali levantado. Uma organização após outra, algumas delas importantes e honestas chamam isso aqui de apartheid e Israel repete: antissemitismo.
Segue a parte 2, sobre o debate e a resistência ao sistema de apartheid no interior de Israel.