Apagão da Enel: dias de caos em SP expõem descaso e herança maldita da privatização

Protesto organizado pelo MTST na sede da Enel - Foto: Divulgação

Desde que a distribuição de energia elétrica da capital paulista e de outros 23 municípios da região metropolitana foi entregue à gestão da italiana Enel São Paulo, em 2018, São Paulo passou a conviver com uma sequência ininterrupta de apagões que expõe a falência do modelo de privatização.

No quarto dia de apagão, mais de 500 mil casas permanecem sem energia elétrica na região metropolitana de São Paulo. No pico da crise, foram 2,2 milhões de residências sem abastecimento.

Ao menos cinco grandes crises afetaram centenas de milhares de consumidores e, em três episódios, milhões de pessoas ficaram sem energia elétrica. Ano após ano, os apagões se tornam mais severos e dominam o debate público justamente no momento em que a multinacional pressiona pela renovação das concessões por mais 30 anos.

Os casos mais graves ocorreram em 2023, 2024 e 2025, quando, a cada episódio, mais de 3 milhões de residências ficaram sem luz por semanas, sem qualquer previsão de normalização do serviço. Em todas essas ocasiões, a Enel não apresentou prazo para o restabelecimento da energia elétrica, aumentando a revolta e pelo abandono da população.

A degradação do serviço, porém, não começou em 2023. Desde que adquiriu a antiga AES Eletropaulo, a empresa promoveu cortes massivos no quadro de trabalhadores e deixou de cumprir metas mínimas de qualidade da Aneel em 2021 e 2022.

A concessionária afirma ter contratado cerca de 1.200 eletricistas entre junho de 2024 e março de 2025. Entretanto, o que se viu nesta nova crise foram carros utilizados para manutenção da rede parados nos pátios, enquanto a população fica no escuro.

MULTAS IGNORADAS

Entre 2019 e 2024, a Agência Nacional de Energia Elétrica aplicou R$ 374,4 milhões em multas à Enel em São Paulo. Ainda assim, a empresa recorre sistematicamente à Justiça para evitar o pagamento das sanções. Do total aplicado, apenas pouco mais de R$ 29 milhões foram pagos, evidenciando a fragilidade do sistema de punição diante de uma concessionária privada de grande porte.

Nos últimos cinco anos, a Enel acumulou R$ 606,2 milhões em multas aplicadas pela Aneel nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará, resultado de 18 penalidades. São Paulo concentra o maior volume: mais de R$ 374 milhões, o equivalente a 61% do total. Desse montante, R$ 165,8 milhões referem-se ao apagão de novembro de 2023 — a maior multa já aplicada pela Aneel em todo o setor elétrico. Em 2024, outra penalidade de R$ 83,7 milhões foi aplicada. Segundo a agência, “A multa está em fase de análise de recurso”.

Do total de multas, menos da metade foi paga. Apenas 10 das 18 penalidades foram quitadas, somando R$ 119.679.717,33. Em São Paulo, somente duas multas foram pagas: R$ 12,7 milhões, de um processo de 2019, e R$ 16,2 milhões, referente a 2021. Outras três multas, que totalizam R$ 315 milhões, seguem sendo contestadas judicialmente — duas em São Paulo e uma no Rio de Janeiro.

O Procon-SP também multou a concessionária em oito ocasiões, totalizando R$ 78,9 milhões entre 2019 e 2024. Nenhuma dessas multas foi paga. Uma delas já levou a empresa à dívida ativa, enquanto outra teve pagamento determinado em segunda instância, ainda sem cumprimento. Além disso, cinco multas estão suspensas por decisão judicial, impedindo a cobrança de R$ 47.264.980,52.

Em novembro de 2024, a AGU ingressou com ação contra a Enel buscando R$ 260 milhões em reparações coletivas pelos danos do apagão de outubro. O processo segue em andamento.

Outra informação estrutural agrava o cenário: a Enel reduziu 36% de seu quadro de funcionários entre 2019 e o terceiro trimestre de 2023 — de 23.385 para 15.366 trabalhadores próprios e terceirizados — ao mesmo tempo em que aumentou sua base de consumidores em 7%, alcançando 7,85 milhões de imóveis atendidos na Grande São Paulo.

Como ocorre após cada grande apagão, o colapso gerou nova rodada de reações, com ações judiciais, cobranças de órgãos reguladores, envolvimento do Ministério de Minas e Energia, do Tribunal de Contas da União e de governos municipal e estadual. Em ofício oficial, o diretor da Aneel Fernando Mosna afirmou que a reincidência e a gravidade das falhas configuram “descumprimento de cláusulas contratuais”, o que pode embasar uma recomendação de caducidade da concessão.

Após o documento, Mosna reuniu-se com o presidente da Enel São Paulo, Guilherme Lencastre, que apresentou planos de restabelecimento do serviço, sem, no entanto, informar quando a energia será totalmente normalizada.

A empresa, assim como outras do setor, insiste na tese de que os apagões decorrem de eventos climáticos extremos fora de seu controle. Essa versão é rebatida pelo presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, que destaca que os alertas são antigos, previsíveis e ignorados, somando-se à incapacidade operacional da concessionária e à falta de políticas públicas de manejo urbano.

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